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Ultrapassada toda essa fase, passa-se ao posicionamento de alguns doutrinadores a respeito da importância e da função atribuídos aos princípios dentro da nossa ordem jurídica. A nossa breve análise começa pelo constitucionalista

brasileiro José Afonso da Silva, autor de dois textos sobre o assunto: O primeiro deles foi editado em 1968 e reeditado em 1982, intitulado Aplicabilidade das Normas

Constitucionais e o segundo, bem mais recente, é conhecido como Curso de Direito Constitucional Positivo.

O primeiro texto é considerado o trabalho mais clássico aqui encontrado e trata especificamente das normas constitucionais. Foi, pois, o primeiro trabalho a cuidar especificamente dos princípios editado aqui no Brasil, ainda que de maneira bastante superficial. Ali, apenas afirmava que os princípios que eram insertos dentro de uma Constituição adquiriam uma dimensão jurídica29.

Mas, a orientação doutrinária da época era focada no sentido de reconhecer uma eficácia plena e uma aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais30. Por isso, aos princípios eram conferidos valor jurídico e caráter normativo. Delineava o autor, que existiam três usos diferentes para a expressão ‘princípios’. A primeira “normas constitucionais de princípio” era subdividida em “normas de princípio institutivo” e “normas de princípio programático”; a segunda “normas-princípio” e a terceira, “princípios gerais de direito constitucional”.

As normas de princípio institutivo eram aquelas, através das quais o legislador constituinte traçava esquemas gerais de estruturação e atribuição dos órgãos, entidades ou institutos, fornecendo meios para que o legislador ordinário os estruturasse, mediante lei31.

As normas constitucionais de princípio programático eram aquelas através das quais o constituinte se limitou a traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos, tendo em vista a realização dos fins sociais do Estado32.

O segundo uso atribuído aos princípios por José Afonso da Silva considera as normas-princípio como normas fundamentais, das quais derivavam as normas particulares, responsáveis por regular, imediatamente, as relações e situações específicas da vida. Elas continham princípios gerais informadores de toda

29SILVA, J. A. da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p.03. 30SILVA, J. A. da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 76. 31

SILVA, J. A. da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 116.

a ordem jurídica nacional (como o princípio da legalidade, princípio da irretroatividade). Deveriam, pois, todas elas estar inscritas na constituição e positivada no texto magno e ter, também, eficácia plena e aplicabilidade imediata33.

Por fim, os princípios gerais de direito constitucional designavam os temas de uma “teoria geral de direito constitucional”, pois envolviam conceitos gerais, relações, objetos que pudessem ter o seu estudo destacado da dogmática jurídico- constitucional. São, pois, extraídos de uma realidade histórico-social. São verdadeiros princípios, induzidos de um conjunto de normas, e não apenas normas positivas34. E foi assim que José Afonso da Silva, nesse primeiro momento, referiu- se aos princípios na órbita jurídica.

Mas foi na sua segunda obra35 que eles (os princípios) receberam uma atenção especial. Aqui, o autor tratou os princípios constitucionais como não homogêneos e que possuíam natureza e configurações diferentes um dos outros. Citando Canotilho, enumera os princípios constitucionais em duas categorias: princípios político-constitucionais e jurídico-constitucionais. Os primeiros “constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo”, ou seja, manifestam-se como princípios constitucionais fundamentais, positivados em normas-princípio36”.

Já os princípios jurídico-constitucionais para o autor, “são princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos [...] dos fundamentais” (ex: princípio da legalidade, da isonomia etc.) 37.

Finalmente, é importante ainda mostrar a preocupação que o autor esboçou quando sublinhou, com base em Jorge Miranda, a “função ordenadora dos princípios fundamentais” 38, bem como a função que eles tinham de servir de critério para a integração e interpretação das demais normas que compõem a sistemática constitucional e a ordem jurídica global.

33

SILVA, J. A. da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p.108.

34

SILVA, J. A. da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 108-109.

35 SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. 36 SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 85-87.

37

SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 85-86.

Um outro autor que trouxe um grande avanço à construção de um conceito sobre princípios foi Eros Roberto Grau. Ele foi o primeiro a trabalhar com a questão dos princípios nos moldes teórico-jurídicos atuais em seu texto Princípios e

Regras Jurídicas39. Ali, inicia as suas colocações ressaltando que existem princípios jurídicos que, embora não enunciados, expressamente, em textos de direito positivo, têm positividade e existência jurídicas inquestionáveis. Refere-se aos princípios gerais do Direito como princípios implícitos, que são, por sua vez, descobertos e deduzidos da própria ordem jurídica, por processos metódico-jurídicos de interpretação e concretização do Direito.

Afirma ainda que os sistemas jurídicos jamais poderiam ser compostos apenas por regras, pois também se compõem de princípios jurídicos expressos e implícitos, ou seja, positivos e positivados. E é a partir daí que ele sente a necessidade de distinguir os chamados “princípios positivos do direito” dos “princípios gerais de direito” que, sem dúvida, também aparecem expressos no texto constitucional.

Foi Eros Grau também quem primeiro tratou da distinção entre regras e princípios jurídicos, colocando-os como espécies do gênero norma jurídica40. E, a partir dessa análise, passou-se a determinar que os princípios não se colocavam, como muitos pensavam até então, acima ou além do direito, mas, faziam parte daquele complexo normativo. Por isso, não há como não vincular o intérprete da constituição aos princípios ali elencados. E é esse o pensamento que norteia, até os atuais dias, a balizada doutrina contemporânea que cuida da seara principiológica.

Geraldo Ataliba foi um outro grande estudioso que dedicou parte dos seus ensinamentos aos princípios. Foi ele quem considerou o princípio constitucional republicano como sendo “o princípio mais importante do nosso direito público” 41 . Para ele, este princípio era tido como o fundamental e básico informador de todo o sistema jurídico pátrio. A idéia da República dominava não só a legislação, como também dominava inteiramente o próprio texto da constituição, penetrando, inclusive, em todos os seus institutos.

39 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 92-133. 40

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.107.

Daí restava clara a sua importância dentro do sistema normativo, pois era até mesmo capaz de influir, de maneira decisiva, na interpretação dos princípios e demais regras constitucionais. Todas as leis que viessem existir precisavam, antes de mais nada, ter a sua exegese conformada às exigências por ele (princípio republicano) delineadas, a começar pelo próprio texto constitucional. Para Ataliba, o sistema era estabelecido mediante uma hierarquia, segundo a qual “algumas normas descansavam em outras, as quais, por sua vez, repousavam em princípios que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes.” Continua: “Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras [...]”.

Mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios. Estes se harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema42.

Assim, o autor conclui que nenhum poder constituído adotará medida normativa conflitante com os princípios constitucionais, ou seja, não é permitida, em qualquer hipótese, a produção de atos jurídicos contrários às enunciações dos princípios constitucionais. Esses, pois, prefixam tanto negativa quanto positivamente, o limite e o conteúdo das regras infraconstitucionais.

Por fim, o último autor que aqui merece destaque é Roque Antonio Carrazza. Diz o autor:

[...] os princípios são encontráveis em todos os escalões da pirâmide jurídica43. Desse modo, existem princípios constitucionais, princípios legais e até mesmo princípios infralegais, mas, de todos, os princípios constitucionais são os mais importantes, pois, além de fundamentar todos os demais, ainda auxiliam na interpretação, compreensão e aplicação até mesmo das regras constitucionais [...] Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou pareça ser) – o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se ao altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por jurídica)

42

ATALIBA. Geraldo. República e Constituição, p.04 -05.

se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico- constitucional44.

Acrescenta ainda mais adiante: “as próprias normas constitucionais, sempre que possuírem pluralidade de sentidos devem ser interpretadas e aplicadas de modo consentâneo com os princípios da Carta Fundamental [...]” 45.

Portanto, o que se extrai da sua análise é que ele sustenta a tese de que os princípios jurídico-constitucionais fundamentam o sistema jurídico. São, pois, diretrizes supremas desse sistema hierarquizado. São verdadeiramente genéricos e que, por isso mesmo, condicionam os mais particularizados dos princípios e até as mais específicas normas jurídicas. Assim sendo, todas as leis que tenham dispositivos conflitantes com os princípios expressos ou implícitos na Constituição, serão consideradas inconstitucionais46.