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Os quatro textos publicitários pertencentes ao grupo dos anúncios regulares apresentaram muitas referências à identidade e cultura do gaúcho. Estas menções ao gauchismo, na construção do discurso destes materiais, será retratada neste tomo da pesquisa.

Todos os textos publicitários cumpriam as dimensões de análise pré- estabelecidas: 1) de limites geográficos: optou-se por eleger anúncios veiculados em emissoras de televisão do Rio Grande do Sul; (2) de limites de público-alvo: optou-se em eleger os anúncios dirigidos especificamente para os sujeitos designados como “gaúchos”; e (3) de limites cronológicos: optou-se em selecionar anúncios produzidos e veiculados nos anos de 2013 e 2014.

Tendo cumprido estas normas, os anúncios foram analisados separadamente. Os elementos que foram analisados, seguindo a linha de pensamento da teoria semiolinguageira de Patrick Charaudeau, são: a situação de comunicação, nas instâncias externa interna; os sujeitos discursivos; as referências ao gauchismo; e a geração de sentidos possíveis.

As condições externas em que se apresentam os textos deste grupo não divergem entre os quatro anúncios. Todos eles se destinam ao público gaúcho, estão inseridos na mesma região e foram apresentados pelo mesmo canal de transmissão ao público. Porém, cada um deles corresponde a uma situação diferente de mercado.

A TIM, empresa de telefonia móvel, atua no Brasil desde 1998, e tem uma concorrência acirrada com os outros três principais players do mercado, tendo no Rio Grande do Sul, uma participação menor que 15% de share. O produto que a TIM oferece neste anúncio é um plano de telefonia com baixo custo e de fidelização de clientes.

A rede de farmácias São João enfrenta no Rio Grande do Sul um cenário parecido com o restante do país. As grandes redes vêm ocupando cada vez mais espaço nas cidades e se posicionando como as grandes redes de varejo de mercadorias em relação a preços e promoções. Buscando um melhor espaço neste mercado, a rede de farmácias São João posiciona-se como uma farmácia popular de preços baixos.

O Banrisul tenta consolidar-se como o melhor banco para os gaúchos, e para isso, neste anúncio, explora a facilidade e simplicidade de um dos seus principais produtos, o cartão Banricompras.

E por fim, a Cerveja Polar, que mantendo sua posição de “cerveja daqui” disputa com seus concorrentes no bilionário mercado deste tipo de bebida. No ano de 2014 a marca ocupava a terceira posição no ranking de cervejas no Rio Grande do Sul, com aproximadamente 15% de participação de mercado.

Quanto à instância interna, os quatro textos apresentam encenações que apresentam semelhanças e diferenças entre elas. Tanto a TIM quanto a Farmácias São João buscam figuras reconhecidas por sua atividade de atuação. A TIM preocupa-se em utilizar a imagem de uma atriz reconhecida nacionalmente, e mostrar ligações com o gauchismo nas referências verbais e visuais, assim se aproximando do público. A rede de farmácias São João traz no seu texto símbolos e códigos visuais relacionados com o gaúcho, pode-se notar que o personagem Guri de Uruguaiana, reconhecido regionalmente, é uma paródia do gaúcho típico e do seu jeito de ser.

Enquanto a TIM apresenta uma produção cuidadosa (cenário, tomadas aéreas, efeitos gráficos que denotam um investimento na produção), a rede de farmácias apresenta uma produção mais econômica e caseira, como bem quer se parecer a própria Farmácia, a fim de selar esse contrato de economia com seu público. O Banrisul tem sua instância interna repleta de códigos verbais que remetem à linguagem típica dos habitantes do Rio Grande do Sul. A ação de abreviar as palavras com intenção de criar novas expressões, conforme proposta no anúncio, é comum e muito difundida no estado, sendo utilizada frequentemente pelos gaúchos. A Polar, segue a linha de seus audiovisuais anteriores, posicionando-se através de códigos verbais e visuais de forma a crer que é a melhor cerveja do mundo por ser daqui, o melhor lugar do mundo.

Ambas as marcas amparam a construção do seu discurso na dimensão dos códigos verbais. A diferença entre elas, neste ponto, é o tom apresentado pelos

códigos verbais. Enquanto o Banrisul apresenta um tom de felicidade, leve, informal e elegante, a Polar tem um tom lúdico composto de humor escrachado e jovem.

Os anúncios da TIM e do Banrisul possuem um tom sério, de cunho informativo, fazendo um uso mais discreto das referências ao gauchismo. Já os anúncios da Polar e da Farmácias São João buscam representar o gaúcho e suas tradições de forma mais caricata e humorística. Pode-se constatar então, que o tom do texto é uma estratégia importante na construção do discurso de cunho regional.

Desta maneira, o contrato estabelecido pela instância de produção cumpre seu papel de buscar as associações do gaúcho com o tipo de produto/serviço que se vende, uma vez que uns são mais sérios, outros mais leves, outros mais caricatos e outros mais informativos. Cumprem a finalidade de fazer-crer e fazer-comover, construindo um TUd que se percebe gaúcho de forma natural ou caricata, valorizando suas identidades midiaticamente construídas.

No caso da TIM, a construção do discurso nos leva a um fazer-crer, de que a empresa anunciante procura fazer parte dos costumes do gaúcho, constituindo assim uma nova tradição. Sendo o gaúcho um povo que tem forte vínculo com o tradicional, a companhia telefônica posiciona-se de tal forma que proporciona este elo e também constrói seu destinatário como sendo um consumidor gaúcho que é adepto a novidades. A agência de publicidade da TIM, a Neogama, traz como um dos tópicos na construção deste discurso a dualidade do gaúcho. Contudo, abusa disso na criação de estereótipos, de certa forma “forçados”, como na cena dos dois rapazes jogando futebol no parque, cada qual com a camiseta do seu time. Esta situação é um tanto inusitada e sabe-se que não ocorre desta forma. Pode-se imaginar que a agência, por ser de São Paulo e não ter muito contato com o estado, buscou nestas formas estereotipadas uma maneira de representar o gaúcho, como acontece na cena em que o senhor com roupas muito semelhantes a indumentária gaúcha toma chimarrão no parque com se estivesse em um galpão crioulo. Por mais que as pessoas tenham o hábito de tomar chimarrão na praça, não é habitual que seja desta forma.

O discurso das Farmácias São João também adota um fazer-crer na construção do seu discurso, por intermédio de um humorista e o personagem que representa. Esse personagem caricato do gaúcho é reconhecido e carinhosamente aceito pelo público local, fator que indica o intuito de garantir credibilidade à oferta da marca. Mesmo representando o gaúcho de forma caricata, a empresa conta com o

prestígio do personagem e sua penetração na mídia para propor um contrato com o consumidor. Quando diz que o consumidor não precisa ir a outros lugares para adquirir presentes para toda a família, uma vez que pode fazer todas as compras em um só local, este contrato pressupõe que o as Farmácias São João também são um lugar para comprar presentes, além de medicação e produtos de higiene/beleza.

A produção do audiovisual das Farmácias São João é desprovida de recursos, deixando a desejar na elaboração de cenários e nos argumentos do texto. O tom lúdico, de cunho humorístico e caricato empregado pelo personagem pode ao mesmo tempo gerar dualidade de interpretação. Da mesma maneira que a empresa busca credibilidade quando usa o personagem como seu enunciador, pode gerar o efeito contrário, pois o personagem generaliza o gaúcho dentro do seu estereótipo, podendo surtir desta forma efeito negativo.

O discurso do Banrisul, por sua vez, emprega a estratégia do fazer-saber, na medida em que a instância da enunciação constrói seu produto – o Banricompras – por meio do propósito de fazer o espectador saber e reconhecer que usar o cartão é tão simples quanto as outras atividades que são mostradas no anúncio. Assim, propõe ao consumidor que, da mesma forma que os gaúchos gostam de simplificar as coisas, tornar a vida mais fácil e prática, o produto proposto pelo banco também é simples de ser usado e torna-se um facilitador da vida do consumidor. O contrato de comunicação implícito é que este é um banco sem problemas, fácil de trabalhar, simples como os gaúchos são.

O último texto publicitário deste grupo, pertencente à Cerveja Polar, sustenta seu discurso no fazer-crer, dimensão já proposta em outros anúncios da mesma marca. Desde o retorno da Polar à mídia em 2004, a empresa adota a afirmação de que a cerveja Polar é a melhor do mundo, e só é a melhor porque é “daqui”, do Rio Grande do Sul. Está implícita, neste texto, a memória discursiva de anúncios anteriores da mesma marca, que fazem parte do inconsciente do consumidor. Pressupõe-se, desta forma, que o que é bom, o que temos de melhor no Rio Grande do Sul, não pode sair daqui, da mesma forma que a cerveja também não pode sair do estado.

O Banrisul se apoia no gaúcho comum e na sua busca por simplificar a vida, mostrando que o seu produto pode deixar o as situações mais fáceis e leves em um mundo conturbado como o atual. Já a cerveja Polar, continua explorando o

orgulho de ser gaúcho, de ser daqui, já consolidado pelos anúncios anteriores da marca.

Os sujeitos discursivos que acompanham a situação de comunicação dos quatro anúncios se apresentam da mesma forma. Inseridos na situação de comunicação apresentada pelos textos, estão presentes os sujeitos que conduzem a ação, que Charaudeau (2006) denomina de enunciadores. O sujeito comunicante, interpretado pelo EUe, é sempre a empresa anunciante que constrói o seu discurso com base, nesta análise, no fazer-crer ou fazer-saber. Todos os telespectadores gaúchos podem ser considerados destinatários da mensagem, neste caso o TUi. No momento em que o EUe projeta o seu dizer no espaço interno desta fala, ele se dirige ao TUd (destinatário) da mensagem. Este TUd é o gaúcho que se identifica ora com a proposição da empresa de telefonia, ora com a farmácia, o banco ou a cerveja. Mas, a par de todas as diferentes construções de gaúchos estabelecidas pelos diferentes discursos, existe um TUd que é sempre o mesmo: ele é ‘gaúcho’.

A construção identitária do gaúcho nestes quatro anúncios ocorre de forma parecida. Todos eles se apropriam da identidade e da cultura do Rio Grande do Sul com interesse em atingir uma fatia dos espectadores do estado. Essa apropriação se dá pelos profissionais de propaganda, que as transformam em situações de comunicação em que a empresa ou o produto, por intermédio de um interlocutor (EUe) se apresenta ao público.

O que os torna diferentes, quanto à construção identitária, é em relação à estratégia adotada pela instância da produção – neste caso o anunciante e sua agência de propaganda. Esta pode ser baseada no uso de códigos verbais atuais, como no caso do Banrisul; elementos regionais e tom lúdico de características cômicas como no caso da Polar; apresentação de um personagem ou ator conhecido, gerando um texto testemunhal, como faz a rede de farmácias ou a companhia telefônica. De uma maneira ou outra, independente do seu ramo de atuação, todas elas se apropriam da identidade do gaúcho para construir uma situação de comunicação.

Os anúncios de tematização regional utilizam simbolicamente a cultura local para construir o seu discurso, que apresentado no decorrer do texto publicitário, cria um elo íntimo com o consumidor. Desta forma, pressupõe-se que a cultura e identidade local fazem parte da construção do discurso publicitário regional.

Os anúncios aqui apresentados dispõem das mesmas condições de produção. Todos eles têm elementos ou símbolos da cultura local presentes na construção de seu discurso. Assim, pode-se entender são produzidos nas mesmas condições, pois têm como base elementos do gauchismo no seu texto.

Os sentidos construídos pelos anúncios das empresas aqui analisadas estão diretamente vinculados ao “ser gaúcho”. Todas elas, em seu processo de construção discursiva, fazem uso de elementos identitários para gerar os efeitos de sentido necessários para transmitir sua mensagem.

O principal efeito de sentido gerado por estes anúncios é o resultado da relação destes anunciantes com gauchismo. Entende-se, aqui, que o fato de pertencer ao Rio Grande do Sul gera valor aos produtos anunciados. A TIM faz sua relação com o gauchismo quando se coloca como uma nova tradição para os gaúchos. A rede São João, utilizando um personagem conhecido dos gaúchos e que mesmo de forma caricata os representa. O banco do estado mostra que está presente no dia-a-dia dos gaúchos, tornando a sua vida mais fácil. E no caso da Polar, esta relação fica explícita no seu slogan: “a melhor do mundo é daqui” (como se o mundo se restringisse ao Rio Grande do Sul e como se a melhor cerveja fosse melhor, simplesmente por ser deste estado).

As marcas utilizam-se da identidade do gaúcho e, assim, criam uma relação de caráter emocional direta com o público local. Tal qual, como se estes anunciantes fizessem parte da cultura do estado e desta forma se tornassem parte do cotidiano do consumidor. Pressupõe-se que, o que é bom, o que há de melhor e os melhores valores sejam pertencentes aos gaúchos, apenas.

Os sujeitos comunicantes destes discursos publicitários se apropriam dos pressupostos – conhecimento prévio que o espectador tem acerca da cultura e identidade do gaúcho – e da linguagem típica regional para construir suas estratégias de produção. Estas ações constituem a linha cronológica destes anúncios e fazem com que o discurso construído por estas marcas tenha sentido, crie vínculos e desperte a atenção do público local. A apropriação da linguagem regional cria uma sequência lógica e ordena a compreensão dos sentidos gerados nos anúncios.

Desta forma podemos apurar que, através da ciência da formação identitária do gaúcho e da construção discursiva destes textos publicitários, o discurso publicitário regional gera possíveis sentidos que participam da manutenção da própria

identidade do gaúcho. Isso se dá de forma natural, sem parecer que seja uma construção forçada. Com exceção do anúncio da TIM, os demais indicam naturalidade em tratar desta dimensão do gauchismo, como se ela fosse expressão e modo habitual da totalidade dos gaúchos.

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