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Com base em nossas observações, afirmamos que o modelo predominante de anarquismo no Brasil deriva do anarquismo de “massas”, o que gera uma problemática relevante para reflexão. É notório que as ações Black Bloc, tão fervorosamente debatidas em meios midiáticos, políticos e mesmo acadêmicos, quando observados de maneira rápida, enquadram-se dentro dos marcos do que é um modelo “insurrecionalista”, tanto no que se refere ao seu modelo de “ação direta”, como naquilo que são seus moldes

88 organizacionais. Tais características se confirmam por meio da nossa observação, seja ela formalizada neste trabalho, ou aquelas que partem de observações derivadas da experiência militante do autor. Partindo da literatura especializada sobre o tema, confirmamos também aquilo que Depuis-Déri (2014) e Solano (2014) dizem sobre os

Black Bloc, a saber: os Black Bloc têm um modelo de organização por afinidade e

espontaneidade no mundo e no Brasil. Diante deste elemento, é necessário trazermos esclarecimentos ao seguinte problema: de que maneira existem as estratégias “insurrecionalistas”, na ausência de sujeitos partidários de tal modelo?

Para respondermos a tal problema, é necessário retomarmos alguns aspectos tanto teóricos, como da base empírica de nosso trabalho. Corrêa (2015) evidencia que, a despeito de apresentarem diferentes estratégias e modelos organizativos, não é o uso da violência revolucionária que separa os anarquistas de “massas” e “insurrecionalistas”, mas o papel que ela (violência) joga em sua estratégia. O uso da violência revolucionaria – uma das modalidades de “ação direta”, por parte dos anarquistas – é tido como um ponto pacífico da teoria do anarquismo, aceito por ambas as correntes, porém, tendo divergência na maneira como figura dentro da “estratégia” anarquista. Mesmo Malatesta e Kropotkin, notórios membros da corrente de “massas”, aventaram a possibilidade do uso da “propaganda pelo fato” (CORRÊA, 2015) em certo período de sua vida.

Se emprestamos os termos de um de nossos sujeitos, o Entrevistado 6 (2016), que se refere ao Black Bloc como uma “tecnologia de batalha”, apontando que se tomou parte do rol de práticas dos movimentos sociais das mais diferentes estirpes ideológicas, podemos compreender melhor que papel cumpre a corrente “insurrecionalista” no desenvolvimento do anarquismo no Brasil. Podemos entender que o Black Bloc aparece como uma “tecnologia”, um modelo de ação ao alcance de todos, podendo ser apropriado aos mais diferentes fins do movimento, sem necessariamente assumir uma forma estritamente “insurrecionalista”.

Em um contexto de violência policial indiscriminada contra os movimentos sociais, o Black Bloc – que aparece via de regra impulsionado pela ação de anarquistas – consiste em uma ferramenta de autodefesa de manifestações, evidenciando a violência por parte do Estado. O Black Bloc acabou se tornando um instrumento pertinente dos movimentos, na medida em que a violência policial é tomada por estes como fato dado. Conclusão parecida nos apresenta, em seu “Mascarados” (2015), a antropóloga Esther Solano, que percebe que os Black Blocs aparecem como uma resposta à violência policial.

Na medida em que a violência policial contra os movimentos sociais no Brasil é algo contínuo em nossa história, fazendo parte de nosso presente também, o ressurgir do

89 anarquismo, e por consequências das suas noções de “ação direta” nos idos de 2013, remeterão a respostas dentro deste marco por parte dos movimentos, em que práticas de autodefesa e desenvolvimento de medidas diretas para escapar e resistir à violência policial irão se tornar cada vez mais comuns, sendo o Black Bloc, neste contexto, a prática de autodefesa que mais atenção chamou da sociedade em geral. Ao mesmo tempo, por meio da espetacularização e sensacionalismo promovido por parte destas ações de resistência anarquista, o Estado buscou justificar uma escalada crescente de repressão, controle e violência institucional contra à militância e contra o ativismo no geral, ora conseguindo engajar a opinião pública nesta escalada, ora tendo de ceder ao movimento por ver seu discurso deslegitimado pela mesma, como no caso de 2013, no qual a violência policial se apresentou como um dos componentes que levaram milhões às ruas, em solidariedade aos movimentos contra o aumento da tarifa (JUDENSNAIDER et. al, 2013).

Desta maneira, em larga medida, o que define a presença de estratégias próximas daquilo que se entende como anarquismo “insurrecionalista” se dá pela crescente repressão, controle e violência do Estado, que provoca uma resposta dos movimentos sociais que desenvolveram técnicas capazes de fazer suas manifestações políticas viáveis em meio a um contexto de violência estatal. As técnicas de enfrentamento a tal violência, repressão e controle estatais, por parte do movimento Black Bloc, identificado com o “insurrecionalismo”, parecem bastante pertinentes no contexto brasileiro. A formação tática (bloqueios, barricadas e enfrentamento direto às forças de repressão) que busca defender os manifestantes em geral das manifestações fez com que as manifestações – que seriam facilmente desbaratadas pela polícia – tivessem relativo sucesso em seus propósitos.

O modelo de ação que parte de grupos de afinidade, ou seja, de pessoas que se conhecem e têm intimidade, traz dificuldade à infiltração, assim como ao controle, o que é reforçado pela omissão da identidade pelo traje Black Bloc, que facilita o aumento de suas fileiras por meio de um recrutamento espontâneo, visto que para aderir a tal tática é necessário muitas vezes a adesão ao bloco de forma espontânea, por meio da identificação estética. Esta estratégia permite que o bloco tanto cresça vertiginosamente, pois pessoas que se identificam com a prática simplesmente aderem a mesma no curso da manifestação, assim como desapareça com a mesma velocidade. Não são as práticas desenvolvidas sobretudo por grupos de natureza “insurrecionalista”, ou mesmo “tecnologias de batalha”, que trazem dissenso entre as correntes anarquistas, mas sim as maneiras pelas quais se enquadram dentro da estratégia anarquista. Este ponto é

90 bastante perceptível em nossas entrevistas, na medida em que nenhum dos entrevistados, por mais que em sua maioria sejam membros da corrente de “massas”, rechaçou a tática Black Bloc; contudo, os entrevistados inseriram a tática Black Bloc em contextos específicos, como a defesa do movimento de massas e a realização desta com adesão, ou ao menos a legitimação de setores das “massas”.

A questão do anarquismo de “massas” é aportar tal rol de práticas quando estas se apresentarem referendadas ou encontrarem adesão, ao menos parcial, no movimento de massas. Já para o anarquismo “insurrecional”, este modelo de ação é a estratégia em si. No Brasil, encontramos tais divergências expostas no movimento em menor grau, e sem uma identificação clara dos sujeitos que encampam tal posição com o “insurrecionalismo”, como pode ser constatado por meio de nossa pesquisa empírica, quando o Entrevistado 7 (2016) relata a presença de “individualistas”, que sequer aceitavam debater no movimento a adesão a tal tática em determinados contextos, assumindo a mesma como forma de ação permanente do movimento, independente da conjuntura e situação política.