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Andy Warhol e a duração no corpo

CAPÍTULO 1 AS DIFERENÇAS ENTRE OS SUPORTES

3.2 Andy Warhol e a duração no corpo

Warhol reunia, em seu estúdio The Factory entre 1963 e 1969, um grupo de pessoas em geral jovens: assistentes, atores, intelectuais, um roteirista etc. Muitos deles se identificavam com a idéia criada por Warhol de Superstar. A maioria dos filmes do artista foram realizados na bitola de 16 milímetros.

No filme Eat, 1963, por exemplo, um homem, Robert Indiana, come cogumelos e brinca com um gato durante meia hora. Já o filme Sleep, 1963 registra um homem dormindo, o filme tem duração de seis horas. Patrick S. Smith12 aponta o uso de tropos cinematográficos por parte de Warhol. Segundo Smith:

Um ‘tropo’ é um recurso de estilo que tem a ver com uma forma de expressão específica e que é constituído por uma interrupção formal na corrente ‘gramatical’ normal de um discurso nesse campo. Essencialmente um ‘tropo’ interrompe essa corrente chamando a atenção para ele próprio em detrimento do conteúdo apenas pela sua ocorrência. [...] como recurso cinematográfico um ‘tropo’ pode-se tomar a forma de montagem que interrompa uma narrativa, ou um movimento de câmera que é notoriamente discordante com outros planos e movimentos (SMITH, 2005, online, grifo do autor).

De acordo com Smith, o primeiro tropo do artista é deixar a câmera imóvel, estática, as situações são construídas como em um tableau vivant e a atenção do espectador é concentrada em um assunto. Mas é o segundo tropo que nos interessa, que é o plano de longa

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duração. Em muitos de seus filmes Warhol mostra os atores em planos que duram o mesmo tempo que as bobinas de filmes, alguns filmes constituem a duração de apenas uma bobina, em outros o artista “falsifica” (tenta esconder) ou não os cortes necessários para troca das bobinas, mas também há filmes em que o artista realiza cortes sem a preocupação em terminar uma bobina para cada plano, alguns cortes eram feitos através da opção de desligar e ligar a câmera novamente, inclusive deixando na montagem final os ‘strobe cut’13.

Portanto, o artista trabalha nos planos longos com um tempo que não se interrompe, é um pouco um estudo sobre a natureza do que muitos chamam de “tempo morto”, é aquele em que eventos importantes não acontecem é uma espécie de continuum, é uma opção por deixar o tempo passar e nesse “passar”, pode-se sentir a duração passando através dos corpos dos atores. Já os strobe cut são cortes radicais nesse continuum do tempo, é uma interrupção radical em que se percebe o próprio corte como uma espécie de intervalo, o que talvez possa ser comparado atualmente com as interrupções dos intervalos comerciais, no sentido em que são cortes bruscos, mas que a televisão tenta “abrandar” com a inserção de breves vinhetas, assim, pensamos que o cinema de Warhol é um cinema que se liga à televisão e ao vídeo através de sua linguagem.

No filme Sleep, o poeta John Giorno é filmado em vários planos fixos, em que Warhol mostra uma parte do corpo do poeta: estômago, olhos etc. A filmagem levou uma semana inteira e, posteriormente, Warhol montou com bobinas de 30 metros os trechos em “loops” 14 fílmicos (SMITH, 2005, online). De acordo com Smith, Sleep se aproxima de uma interpretação de Vexations de Erik Satie, que é uma curta melodia repetida 840 vezes, que foi tocada em Nova Iorque sob a direção de John Cage em 1963, mesmo ano da realização de Sleep. E na visão desse filme quando Giorno faz um mínimo movimento devido a variações do sono isso se torna um “evento” para o espectador. Warhol determinou que a velocidade de projeção de Sleep deve de ser a mesma de um filme mudo, 16 quadros por segundo, o que faz com que o filme se torne um tanto hipnótico para o espectador. (SMITH, 2005, online). Nesse caso o artista parece buscar um tempo de repetição e na exibição do filme uma “dilatação” do tempo, que cria em uma forma hipnótica e que, segundo Smith, faz com que pequenos acontecimentos (como quando o

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Quando se montava na câmera aparecia uma imagem branca e um ruído durante alguns fotogramas, geralmente os montadores cortavam esse trecho, entendido como ruído visual e sonoro (SMITH, 2005, online).

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O “loop” fílmico é realizado através da colagem de duas extremidades do filme para se obter uma repetição infinita de determinada seqüência (SMITH, 2005, online). Atualmente com o vídeo digital pode-se colocar um filme para ser repetido infinitamente.

poeta se mexe dormindo) adquiram um sentido de um “grande evento” (SMITH, 2005, online). Mas sempre é um tempo que “atravessa” os corpos. Enquanto muitos filmes e programas de televisão tentam “comprimir” o tempo montando muitos acontecimentos em pequenos espaços de tempo, os planos longos de Warhol parecem fazer o contrário, poucos acontecimentos em espaços longos de tempo.

Parece-nos nítida a semelhança entre as linguagens de alguns filmes classificados como cinema do corpo, e os vídeos dos pioneiros da videoarte no Brasil. Tomemos os filmes de Warhol onde, em geral, o artista deixa a câmera fixa e grava ações dos atores, mesmo sendo roteirizados alguns de seus filmes parecem registrar uma espécie de performance, ou simples aparições de atores em frente à câmera.

Já o vídeo clássico brasileiro, Marca Registrada, 1975, de Letícia Parente, em que é colocada uma câmera fixa em um plano de detalhe do pé da artista que borda as palavras Made in Brasil na sola de seu pé, o vídeo é a própria duração desse ato, sendo realizado sem cortes em um só plano. A realização do vídeo sem cortes é uma opção da artista, mas que tem a ver com o fato de que nessa época não era possível a realizar a edição.

Muitos filmes de Warhol também correspondem a uma espécie de performance corporal, ou simples aparição em frente à câmera. Porém, os motivos são diferentes nos vídeos pioneiros e nos filmes de Warhol, por exemplo, este joga com a ideia dos superstars, com o exibicionismo, com as celebridades, com o erotismo, a transgressão, e com uma espécie de paródia dos filmes Western de Hollywood. Enquanto que o ato, ou performance, presente no vídeo de Letícia Parente e na maioria dos vídeos brasileiros da década de 1970 tem uma forte conotação política.

Em muitos filmes de Warhol a duração dos planos depende da duração das bobinas de filmes, devido a própria escolha do artista, enquanto nos vídeos pioneiros de 1970 a duração também dependia do suporte devido a uma limitação técnica, porém isso influía na linguagem dos vídeos. Esses filmes e vídeos se assemelham ao buscar um registro dos corpos em “tempo real”, onde a duração permeia uma espécie de ato ou performance artística de forma contínua.

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