• Nenhum resultado encontrado

RUFFATO, Luiz. Entrevista para artigo [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <franciele_queiroz@yahoo.com.br> em 15 jul. 2011a.

Entrevista 1- Fronteiras porosas: o real e o ficcional

1) Em entrevistas você toma de empréstimo uma concepção das artes, a de “instalação”, e coloca sua obra, Eles eram muitos cavalos, ao mais alto nível de experimentação tal como uma “instalação literária”. Em que medida sua obra, em geral, é permeada por essa noção? A propósito, gera-se uma sensação de “real” por meio desse recurso?

Eu penso que quando uso o termo ―instalação literária‖ estou, na verdade, tentando chamar a atenção para a forma do livro, mais que o conteúdo. Ou seja, queria lançar luzes para além da obviedade de que se trata de um livro ―sobre‖ São Paulo. Porque a realidade é inapreensível. O que faço é flagrar momentos específicos de vidas específicas. E não só em Eles eram muitos cavalos, mas em todos os outros livros também. No meu ponto de vista, o ‗romance‘ contemporâneo tem que lidar com a categoria espaço-tempo levando em conta as apreensões da física quântica. Eu não concebo um narrador onisciente, onipresente e onipotente, acompanhando o desenrolar de uma biografia integral. Ao autor resta apenas trabalhar com o material fragmentado de ruínas.

2) O teórico Barthes concebe o “real” como um código de representação. Se você considerar esse pressuposto condizente, poderia dizer como esse código de representação opera o “real”?

Como disse, acho o real inapreensível. O que faz o autor é criar narradores que tentam organizar minimamente as ruínas do real. A arte é artifício e o desafio é exatamente esse: tornar verossímil, por meio da verdade do artista, o que é uma construção artificial.

3) Em alguns estudos recentes você é considerado pela crítica como um autor realista, você assim se considera?

Sim, se adotarmos como conceito de realismo a descrição de uma dada realidade construída com personagens que, mal ou bem, têm uma biografia, freqüentam um espaço reconhecível e habitam um tempo específico. E, também, e talvez até mesmo principalmente, se pensarmos que a chave utilizada não é a da cópia da realidade (o que estaria no âmbito do naturalismo), mas sim a de reconstrução da realidade.

4) Que outros autores contemporâneos, seguem uma possível “seara” realista, poderia citar alguns nomes? E em que sentido você considera que as narrativas desses autores exploram essa vertente realista.

Prefiro saltar essa resposta...

2- Autoficção: “da pessoa ao personagem”

1) O que significam as entrevistas para a constituição de um autor? Com relação ao espaço da entrevista existe na sua conduta uma consciência da constituição de uma figura autoral?

Não tenho dúvida de que o espaço da entrevista é o espaço da construção do mito. Aqui o autor direciona a leitura de sua obra e organiza dados de sua biografia, de tal maneira que lança luzes nos lugares mais convenientes...

2) Suas obras podem ser consideradas autobiográficas? Poderíamos supor uma espécie de autorrepresentação, obviamente entendida como uma estratégia ficcional, em que nos termos de Arfuch, não interessa a “verdade”, mas a construção da narrativa?

Não. Não creio, sinceramente, que meus livros possam ser lidos na chave da autorrepresentação. Se há elementos biográficos, e há, eles estão diluídos de tal maneira que torna-se impossível uma reconstrução. A mim não interessa narrar minha vida ou acontecimentos que a constituem, mas sim tentar edificar um universo comum à classe média baixa.

3) Os elementos “biográficos” ou os “biografemas”, para utilizarmos a concepção de Barthes, que podem ser encontrados em forma de ficção na sua obra já geraram algum tipo de confusão? Algum “conhecido-leitor” se identificou a ponto do reconhecimento da pessoa com o personagem?

Nesse sentido sim, ocorreram alguns ―reconhecimentos‖ que estão na natureza do leitor e não na construção ficcional. Porque o leitor lê não o que o autor escreveu, mas a sua própria experiência. Ou seja, o leitor busca no livro algo que preencha sua expectativa. Há casos como o de um leitor que transformou algumas histórias constantes do segundo volume do Inferno Provisório, O mundo inimigo, em parte integrante e essencial de sua memória de infância. Há outro caso, de um sujeito que jurava ter conhecido meu irmão em Diadema, após ler De mim já nem se lembra, sendo que trata-se de um personagem e que,

além de tudo, nunca morou naquela cidade. Ou ainda pessoas que conhecem o Serginho em Cataguases, personagem do Estive em Lisboa e lembrei de você, e mesmo a dona de uma tasca em Lisboa, onde o narrador teria entrevistado Serginho, e que jura ter acompanhado as sessões de entrevista...

4) O personagem de ficção parece ser uma espécie de fio condutor das suas narrativas. Apesar da não centralidade de um personagem é por meio deles que os cheiros, os movimentos e uma espécie de sinestesia se apresentam. Há predileção por algum narrador-personagem no conjunto do Inferno Provisório?

Não. Inclusive porque meus livros são uma espécie de descrição narrativa, ou narrativa descricional, onde o narrador em terceira pessoa (falsa) ou mesmo quando se trata, em raras vezes, de um narrador em primeira pessoa (também falsa), nunca ou quase nunca é suficientemente presente para se destacar do âmbito da narrativa.

3- Autor midiático: (en)torno do autor

1) Vivemos em uma constituição cultural midiática. Como essa verificação afeta a vivência e a escrita de um autor? Como é ser escritor nesse espaço midiatizado?

Eu tento me manter longe da devoração midiática. Penso que mantenho um posicionamento que me permite estar presente na mídia, sem que a mídia esteja presente na minha vida. Se você verificar, apesar das milhares de páginas que surgem no google quando você pede uma pesquisa, nenhuma (nenhuma!) delas tem relação com a minha vida pessoal (tem com a biografia, apenas, mas não com minha vida pessoal...).

2) Sabemos que você é avesso a utilização de alguns “dispositivos”, tais como relógios, celulares, redes sociais, blogs e microblogs. Mas o que acha de meios de divulgação com os quais os autores podem contar atualmente: a internet, a TV, making-off de obras? Isso poderia ser um indício positivo de uma espécie de “profanação” do literário?

Acho que de um lado, sem dúvida, pode ser visto como um instrumento de dessacralização da imagem do escritor, já que, aparentemente, todos podem escrever e se descrever no espaço democrático do mundo virtual. Mas, ao mesmo tempo, esses mesmos espaços acabam reforçando o estereótipo, porque nunca passam a imagem da escritura como trabalho, mas sempre da escritura como inspiração, que, de certa maneira, é o reforço da imagem do escritor como alguém ligado não à natureza, mas aos deuses...

3) A participação no projeto “Amores Expressos” fez com que você sentisse a validade desses recursos? Deixar de postar no blog do projeto foi uma escolha aceitável para os agenciadores do mesmo?

Eu não tenho absolutamente nada contra blogs, orkuts, tuíteres, facebooks, etc. A questão toda se resume em dois aspectos: primeiro, minha vida é absolutamente desinteressante para ser bisbilhotada publicamente...; segundo: eu sou escritor profissional e escrever nestes espaços virtuais é escrever de graça... se me pagassem... quem sabe...

4) A fragmentação é uma das características mais mencionadas quando se trata de sua obra, embora essa fragmentação se desenvolva de maneira muito própria não podemos dizer que é um recurso novo. Como você observa o trabalho da crítica em (re)descobrir “novas” características, por vezes, nem tão novas assim?

Documentos relacionados