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ANFOPE: formação de professores e saberes docentes, entre leis e lutas

2 PROFA SOCORRO GUERREIRO: “O CHEIRO DOS LIVROS”

2.3 ANFOPE: formação de professores e saberes docentes, entre leis e lutas

A partir da Conferência Brasileira de Educação, realizada em 1980 em Goiânia, teve início uma mobilização dos profissionais da educação no país, com a qual foram estabelecidas duas vertentes para o debate em torno da questão: a primeira, encaminhada pelo MEC, e a segunda, encaminhada pela sociedade civil, buscando interferir nas decisões e garantir a autonomia da universidade na perspectiva de fixar currículo e propor a formação do educador em consonância com os anseios da sociedade (ANFOPE, 1996).

A partir de 1983, o Comitê Pró-Formação do Educador, criado em 1980, transformou-se em Comissão Nacional, vindo a se tornar, em 1990, Associação Nacional para a Formação de Professores (ANFOPE), realizando vários encontros ao longo dos anos,

42 visando, além de mobilizar os educadores, acompanhar, sistematizar, promover e articular esforços pela reformulação dos cursos de formação de professores, tudo isto sem comprometer sua autonomia frente aos órgãos oficiais. O trabalho da ANFOPE, ao longo de sua trajetória, foi desenvolvido buscando a articulação e a sistematização de propostas para a formação do profissional do magistério que atenda às demandas e aos anseios dos diversos setores sociais (ANFOPE, 2012).

PROFESSORES NOVATOS: Com relação a esses professores que estão entrando agora, no último concurso; esse pessoal pode ser melhor ou pode ser pior. As universidades, as escolas que abriram tem um mundo de oportunidades hoje e as pessoas acham que se forem lá dar uma presença e amanhã ou depois elas ficam numa escolinha particular que paga uma mixaria e elas ficam por ali enganando as crianças e pensam que são professoras e, não são. Estava tentando descobrir qual a forma mais interessante de trabalhar as tendências pedagógicas porque o povo está tão desinteressado e, eu mandei eles estudarem as tendências e dramatizarem uma situação de sala de aula com o perfil daquele professor com a tendência. Saiu coisa que não tinha nada a ver, uma coisa com a outra. Eu tinha que pontuar, quando elas terminaram de dramatizar que eu perguntei sobre as tendências elas responderam: ah, professora, não foi isso que a gente apresentou. Elas não estavam nem compreendendo. Então, eu voltei tudo de novo. Aquele livro de Psicologia da Educação, do Nelson Pilleti, é bem simples, e um dia uma aluna veio me perguntar por que no texto tinha a frase: “a criança sugava” e ela veio me perguntar o que é sugar. Quer dizer a universidade tem o desejo de botar o aluno, ai, ela bota qualquer pessoa. Eu sou obrigada a reprovar alguns alunos, às vezes, eu repito a avaliação. Já teve gente que eu tive que repetir umas três vezes, a mesma avaliação, eu apliquei a mesma avaliação três vezes. Pelo menos, ela teve que ler a apostila, na terceira vez eu terminei aprovando. Pelo menos, ela foi obrigada a ler todos os textos que a gente tinha trabalhado na sala, porque a criatura queria fazer de qualquer jeito.

A Associação Nacional pela Formação de Profissionais em Educação movimento em defesa da formação inicial e continuada de valorização dos profissionais em educação é originária do movimento de educadores na década de 1970.

Nóvoa (2002) afirma em “Formação e Trabalho pedagógico” que a atividade docente caracteriza-se por uma grande complexidade emocional. Os professores vivem num espaço carregado de afetos e de conflitos. Comenta ele, que muitas vezes prefeririam não se envolver, mas, para ele, se ocorrer esse distanciamento seria a negação seria negar o seu próprio

43 trabalho. Acredita que os professores têm que ser formados, não apenas para uma relação pedagógica com os alunos, mas também para uma relação social com as comunidades locais já que a escola hoje tem um espaço muito maior de atuação.

Desde o 5º Encontro Nacional, realizado em 1990, a ANFOPE vem promovendo seus Encontros Nacionais de dois em dois anos, na luta pelos seus princípios, que foram se configurando historicamente. É importante enfatizar que a entidade soma-se à luta dos professores pela valorização profissional, em todas as suas dimensões, e na exigência de que os estados e o Distrito Federal apliquem a Lei do Piso Salarial Nacional e criem efetivas condições dignas de trabalho para os educadores.

Apoiados em ideias de Saviani (2009) e de Freitas (2011) acerca da noção de Sistema Nacional, a ANFOPE defende o processo de construção do Subsistema Nacional de Formação de Professores. A importância da construção do Sistema Nacional de Educação, que inclua, necessariamente, um Subsistema Nacional de Formação e de Valorização dos Profissionais da Educação, ambos vem sendo historicamente adiados.

A ANFOPE reconhece em seus documentos que todo professor, que tem por base de sua identidade a docência, deve ser um pesquisador. Essa concepção vem sendo defendida pela entidade em diferentes fóruns de discussão, audiências públicas, documentos publicados, e, também, por ocasião da elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores para a Educação Básica (2001-2002) e das Diretrizes Curriculares Nacionais de Pedagogia (1999-2006). Em seus princípios, a ANFOPE defende esta concepção, bem como defende que as Faculdades de Educação e similares, devem ser o lugar reconhecido como formador de profissionais pertencentes à estrutura atual da educação, na graduação e na pós- graduação. Esta associação tem representado uma boa parte do pensamento educacional brasileiro nas últimas três décadas. São pesquisadores/professores, cuja área de atuação é a Educação, e, o mais importante, que têm buscado manter compromissos historicamente assumidos com a escola de gestão pública, laica, gratuita, inclusiva para todos os cidadãos brasileiros e de qualidade referenciada no social (ANFOPE, 2012).

AS CRIANÇAS DA ESCOLA PÚBLICA: A saída do Geo para a escola pública, essa chegada foi um negócio assim bem interessante. A princípio, eu me assustei, e, eu que dominava muito bem as crianças, gosto de contar história, mas eu fiquei meio assustada. Então, eu voltei lá na UFC conversei com a Ana Iório por que ela dava formação na escola e eu achava que ela era uma pessoa que podia me ajudar. Eu disse: estou assustada, eu acho que as crianças não olham p mim, elas não dão conta, elas não estão nem me percebendo

44 direito. Foi em 2001, assim que entrei, eu fui p uma turma de infantil. A sala muito apertada, eu tirava as crianças daquele espaço, levava p outro espaço, fazia aquilo que eu sabia fazer, que era bom. Mas, eu achava que as crianças não tinham concentração, que eu achava era a falta de concentração. Ela disse assim: você tem que voltar, observar e tentar descobrir o que é, alguma coisa tem, e, você tem que descobrir. E, ai, eu descobri que as crianças estavam com fome, iam para escola com fome, algumas chegavam a desmaiar na minha sala. E a merenda escolar totalmente desviada, e péssima. A agente ficava fazendo cota, fazia farofa de bagaço de caju, tinha uma professora que tinha um sítio e trazia frutas. Ficava pensando em como ajudar e eu fazia um cachorro quente, inventava umas festas. Era eu e uma professora que tinha no colégio, ela tinha muita habilidade com artes.

No Geo eu lidava com crianças de classe média e média alta. Quando eu cheguei na escola pública eu tomei um susto, mas, depois eu descobri que, tanto faz a criança ser preta, branca, azul, amarela, rica, pobre, ela, toda ela é feliz. Ela tem aquele momento dela de fome vc sentava ali começava a cantar, ela começava a sorrir, brincar, interagir. Eu descobri muitos talentos na escola pública. Eles têm uma habilidade muito grande com números por causa da vivência, eles vendiam coco. A escola que eu trabalhava era perto do mar, então, ela era mais leve, não tinha muita violência, não tinha, era em 2001, 2002, não tinha, mas, mesmo agora, recentemente, que eu passei lá.... Depois, eu fui trabalhar com adolescentes, a trabalhar com os professores, eu ia dar psicologia da educação, depois eu fui dar da adolescência lá eu achei o jovem totalmente sem esperança. O jovem não acredita nem na família e nem na sociedade, então, ele não tem esperança nem de chegar na universidade. Ele ta ali porque o pai manda, vai lá p pegar uma carteira de estudante, mas, realmente, ele não tem esperança... Eles olhavam assim meio que espantados como se não estivessem acreditando.

Há um grande questionamento em torno da identidade do pedagogo e, quais seriam os saberes que lhe confeririam essa identidade. Os processos históricos e sociais que conformaram essa construção levam-nos às próprias condições do contexto histórico em que o nosso país discute o papel da escola e da educação nacional como um todo.

A Associação Nacional para formação dos profissionais em Educação (ANFOPE) em documento de 1996 discute essa identidade/saber do pedagogo, já, na esteira das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Pedagogia, de 2005. Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, de 2010, ressaltam que a escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a aprendizagem.

45 Atualmente, podemos perceber que os programas curriculares indicam para o professor o maior número possível de procedimentos, de metodologias adequadas às propostas apresentadas. Também os livros didáticos são cuidadosos na elaboração de “manuais” do professor. No entanto, nada disso garante, alterações nas práticas cotidianas dos professores. É importante tentar entender quais seriam as causas desse fenômeno, pois, somente assim se poderia tecer considerações sobre o abismo entre o professor e a produção do conhecimento, como tal, em sala de aula. Tão grande quanto esse abismo é aquele que separa a escola da universidade gerando assim uma defasagem que aleija a formação inicial.

Os saberes docentes são construídos pelos professores ao longo de suas trajetórias, no processo de formação permanente, vital. Para Saviani (SAVIANI, 1996), o trabalho do educador ultrapassa o de professor. Afirma que sendo o processo educativo um fenômeno complexo, os saberes nele envolvidos também o são.

Esse tema assume importância central no debate sobre a formação de professores. A formação do professor não pode, portanto, deixar de analisar as relações dos docentes com os saberes. Ao entendermos que o que é ensinado não é algo natural ou universalmente válido a disciplina escolar torna-se assim, um campo epistemológico a ser experimentado na sala de aula, autonomizando-se em relação ao saber acadêmico e, muitíssimo importante, não se compromete com a exclusividade de possuir somente uma lógica explicativa (MONTEIRO, 2010).

A formação de professores para Monteiro é “[...] produção de conhecimentos sobre a docência, elaboração complexa que acontece em lugar de fronteira, com interferências deliberadas para tornar significativos os processos em estudo.” (MONTEIRO, 2010, p. 493). Acredito, portanto que somente o saber que encontra significação nas necessidades de nosso cotidiano é verdadeiramente aprendido/apreendido e ressignificado.

As Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica começaram a ser reformuladas mediante um processo coordenado pelo Conselho Nacional da Educação. A ANFOPE participou de um Seminário no CNE, Brasília, em 28/5/2012, no qual teve a oportunidade de expressar suas contribuições.

2.4 Diretrizes nacionais para a formação de professor da escola básica: entre a