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Angola, 1974-1975: o fracasso do governo de transição e o início da guerra civil

CAPÍTULO 4: “UM SÓ POVO, UMA SÓ NAÇÃO”: A CANÇÃO NO PÓS-

4.1. Angola, 1974-1975: o fracasso do governo de transição e o início da guerra civil

Em um cenário marcado pela guerra entre os movimentos de libertação angolanos e as tropas portuguesas ocorre, no dia 25 de abril de 1974454, a “Revolução dos Cravos”, em Portugal. A mudança no quadro político daquele país sinalizou o início de um processo de transição para a independência de Angola. O primeiro movimento de libertação a assinar um acordo de suspensão das hostilidades com as autoridades portuguesas foi a UNITA, em junho de 1974. No mês de outubro daquele mesmo ano, especificamente no dia 15, a FNLA e o governo português assinaram o acordo e, por fim, o MPLA, que assina o “cessar-fogo” com as tropas portuguesas no final daquele mês. Após a assinatura dos referidos acordos, se iniciou o processo de negociações acerca do modo de como se daria o processo de descolonização em Angola.

Em 15 de janeiro de 1975, no Alvor, em Algarve, Portugal, se reuniram representantes portugueses e dos três movimentos de libertação angolanos. As decisões decorrentes daquele encontro, que ficou conhecido como o “Acordo de Alvor”, diziam respeito, essencialmente, à formação de um governo de transição para Angola, constituído pelos líderes do MPLA, da FNLA e da UNITA, que deveriam governar de modo rotativo. Contudo, tal medida não se concretizou, afinal, como aponta Jean-Michel Mabeko Tali455, nenhum dos movimentos de libertação estava disposto a partilhar o poder com os outros dois. Assim, no dia 11 de novembro de 1975 o MPLA declarou, unilateralmente, a independência do país, descumprindo as determinações do “Acordo de Alvor”, cuja suspensão foi formalizada em 22 de maio de 1975, pelo governo português, através do Decreto-Lei nº 458/A-75456. A partir desta data, os três movimentos de libertação passariam a defender seus próprios modelos de ação, buscando estabelecer, inclusive, alianças internacionais a fim de garantir melhores condições nesse cenário de grande disputa, onde a conquista e domínio da capital constituía o grande objetivo.

Em 1974 uma série de conflitos parecia consumir o MPLA, que vivia uma situação preocupante nas regiões que já havia controlado militarmente.Além da instabilidade político- militar, não haviam alimentos, munições, nem roupas adequadas para os soldados que abandonavam o campo de batalha em número crescente. Nesse período, a direção do MPLA

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Em 25 de abril de 1974 um golpe militar do Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubou o regime de Marcelo Caetano. MAXWELL, op.cit., p. 15-21.

455TALI, Jean-Michel Mabeko. O MPLA e a história. Entrevista concedida em 11 de fevereiro de 2003, s/p.

Disponível em:

http://blogdangola.blogspot.com.br/2011/08/o-mpla-e-historia-jean-michel-mabeko.html. Acesso em: 21/01/15.

era contestada por duas correntes457, gerando ainda mais divisões internas e aumentando as desconfianças no seio do movimento.

Se, por um lado, o movimento enfrentava conflitos internos e se encontrava militarmente fragilizado, por outro, obteve grande apoio dos grupos urbanos de Luanda, sobretudo, as populações negras dos musseques, que se identificavam com o MPLA e com o seu líder, Agostinho Neto. Mabeko Tali argumenta que o MPLA deve sua regeneração política de 1974 a 1975 à juventude urbana, em especial, à juventude luandense. Segundo o estudioso, naquele período, em que o movimento se encontrava exausto, dividido em meio a tantas crises e militarmente derrotado, a FNLA rearmava-se como nunca e a UNITA buscava ganhar adeptos no planalto central e no resto do sul do país. Nesta fase, “a adesão de milhares de jovens deu a Agostinho Neto o fôlego que permitiu que ele e o que restava do movimento pudessem reconstituir o potencial militar deste”458.

A questão do “Poder Popular”, que se constituía num projeto de autogestão popular em Angola, também se tornou fundamental naquela altura. Como destaca Bosslet459, ser favorável ou contrário ao “Poder Popular” simbolizava duas opções: uma verdadeira independência, cujo poder seria conduzido pelo povo, ou o modelo neocolonial, gerido por uma minoria que excluiria o povo do poder político. Certamente, a opção do MPLA pelo “Poder Popular” auxiliou o movimento na mobilização das populações urbanas, principalmente, o proletariado e a pequena burguesia negra e mestiça de Luanda, mas, em contrapartida, afastou grande parte da população branca da capital, que optou por apoiar os outros dois movimentos de libertação460.

Algo importante a destacar é que no momento em que se deu o conflito em Angola, o mundo estava dividido em dois blocos: o bloco socialista, conduzido pela então União das

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Tratava-se da Revolta do Leste, liderada por Daniel Chipenda e da Revolta Ativa, representada por nomes da intelectualidade do MPLA, como Mário de Andrade e Joaquim Pinto de Andrade. Conforme Araujo, tal instabilidade ocasionaria repressão, anulação e “um consequente afastamento das forças políticas da vanguarda intelectual do movimento durante o primeiro governo de Angola, no pós-independência”. ARAUJO, Kelly Cristina Oliveira. Um só povo, uma só nação: o discurso do Estado para a construção do homem novo em Angola (1975-1979). Dissertação. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 46. Cumpre destacarmos que os comitês de ação, organizados em Luanda, defenderam de modo contundente a direção de Agostinho Neto em relação às duas revoltas que citamos anteriormente. De modo geral, os comitês de ação combatiam o imperialismo e o neocolonialismo, nomeavam os movimentos de Holden Roberto e Jonas Savimbi de “movimentos fantoches” e defendiam a transferência de poder a Agostinho Neto (BOSSLET, op.cit., p. 193).

458TALI, Jean-Michel Mabeko. O MPLA e a história. Entrevista concedida em 11 de fevereiro de 2003, s/p.

Disponível em: http://blogdangola.blogspot.com.br/2011/08/o-mpla-e-historia-jean-michel-mabeko.html. Acesso em: 21/01/2015.

459BOSSLET, op.cit., p. 220-223.

460Ao mesmo tempo em que o MPLA ganhara a confiança da maioria das populações negras e mestiças de

Luanda, atraíra a desconfiança de grande parte da população de origem europeia, que via no movimento um “perigo comunista”. Idem, p. 90.

Repúblicas Socialistas Soviéticas e o bloco capitalista, encabeçado pelos Estados Unidos da América. De imediato, os três movimentos de libertação perceberam que as alianças instituídas poderiam determinar os caminhos do confronto que se estabelecia. Gradativamente, o MPLA foi estreitando os laços com os países do primeiro bloco, sobretudo, com Cuba, aliás, tal opção político-ideológica de alinhamento condicionou grande parte das propostas e ações assumidas pelo MPLA no período pós-independência461. O confronto influenciou, ideologicamente, os discursos de legitimação de cada movimento: enquanto o MPLA afirmava lutar contra os rivais “fantoches” do imperialismo, tanto a FNLA, quanto a UNITA, diziam travar uma luta contra o representante do comunismo em Angola.Em outras palavras, “a disputa do MPLA configurou-se enquanto o símbolo da luta anti-imperialista, enquanto a FNLA procurou representar-se enquanto o baluarte do anticomunismo”462 .

Nessa disputa, a FNLA recebeu apoio do exército zairense e a UNITA, fraca militarmente, recebeu ajuda do exército sul-africano, ambos financiados pelos Estados Unidos.Em relação ao MPLA, Jean-Michel Mabeko Tali463 explica que entre os anos de 1974 a 1975 o movimento se valeu de uma série de fatores para tentar “driblar” os seus dois concorrentes, como as alianças políticas estabelecidas. O estudioso atenta para a grande habilidade do MPLA em capitalizar alianças locais, principalmente da capital, como a mobilização dos jovens de Luanda contra a FNLA. Sobre isto Tali explica que, por razões históricas objetivas, muitos dos angolanos que compunham o exército da FNLA não dominavam a língua portuguesa, pois vários deles eram filhos de emigrados angolanos provenientes da região do antigo Congo-Belga. A propaganda do MPLA “apresentava” essa população enquanto “estrangeira”, “zairense”, etc. As invasões estrangeiras, sul-africanas nomeadamente, acabariam auxiliando na construção de um discurso de legitimidade por parte do MPLA para que pudesse expandir o seu poder. Em relação às alianças internacionais, o movimento contou com a chegada das tropas cubanas, além de receber equipamento soviético.

Após tentativas frustradas de reconciliação entre os três movimentos de libertação, os combates têm início em junho de 1975 e ganham intensidade até que o MPLA proclama, unilateralmente, a independência de Angola, no dia 11 de novembro de 1975. A partir de então, o poder do Estado foi assumido pelo MPLA que passou a ser considerado,

461ARAUJO, op.cit., p. 10. 462BOSSLET, op.cit., p. 228.

463TALI, Jean-Michel Mabeko. O MPLA e a história. Entrevista concedida em 11 de fevereiro de 2003, s/p.

Disponível em: http://blogdangola.blogspot.com.br/2011/08/o-mpla-e-historia-jean-michel-mabeko.html. Acesso em: 21/01/2015.

internacionalmente, o representante do governo angolano. Contudo, se, por um lado, a transferência do poder político do país passou para as mãos dos angolanos, por outro, marcou o início de uma guerra civil travada entre os três movimentos de libertação, onde os principais atores eram o MPLA, liderado por Agostinho Neto, a FNLA, dirigida por Holden Roberto e a UNITA, conduzida por Jonas Savimbi.Com a emancipação política e o comando do país a cargo do MPLA, a partir de novembro de 1975, ganha projeção a ideia do “homem novo” e da “nova nação” que se pretendia construir em Angola. Esse é o próximo tema sobre o qual iremos dissertar.

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