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3. TRAJETÓRIAS E HISTÓRIAS: A VIDA EM ANGOLA E A

3.3 Angola: latitude 13

O diálogo entre bibliografia e o campo de pesquisa, no caso, uma comunidade angolana residente na cidade de Itajaí, localizada em Santa Catarina, região Sul do Brasil e a sua terra natal Angola nos

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Apenas uma ressalva. Houve e há movimentos de aproximação e afastamento ao longo do século XX das políticas externas do governo brasileiro em relação à África. Conforme a administração, podemos observar este movimento. O exemplo da postura do governo Jânio Quadros, distanciou o Brasil de seu alinhamento tradicional com EUA e Portugal, reivindicando uma política externa independente, sem atrelamento direto (DÁVILA, 2011). Nas políticas externas dos últimos anos no governo PT, percebemos o investimento em relações com países fora do eixo EUA/Europa, parte de uma estratégia multilateral e descentralizada. Em África, verificamos o número de visitas presidenciais ao continente. Os governos Lula e Dilma desembarcaram algumas boas vezes, principalmente nos países de língua oficial portuguesa – PALOP, assumindo um discurso de proximidade cultural, porém carregados de uma dívida histórica, por isso os acordos de cooperação para o desenvolvimento da região nas áreas de educação, social e econômica, estratégias sul-sul das relações internacionais de cunho sócio cooperativa e não mais demasiadamente mercantis como marcaram os interesses da década de 1970-80. Foram instaladas trinta e sete embaixadas e missões permanentes em África no ano de 2011, contra apenas dezessete no início do século XXI. O Novo atlantismo (SARAIVA, 2012).

apresenta parte desta atmosfera de repressão. Porém não é este conflito que será o estopim da partida deste grupo, na época, residente de Baia Farta/Benguela para o Brasil.

Quanto a este passado de boa convivência e influencia dos tempos em que Angola era uma província ultramarina de Portugal, faço um link com depoimentos de Seu Adriano, Carolina, João e outros membros, que descrevem a relação com a ex-metrópole, e como essa relação forjava uma faca de dois gumes, ou as duas faces de uma mesma moeda. Nos últimos anos deste ciclo colonial, encontramos na forma como contam sua história de felicidades coloniais, um pesar pela luta antiterrorista, como desenvolvimento e progresso vivido em Benguela, bem como uma desigualdade manipulada e mascarada pelo discurso lusotropicalista. Um interessante relato é o de Seu Adriano, que serviu o exercito português e nos conta um pouco de suas agruras.

Entrei para o exército português em 1961. E minha pouca sorte é que neste ano mesmo começou a guerra armada em Angola. Eu era do exército português destacado para zona operacional, Quanza norte. Selva densa [...] Naquela época não eram tratados como guerrilheiros [as organizações armadas pela independência de Angola], os portugueses os tratavam como terroristas. Mas já era princípio de guerra para libertação do povo angolano. Um dos meus pecados foi combater quase contra, porque não estava lutando pela independência [...] Havia ainda a hierarquia no exército onde dividiam em continentais – referente aos portugueses – e o soldado indígena [...] como prova disso na marinha ou na aeronáutica não tinha ninguém que não era de Portugal. Podia entrar sim, mas para prestar trabalho de capitania, enfim, aqueles trabalhos domésticos, iam para frente de batalha como cozinheiro, essas coisas assim. (Seu Adriano) E o alinhamento com a matriz portuguesa não aparece apenas em costumes e pratos típicos de sua festa anual. Como mencionei a certa nostalgia com a Angola que ficou para trás, naquele 1975. A referência ao progresso da região sob tutela portuguesa e o atraso que se encontra o país hoje, em virtude da guerra civil, apresenta características de enfrentamento entre progresso e soberania.

Enquanto conversava com Carolina a respeito de retorno a Angola, Marcos, o segundo marido de Carolina, brasileiro, que

participava do encontro, pediu a palavra e sua fala nos apresenta um pouco das conversas que tem com Carolina a cerca de Angola, e nos dá algumas pistas sobre a influência marcadamente européia neste grupo.

Quando eu conheci ela, eu planejei sobre a possibilidade da gente fazer uma viagem para lá. Aí um dia eu incitei esse assunto e eu percebi a tristeza dela de chegar lá e não reconhecer mais nada daquilo que existia. Uma guerra destrói tanta coisa, inclusive uma cultura, porque tinha uma grande influência européia lá, hoje eu não sei se continua. Mas eu noto que conversando com ela [...] A gente nota que tinha uma boa educação. Por exemplo, a violência também cresceu, o índice de criminalidade. (Marcos)

Ela ponderou

Hoje você vê em Benguela, por exemplo, pessoas vendendo coisas nas ruas. Coisa que não existia antes. Tínhamos o mercado público, nos bairros, as feiras onde as pessoas vendiam seus produtos, então são imagens que não nos agrada. (Carolina)

Separei também a fala de Joca que lança as qualidades da educação colonial portuguesa, porém quando questionado sobre a escola para todos, a história era diferente.

Depois que cada um conseguiu

desempenhar as suas funções na escola, pois o que eu tava aprendendo lá na sexta série eu vim aprender aqui na oitava, em certas matérias. Como falei pra ti, na era colonial o estudo era mais rígido que aqui. [...] [e essa escola era pra todos? Eram as mesmas escolas para portugueses e “nativos”? Haviam segregações?] estudavam todos num colégio só. Só que a visão pra português e a visão pra nativos era diferente. Todos tinham direito de estudar, mas o direito de ser mais era do pessoal português. (Joca)

Entretanto, em todas as falas encontramos uma dualidade de opiniões, que apresentam um passado nostálgico em que aparece uma espécie de disputa entre soberania nacional e progresso. Encontrei ao

longo do campo um reconhecimento de um progresso, uma civilização moderna, protagonizada pelo Estado colonial português onde asfaltos, prédios, escolas com conteúdo curricular “forte”, “severo”, mostravam o quão “avançada” Angola se encontrava, ao menos na sua região de origem.

Quanto à educação, chamo para a conversa Agostinho Neto, um dos fundadores do MPLA e primeiro presidente de Angola independente. Ele escreve sobre as intenções de Portugal e suas estratégias quanto a tal dominação:

Uma educação que visava extirpa-lhes as raízes culturais, afastá-los do seu povo, transformá- los em portugueses angolanos. A actividade consistia numa rejeição de tal “assimilação” (NETO, 1974 p. 8 e 9).

As classificações raciais mantiveram-se até os anos 1950, dividindo a população em nativos “não civilizados” (consiste em serem pacíficos e ordeiros, mas não assimilou os costumes europeus) e “civilizados”. “Negros civilizados” e não civilizados também são distinguidos por oposição a “indígenas”. Ao final desta década os referenciais raciais de inferioridade e superioridade começavam a sofrer tentativas de desvanecimento, pois a isto estava ligada a condição de manutenção do domínio colonial. Portugal seguiu a estratégia de incorporar os territórios ultramarinos a nação, chamando-as de províncias, como eram Minho e Algarve, ao invés de tratá-las como colônias. Colonização passa a chamar-se então de integração. A teoria freyriana começa a tomar o lugar do acto colonial. Mesmo assim estereótipos sobrevivem e as desigualdades transpareciam para além do discurso da nação de muitas raças, uma só nação (MATOS, 2006). As discriminações, apesar das mudanças de estatuto, continuaram e boa parte da população continuou a margem da civilização, assim mantendo a necessidade de uma administração central portuguesa para alavancar o povo angolano desse “atraso” cultural. A adoção do lusotropicalismo como ferramenta para manter as suas “províncias” foi uma estratégia de propaganda dentro e fora das colônias, mostrando a aptidão do povo português de se misturar e seu potencial como país de grandes proporções em Europa.

10- A imagem acima mostra um pouco desta ideia de Portugal como país ultramariano. Manuela Ribeiro Sanches em seu livro “Portugal não

é um país pequeno”: contar o “império” na pós-colonialidade (2006),

apresenta estes diagnósticos de uma colonização tardia e suas estratégias. A primeira frase do título é alusiva a campanha salazarista

de províncias ultramarinas.

O hiato entre Brasil e África quanto à descolonização, são carregadas de simbolismos, onde Portugal se apóia na falsa ancora da experiência de hibridização do Brasil humanista para manter suas “províncias”. Proclamado como democracia racial, o Brasil é propagandeado internacionalmente como paraíso do hibridismo. Porém a formação racial brasileira subsiste por marginalizar economicamente causando efeitos de hegemonia que consistem em reproduzir a desigualdade racial, ao mesmo tempo em que a existência desta desigualdade é negada e os seus denunciantes etiquetados como racistas (ALMEIDA, 2002). Amarrando a discussão realizada até aqui, entre as disjunções e panoramas de Brasil e Angola, considero que a escola do século XX (e em sua maioria em nossos dias, infelizmente) funciona como dispositivo de manutenção das elites, pois o aparente fracasso da escola pública é o seu verdadeiro sucesso se tratarmos sua sucatização como um efeito desejado de conservação da situação desigual (SAVIANE, 2001).

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