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ANIMAIS, ENTRE FLASHES E CURIOSIDADES, NA LÓGICA DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL

3 ‘DONOS DA TELEVISÃO’ CONTRA A PLURALIDADE DE VOZES

4 UM PARADIGMA INSUSTENTÁVEL MOVIMENTA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

4.3 ANIMAIS, ENTRE FLASHES E CURIOSIDADES, NA LÓGICA DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL

Na discussão envolvendo questões relacionadas à vida dos animais foi possível observar que os assuntos mais frequentes nos telejornais se referiram a cuidados, à caça predatória, a maus tratos e ao descumprimento do defeso, muito embora, a curiosidade e, não, a extinção, tivesse sido a pauta principal. Efeitos imediatos da dimensão antropocêntrica de mundo, revelados pela veloz destruição de espécies e perda de seus habitats naturais, contrariam a perspectiva socioeducativa da educação ambiental (CARIDE, MEIRA, 2001; TRISTÃO, 2008) em suas apostas éticas de respeito aos animais que vivem situações preocupantes como mostrou a série feita pela TV Gazeta sobre a seca na região do rio Doce.

Uma realidade trágica. Mais de três mil espécies catalogadas estão ameaçadas de extinção. Capivaras, comuns na região tempos atrás, já não são mais vistas com frequência como informou o biólogo entrevistado pela matéria.

EDUARDO SEGATTO, biólogo: a principal ameaça observada para a fauna é a destruição dos habitats e que a gente vê bastante descaracterizada. Com a ocupação humana desordenada, alguns municípios estão em uma situação muito ruim (...) a caça ainda é bastante cultural na maioria dos municípios. A fauna pede socorro e o momento é esse pra começar agir e fazer alguma coisa (ESTV 1ª Edição, TV Gazeta, 06/06/2014).

Houve, como mostraram as análises, considerável espaço para a proteção ao defeso sendo este o único momento em que o telejornalismo se referiu claramente às infrações como crimes ambientais, o que não ocorreu, por exemplo, em relação aos grandes investimentos portuários envolvendo empresas e governos. No entanto, mesmo em relação a agressão aos animais, as notícias ficaram restritas a delitos e a crimes ambientais cometidos por pessoas comuns conforme se viu no telejornal

Tribuna Notícias 1ª Edição, de 16/11/2013, sobre a detenção de quatro pescadores

em Água Limpa, no município de Jaguaré, flagrados portando cento e cinquenta metros de rede e uma tarrafa em época de defeso. Um dia antes, uma reportagem do Bom Dia Espírito Santo, da TV Gazeta, se referiu ao cerco da polícia ambiental

no município de Colatina onde pescadores não estavam respeitando a piracema e usavam vários artifícios para driblar a lei.

SGTO. BERGAMIM, entrevistado: Geralmente, se coloca uma boia feita de pet, estica-se uma linha e nessa linha se coloca vários anzóis e, por isso, é chamado espinhal. Na medida em que o peixe na sua rota migratória se depara com o espinhal, que é o alimento dele, é fisgado.

ALESSANDRO BACHETI, entrevistado: O que dificulta um pouco a fiscalização é que, a cada ano, os pescadores escondem mais as redes. Aqui, por exemplo, a rede estava escondida no meio das pedras, o rio estava alto e ninguém conseguia ver a armadilha mas agora, que a água baixou, veja só, a rede apareceu (Bom Dia Espírito Santo, TV Gazeta, 15/11/2013).

As abordagens, apresentadas em operações policiais e em ações das comunidades, foram mais frequentes nas televisões Gazeta e Tribuna observando-se no telejornal

Tribuna Notícias 1ª Edição de 11/12/2013 uma notícia sobre o aparecimento de um

urutau, ave rara e típica do serrado88, encontrada em Barro Vermelho, bairro de Vitória. Não se esclareceu, no entanto, a importância da ave em sua migração vez que os animais estão submetidos à crise ambiental e são banidos de seus habitats naturais a partir da leitura antropocêntrica que legitima o domínio e a exploração do humano sobre a natureza.

Nos limites do sujeito, consciente e pensante, o homem ficou confinado ao mundo dos interesses. Tudo o que não é humano, incluindo outras formas de vida, foi excluído da atribuição de valores (...). A ética antropocêntrica é a ética que só valoriza o homem e que considera que seus interesses são mais importantes que de qualquer outra espécie; e que são, na realidade, os únicos importantes (CARIDE, MEIRA, 2001, p. 255).

Muitas vezes, além de narradas de forma fragmentada, as notícias recorreram à brincadeira e ao sarcasmo como se viu, ainda, no telejornal Tribuna Notícias 1ª

Edição, da TV Tribuna, que mostrou uma jaguatirica capturada que “deu um susto”

em moradores de um distrito do município de Cachoeiro de Itapemirim.

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Ainda de acordo com a notícia trata-se de uma ave de hábitos noturnos que estava no jardim de um edifício. Um mês antes, um ninho de urutau havia sido encontrado na Universidade Federal do Espírito Santo, de acordo como Tribuna Notícias 1ª Edição, da TV Tribuna, de 11/12/2013.

APRESENTADOR: O animal, com cerca de dez quilos, foi recolhido pela polícia ambiental nesse fim de semana na área urbana. Um carpinteiro capturou o animal em uma armadilha e disse que a criação de galinha dele estava sendo atacada. Pois é, a jaguatirica foi solta em uma área de proteção ambiental, o animal está na lista de ameaçados de extinção. Uma pena para as galinhas né, que estavam presas e a jaguatirica que estava com fome (Tribuna Notícias 1ª Edição, TV Tribuna, 18/11/2013).

Embora tenha citado o fato de o animal estar ameaçado de extinção, a matéria terminou sem qualquer nexo ao se referir ao desfecho do caso e recorreu ao humor sem sentido e deslocado que não condiz com a pertinência do assunto. A forma espirituosa nada acrescentou em relação à necessária discussão sobre a destruição da biodiversidade (CARIDE, MEIRA, 2001) e reforçou a ideia moderna responsável pelo distanciamento do humano de outras formas de vida pouco contribuindo para ações transformadoras que ultrapassem a retórica conservadora.

Nesse sentido, a falta de consideração sobre a importância da vida dos animais pode ser vista, também, no ES no Ar, da TV Vitória, sobre o aparecimento de um elefante marinho na baía de Vitória89.

APRESENTADOR: Olha, um elefante marinho foi encontrado em Vitória e parecia estar muito doente. Moradores viram o bicho nadando próximo à prainha de Santo Antônio e, segundo algumas pessoas, parecia estar muito cansado e bufava a todo momento. Muitos curiosos foram ao local, o que assustou o animal, que saiu do mar e acabou encalhado na terra. O batalhão da policia militar ambiental foi chamado e, segundo eles, o elefante é o mesmo que foi encontrado em Guarapari e já estava sendo monitorado (ES no Ar, TV Vitória, 13/12/2013).

Durante dias, o elefante marinho foi a “estrela” dos noticiários com o ESTV1ª Edição, da TV Gazeta, de 08/12/2013, abrindo espaço para manifestação do ambientalista responsável por cuidar do animal que foi isolado em uma área para ser preservado de curiosos que queriam fotografá-lo e tocá-lo. A curiosidade foi reação muito comum e, também, um protagonismo questionado pelo ambientalista porque as pessoas poderiam deixar o animal ainda mais cansado, machucá-lo ou se

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Em outros momentos, os telejornais mostraram notícias sobre um tamanduá encontrado no município de Bom Jesus do Norte, outro tamanduá-mirim encontrado no município de Guaçuí e sobre uma tartaruga gigante em desova na praia de Itaparica, em Vila Velha, mas não fizeram referências a questões como a destruição da fauna nem à falta de políticas ambientais de preservação.

machucar. Os cuidados foram repercutidos pelo ESTV 2ª Edição, da TV Gazeta, que informou que o elefante iria ser transportado de avião para a Bahia para continuar o tratamento.

CESAR FERNANDES, repórter: Depois de se perder no polo sul, ser resgatado em Aracruz e ficar hospedado em Guarapari, Zoiodo segue seu caminho. A partir de agora ele vai pra Bahia e deve enfrentar um voo de umas cinco horas pois faz escala no Rio de Janeiro. Em Salvador ele vai morar no instituto de pesquisas enquanto faz um tratamento. A previsão é que em noventa dias, Zoiodo esteja recuperado.

APRESENTADOR: O elefante marinho fez boa viagem. Chegou por volta de quatro da tarde na Bahia e foi direto para o instituto de animais marinhos onde ficará até estar completamente recuperado (ESTV 2ª Edição, TV Gazeta, 14/12/2013).

Mudar o sentido das coberturas ambientais pressupõe outras racionalidades que implicam, na opinião de Thelmo Scarpine, em valorizar “experiências bem sucedidas que possam estimular outros telespectadores” observando-se, neste sentido, uma matéria apresentada pelo ESTV 1ª Edição que chamou atenção para a história de solidariedade a um passarinho preso em fios de eletricidade no bairro Bento Ferreira, em Vitória. Um resgate comovente segundo destacou a reportagem.

JOSÉ, morador sem sobrenome identificado: A mãe dele, de vez em quando, vem tratar dele.

RAFAELA MARQUEZINE, repórter: A mãe dele, seu José acredita, é um canarinho que toda hora chegava por ali e parecia alimentar o filhotinho preso. Mas mesmo com ajuda até quando ele iria resistir?! O pessoal do bairro pediu socorro; para chegar perto dos fios só mesmo a turma da companhia de energia e do resgate. Depois, de mão em mão, o passarinho passou pelos moradores até aquele que, com todo cuidado, conseguiu desenroscar a linha.

RAFAELA MARQUEZINE, repórter: Depois, outro morador correu pra levar o passarinho para o veterinário. Final feliz, graças ao amor materno né, seu José?

JOSÉ, morador sem sobrenome identificado: Coisa de mãe mesmo e de quem tem sentimento pelo filho (ESTV 1ª Edição, TV Gazeta, 11/12/2013).

As denúncias sobre agressões e maus tratos deixam ver ações contraditórias ao conjunto de valores, práticas e atitudes sociais em relação aos animais como apresentado, também, na edição de 11/11/2013, do Jornal da TV Vitória, da TV

Vitória, sobre suspeitas de ações de um exterminador no bairro de Sotema, no município de Cariacica.

Dias depois, o telejornal Tribuna Notícias 2ª Edição, da TV Tribuna, divulgou uma ação de entidades protetoras contra a morte de um cão, sufocado pelo dono em Vila Velha, e que pediam punição para os agressores e fim da crueldade contra os animais em um ato realizado em frente ao prédio do Ministério Público daquele município.

MARTA PUTON, Sociedade Protetora de Animais: A gente vem acompanhando pelas redes sociais, (...) e muitas pessoas nos ligam fazendo denúncias. A gente fica impotente porque não tem o que fazer, porque a gente depende desse trâmite aqui para que a justiça seja feita!

LIVIA CAMARGO, ativista: A sociedade não aguenta mais crime e violência contra os animais. Cada vez mais a sociedade se mobiliza, entendeu? Se de fato foi proposital, se foi um crime, a gente quer punição (Tribuna Notícias 2ª Edição, TV Tribuna, 02/12/2013).

Se a referência aos animais foi frequente, as notícias deixaram de lado a complexidade de questões relacionadas à biodiversidade e não se reportaram à importância de se evitar ações predatórias e agressivas, o que implica na necessidade de uma revisão do marco ético que afeta os valores do humano em sua relação com o meio ambiente.

Deixaram de contextualizar a considerável gama de significados objetivos e subjetivos relacionados à biodiversidade na perspectiva ética, cultural e ecológica e ignoraram a compreensão da diversidade como patrimônio da humanidade e base de processos ecológicos.

Assumiram a visão antropocêntrica questionada por estudos de etologia que começam a mostrar que “não há uma separação radical e nítida entre as expressões racionais, culturais, psíquicas ou emocionais que supostamente distinguem o ser humano das que caracterizam o “ser” de outras espécies” (CARIDE, MEIRA, 2001, p. 256).

4.4 SENTIDOS ATRIBUÍDOS A PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO PROCESSO DE