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4.3 As Variáveis Independentes

4.3.1 Variáveis Independentes Extralinguísticas

4.3.1.1 Ano do jornal analisado

A presente pesquisa abrange as produções jornalísticas do final do século XIX e início do século XX, mais precisamente dos anos de 1880 a 1920. Por questões teórico- metodológicas, foi examinado um exemplar de cada ano, divididos em intervalos de cinco anos (1880, 1885, 1890, 1895, 1900, 1905, 1910, 1915 e 1920).

A realidade heterogênea da língua, notando-se a sua configuração estrutural se alterar continuamente no tempo, está também, e principalmente, correlacionada com fatores da história da sociedade que a fala. Por se tratar de um estudo sócio-histórico-linguístico, é

cabível que se façam considerações a respeito dos acontecimentos nacionais que marcaram o período em questão. A pretensão está longe de buscar justificar o comportamento linguístico, em relação ao uso do clítico pronominal, a partir da breve reconstituição histórica do Brasil, apresentada a seguir, mas, serve para refletir que tamanha agitação social não pode ter sido inócua às questões da língua.

4.3.1.1.1 História do Brasil no final do século XIX e início do século XX

Nos últimos anos do Segundo Reinado (1840-1889), o governo imperial, instituído em 1822, mostrava-se obsoleto e impossibilitado de corresponder às recentes aspirações de uma sociedade que, a partir das modernizações, modificava-se. O surgimento de movimentos em prol da reforma no ensino, da separação entre a Igreja e o Estado e de reformas eleitorais – exigindo-se eleições diretas e o fim do voto censitário – se intensificava (SILVA, 1992). Deve-se mencionar, ainda, que muitos membros da elite dominante, no final do Império, colocavam-se contra a excessiva centralização política e administrativa que caracterizavam tal regime. Segundo Rezende e Didier (2005, p. 485), esses indivíduos,

Queriam aprofundar o processo de modernização, tendo mais autonomia para fazer investimentos, mas eram impedidos pela ação das forças políticas que ainda dominavam o Parlamento. Essa burguesia agrária, que se estruturava e ganhava força sobretudo no Sudeste, via na monarquia um obstáculo para a realização de seus projetos. Tudo isso proporcionava adesões ao Partido Republicano, que ampliava seus quadros políticos e fundava jornais e clubes para a divulgação de suas idéias.

Desse modo, nesse cenário, de disputas pelo governo, o imperador e os conservadores tinham contra si não apenas os liberais, mas também militares positivistas57, republicanos e abolicionistas. Nota-se que o Exército representava as classes médias, contrapondo-se ao elitismo aristocrático do governo imperial e das outras forças armadas – Marinha e Guarda Nacional – que representavam e pertenciam à elite proprietária (SILVA, 1992). Assim, de acordo com Silva (1992), o declínio do Império se deve às transformações ocorridas na sociedade brasileira na segunda metade do século XIX58; à decadência da aristocracia tradicional; ao aparecimento de uma nova aristocracia cafeeira mais dinâmica, moderna, rica e

57 Cabe lembrar que a Guerra do Paraguai (1864 a 1870) foi fundamental para a modernização e a politização do

Exército brasileiro. “Vitorioso na guerra, o Exército adquire uma consciência política que o transformou num notável instrumento de defesa do abolicionismo e do republicanismo, e o levou a contestar frontalmente o regime monárquico que o menosprezava e pretendia neutralizá-lo após a guerra.” (SILVA, 1992, p. 177)

58Nesse período, ocorreram a extinção do tráfico negreiro, um relativo desenvolvimento industrial, um

considerável crescimento da produção cafeeira e da imigração, a sistematização do trabalho assalariado, a abolição dos escravos e a proclamação da República. (SILVA, 1992)

poderosa – cuja intervenção na política nacional conduziu o país ao regime republicano –; à apatia do governo imperial no atendimento aos desejos das diferentes camadas sociais que exigiam mudanças significativas, à Questão Militar59, à Questão Religiosa60 e à abolição da escravidão.

No entanto, quanto ao término da escravatura, segundo Costa (apud REZENDE; DIDIER, 2005, p. 485),

A abolição não é propriamente causa da República, melhor seria dizer que ambas, Abolição e República, são sintomas de uma mesma realidade, ambas são repercussões, no nível institucional, de mudanças ocorridas na estrutura econômica do país que provocaram a destruição de esquemas tradicionais.

Destaca-se, ainda, que a economia cafeeira foi o fator de estabilidade política do Império. De acordo com Koshiba e Pereira (2004), o maior centro produtor de café foi o Vale do Paraíba e, posteriormente, o Oeste Paulista. Segundo os autores, em relação ao Vale,

De 1830 a 1880, aproximadamente, toda a energia econômica do lugar voltou-se para o cultivo de café vendido em concorrência ao mercado europeu em expansão. Tornou-se, por isso, o estabilizador da economia do Império, a ponto de se dizer, na época, que “o Brasil é o Vale”. (KOSHIBA; PEREIRA, 2004, p. 297)

Adiante, acrescentam:

A estagnação e decadência do Vale do Paraíba não significaram a decadência da cafeicultura, que encontrou no chamado Oeste Paulista um novo alento. Seu núcleo inicial foi Campinas (Oeste Velho), difundindo-se para Mogi-Guaçu e chegando à região de Ribeirão Preto (Oeste Novo) por volta de 1880. Em seguida, a cultura se expandiu para o extremo-oeste paulista e atingiu o Paraná já no início do século XX. (KOSHIBA; PEREIRA, 2004, p. 297)

Assegura-se, portanto, que a cultura cafeeira teve, de fato, grande relevância para a definição da nova trajetória histórica do Brasil. Rezende e Didier (2005) atestam que não se pode compreender o Segundo Reinado sem analisar a economia cafeeira, uma vez que o café

[...] serviu para recuperar o dinamismo da economia; deslocou definitivamente o pólo central de desenvolvimento do Nordeste para o Sudeste; propiciou uma alteração estrutural na produção, com a gradativa substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre; criou condições para que uma nova elite política assumisse o comando da nação; possibilitou a instalação de ferrovias no país, que facilitaram a comunicação entre as áreas produtoras e os portos. (REZENDE; DIDIER, 2005, p. 387)

59 Encontra-se o cerne da Questão Militar no contexto de choques de classes citado nas linhas anteriores. 60 “Todas as determinações do papa só passavam a ter validade no Brasil depois da aprovação explícita do

Em relação à República, proclamada em 1889, muitos estudiosos apontam que o novo regime, nomeado República Velha ou Primeira República, de 1889 a 1930, não acarretou profundas transformações estruturais. O sistema econômico continuou tendo por base a agroexportação61; o país permaneceu na dependência do capital e dos mercados internacionais, e as relações sociais praticamente não se alteraram, já que a massa trabalhadora, rural e urbana, continuou excluída da vida pública (SILVA, 1992). Entretanto, para Sodré (apud COSTA, 1968, p.25),

A República importava, sem dúvida, em dar alguns passos à frente, na alteração de uma estrutura obsoleta. O Império era a reação e o atraso, e o conformismo com ambos. A República abria perspectivas e reformas intransferíveis.

Como já mencionado, quando anunciada, a República teve como principais personagens, além dos grandes proprietários rurais (cafeicultores), os militares. Nos primeiros cinco anos da vida republicana, estes exerceram o poder político, denominando-se, então, o período como República da Espada. Em 1894, o poder foi transferido para os civis, com a vitória, nas eleições presidenciais, do paulista Prudente de Moraes. Contudo, apenas com Campos Sales, sucessor de Moraes, é que o formato característico da República Velha é assumido, evidenciando-se a ‘política dos governadores’.62 Daí em diante, os grandes proprietários de São Paulo e Minas Gerais se alternaram no poder, originando o que ficou conhecido como ‘política do café-com-leite’. Assim, a República Velha também pode ser chamada de República Oligárquica.

Outro ponto a ser destacado, com a abolição da escravatura e a continuação do café como a principal renda da economia brasileira durante a República, é a intensificação da imigração no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Observou-se que

Os italianos formavam o maior contingente, seguidos pelos portugueses e pelos espanhóis; da parte oriental do mundo, vieram os japoneses e os sírio-libaneses. Mais de 50% dos recém-chegados desembarcaram e se fixaram no estado de São Paulo. O restante se espalhou por outras regiões do centro-sul. (KOSHIBA; PEREIRA, 2004, p. 350)

61 Ressalta-se a economia cafeeira paulista, nesse período, por ter se desenvolvido na transição do trabalho

escravo para o livre, e com ampla possibilidade de expansão nas terras férteis do Oeste, como a mais próspera das economias agroexportadoras. Por essa razão, a industrialização se desenvolveu mais rapidamente em São Paulo. (KOSHIBA; PEREIRA, 2004) A respeito da história da cidade de São Paulo, ver a subseção 4.3.1.3.1.

62 “Esse sistema, dirigido pelo presidente da república e pelos presidentes de São Paulo e de Minas Gerais, era

um arranjo segundo o qual as elites dirigentes de todos os níveis apoiavam-se reciprocamente. Com uma população predominantemente rural e baixos níveis de participação política (só 1 a 3% da população votava nas eleições federais, antes de 1930), prevalecia, no interior, o coronelismo, i.e., o poder do chefe político, o que fazia irrelevantes os agrupamentos políticos urbanos, pelo menos até a década de 1920.” (LOVE, 1982, p. 09)

A agricultura se transformava em empreendimento capitalista. Tal desenvolvimento gerou necessidade premente de transporte, financiamento e produtos manufaturados, criando- se, por sua vez, ferrovias, bancos e indústrias, responsáveis pela ampliação do mercado interno e crescimento das cidades. Afirma-se, portanto, que a urbanização foi um fenômeno característico da República Velha.

Contudo, não se pode deixar de mencionar que, com a urbanização e a industrialização, tornando-se o Brasil um país moderno, vários problemas surgiram. Sobressaem-se a questão social que abarcava a conflituosa relação entre a classe dominante e trabalhadores livres, brasileiros e imigrantes e complicações, nos municípios, de ordem infraestrutural.

Nota-se o acelerado crescimento da industrialização durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Assim, o incremento desse setor e o consequente desenvolvimento da vida urbana, culminando em novas forças sociais e políticas, marcaram o início da crise do regime oligárquico, intensificado nos anos 20. Essas novas forças urbanas que passaram a viver em ambientes de industrialização, urbanização e desenvolvimento social e político se transformaram em forças de contestação ao velho regime (SILVA, 1992).

Por fim, a República Oligárquica, em processo de desagregação, implodiu-se em 1930, ano da revolução que resultou na ascensão de Getúlio Vargas ao poder.