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Anorexia Nervosa: tipo purgativo e restritivo e as dimensões de Personalidade

3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Anorexia Nervosa: tipo purgativo e restritivo e as dimensões de Personalidade

Na literatura, os estudos que utilizam o Inventário de Temperamento e Caráter (ITC) como base para investigação dos traços de personalidade não são uniformes. Alguns dividem os TAs em três grupos: AN purgativa (ANP), AN restritiva (ANR) e bulimia nervosa (BN) (DIÁZ-MARSÁ et al., 1999, DIAZ-MARSÁ et al., 2000; FASSINO, 2001B; KLUMP et al., 2000; NAGATA et al., 2003), enquanto outros mantêm somente duas principais categorias - AN e BN (BREWERTON et al., 1993; KLEIFIELD et al., 1994a, KLEIFIELD et al., 1994b; SOHLBERG e STROBER, 1994)

Quando à subdivisão dos pacientes restritivos e purgativos com AN, consideram-se as diferenças em medidas fisiológicas e comportamentais, além de permitirem diferenciações e refinamento na avaliação dos tipos de personalidade (CLAUDINO; BORGES, 2002; GARFINKEL; MOLDOFSKY; GARNER, 1980; SOHLBERG e STROBER, 1994). Os pacientes com ANR são os que mais se diferenciam nos estudos, seja com relação aos controles, seja com relação à ANP.

O tipo restritivo é caracterizado por traços de ineficiência, organização excessiva, persistência, tendência ao autocontrole (CASPER; HEDEKER; MCCLOUGH, 1992) e pelo menos um traço de personalidade que reflete rigidez na infância e traços obsessivos (ANDERLUH et al., 2003).

Nas escalas de temperamento do ITC, estes pacientes apresentam traços de ansiedade, persistência e perfeccionismo; quanto ao caráter, são intolerantes, ineficientes e críticos (KLUMP et al., 2000). Estes traços podem ser interpretados, se considerarmos os elevados índices de Persistência (ITC) e Esquiva ao Dano (ITC)

em oposição à impulsividade com diminuída Busca de Novidade (ITC) (FASSINO et al., 2004).

As personalidades de agrupamento C, principalmente a evitativa e a dependente, são comuns em pacientes restritivos; nas dimensões do ITC, esses traços são evidenciados pela tendência à Esquiva ao Dano, Persistência (BREWERTON; HAND; BISHOP, 1993; DIÁZ-MARSÁ et al., 2000; KLEIFIELD, 1994b; KLUMP et al., 2000) e diminuída Busca de Novidade (DÍAZ-MARSÁ et al.,1999, DÍAZ-MARSÁ et al.; 2000; KARWAUTZ et al., 2003). Para Karwatz et al. (2003), pacientes com TP anancástico caracterizaram-se por elevados traços em Persistência (ITC), enquanto que pacientes com TP dependente apresentaram traços elevados em Dependência de Gratificação e diminuídos em Cooperatividade.

As características clínicas de pacientes com ANP apresentaram resultados mais próximos aos obtidos com pacientes com Bulimia Nervosa, isto é, geralmente são pacientes mais velhos e com maior tempo de doença (VERVAET; HEERINGEN; AUDENAERT, 2004), apresentam comportamento impulsivo, incluindo roubo, abuso de drogas, tentativas de suicídio, automutilação, labilidade de humor (GARFINKEL; MOLDOFSKY; GARNER, 1980) e maior risco para desenvolver TP, evidenciando menor escore para Autodirecionamento, quando comparados aos restritivos (KLUMP et al., 2000).

Diáz-Marsá et al. (2000) avaliaram 72 pacientes, segundo os critérios diagnósticos do DSM-IV (25 ANR, 17 ANP e 30 BN e 30 controles normais), em busca de correlações com os transtornos de personalidade (TP). Destes pacientes, 61,8% apresentaram critérios para algum TP, os pacientes com ANR preenchiam critérios para o TP evitativo (25%) e TP obsessivo-compulsivo (20%); na ANP constam com maior freqüência TP borderline (37,7%) e TP histriônico (28,6%). De

forma geral, todos os pacientes caracterizaram-se por baixos níveis de autodirecionamento.

Klump et al. (2000) compararam diferenças dimensionais em pacientes com AN e o ITC, segundo os critérios do DSM-IV. A amostra foi composta por 146 mulheres com AN restritiva (ANR), 117 com AN purgativa (ANP), 60 bulímicas (B) e 827 controles. Pacientes com AN apresentaram elevados traços em esquiva ao dano e menor em cooperatividade quando comparados aos controles. O traço busca de novidades em pacientes com ANR e ANP apresentaram baixos índices com relação aos controles e bulímicos. Pacientes com ANR apresentaram maior persistência e diminuído autodirecionamento, enquanto os pacientes com ANP apresentaram maior esquiva ao dano. Na amostra de pacientes com AN, foram encontrados índices elevados de Dependência de Gratificação com relação aos controles. No referido estudo foi observado o IMC, o qual não influenciou os resultados da análise de personalidade, porém, não foi observada a influência de comorbidades ou sintomas depressivos.

Outro estudo que divide os TAs em restritivo e purgativo é o de Fassino em colaboração com outros autores (2001b), com 135 pacientes ambulatoriais, 50 com ANR, 40 com ANP e 45 com BN. Pacientes com BN apresentaram tendência à Busca de Novidades maior do que os com ANR; na escala Esquiva ao Dano, todos os grupos de TAs demonstraram índices elevados, quando comparados ao grupo controle. Em Autodirecionamento, todos os TAs apresentaram índices menores que os controles e, em Cooperatividade, os pacientes com ANR e BN evidenciaram escores menores que os controles e os pacientes com ANP, escore significativamente maior do que BN.

Para estes autores, o fator Persistência (ITC) aumentado, associado ao traço Autodirecionamento (ITC) diminuído, constitui a considerada díade temperamento e caráter na ANR, na qual se evidenciam traços obsessivos, como os rituais para o corpo e alimentação, além da dificuldade em estabelecer metas e responsabilizar-se por elas. O traço Autodirecionamento mostrou-se comprometido nos pacientes do grupo restritivo comparado ao grupo purgativo (KLUMP et al., 2000), porém tal resultado não foi confirmado pelos demais estudos (DIÁZ-MARSÁ et al., 2000, FASSINO et al., 2002a).

Críticas na literatura com relação à metodologia utilizada nos trabalhos de investigação de personalidade e TAs acontecem por causa da pouca uniformidade do método (SKODOL et al., 1993), seja no tipo de entrevista (estruturada ou não), nos instrumentos utilizados, na escolha da amostra, seja na divisão diagnóstica de pacientes em AN, ANP, ANR (BREWERTON et al., 1993; DIÁZ-MARSÁ et al., 1999; KLEIFIELD et al., 1994a, KLEIFIELD, 1994b). No uso do ITC, alguns autores citam as nuances e os resultados nas subdimensões, outros fornecem apenas os fatores dimensionais totais; quanto aos limites do instrumento (ITC), considera-se que a auto-administração pode fornecer medidas relativamente parciais, em virtude da influência da ansiedade, da depressão, do estado nutricional e do insight limitado (FASSINO et al., 2004).

Na tabela a seguir, constam os fatores de Temperamento do ITC observados nos diferentes estudos de AN.

Tabela 2 - Resumo dos principais estudos que utilizaram o ITC – Fatores de temperamento

Busca de Novidade (BN) ANR - BN comparados ao grupo controle ou outros TAs (kleifield, 1994b e Klump et al, 2000).

ANR - BN comparados aos pacientes bulímicos (Brewerton et al, 1993; Bulik, 1999; Casper, 1990; Fassino, 2002b).

ANR e ANP - BN (Vervaet, Heeringen, Audenaert, 2004). ANP - BN (Klump et al, 2000, Fassino 2002a, Fassino 2001c). Esquiva ao Dano (ED) ANR e ANP - ED caracterizado pela preocupação antecipatória e fadigabilidade (Brewerton et al, 1993; Casper, 1990; Diáz-Marsá, 1999; Diáz-Marsá, 2000; Fassino, 2001b; Fassino, 2002 b; Kleifield, 1994b; Klump et al, 2000). Dependência de

Gratificação (DG)

AN - DG (Bulik et al.,1995b; Klump et al. 2000; Sohlberg; Strober 1994).

AN - DG (Brewerton et al, 1993; Cloninger et al, 1994; Fassino, 2001b; Fassino, 2002; Klump et al, 2000).

Persistência (P) ANR - P comparado ao grupo controle (Fassino, 2001b; Fassino, 2002; Kleifield, 1994b) e ao grupo purgativo (Klump et al, 2000).

ANP e ANR - P (Díaz-Marsá et al., 1999; Díaz-Marsá et al, 2000).

Legenda: ANR - Anorexia Restritiva; ANP – Anorexia Purgativa; BN – Busca de

Novidade; ED - Esquiva ao Dano; DG – Dependência de Gratificação; P - Persistência; elevado; diminuído.

Tabela 3 - Resumo dos principais estudos que utilizaram o ITC – Fatores de caráter

Autodirecionamento (AD) AD - em todos os estudos com ITC que utilizam

grupo controle (Diáz-Marsá, 2000; Fassino, 2001b; Fassino, 2001c; Fassino, 2002; Klump et al, 2000; Vervaet, Heeringen, Audenaert, 2004).

ANR - responsabilidade (AD) e segunda natureza congruente (AD), quando comparadas ao grupo controle (Fassino, 2002).

Cooperatividade (C) ANR = C (Diáz-Marsá, 2000; Fassino, 2001c).

ANP= C (Fassino, 2002; Klump et al, 2000; Vervaet, Heeringen, Audenaert, 2004).

Auto-Transcendência (AT) São limitados os estudos nesta dimensão.

ANR = AT (Klump et al., 2000)

ANR = AT pode representar fator de risco para tentativa de suicídio, devido pensamento mágico e fantasias (Fassino, 2004 e Hoek, Callewaert, Van Furth, 2004).

ANP = AT (Vervaet, Heeringen, Audenaert, 2004).

Legenda: ANR - Anorexia Restritiva; ANP – Anorexia Purgativa; AD -

Autodirecionamento; C- Cooperatividade; AT- Auto-Transcendência; elevado diminuído.

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