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3 A LEGISLAÇÃO E AS POLÍTICAS PARA EDUCAÇÃO INFANTIL NO

3.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1.1 Anos de 1990 a 2000

A Constituição Federal de 1988, conforme já apresentada nesta pesquisa, nos artigos 7 inciso XXV garantiu aos trabalhadores assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas. No artigo 208 destacou como dever do Estado o atendimento em creches e pré- escolas para crianças até 6 anos de idade, embora no artigo 211 explicita este atendimento como uma das prioridades dos municípios.

A Constituição pode ser considerada uma legislação marco para a educação infantil no Brasil. Se verificarmos a Constituição Federal de 196783, a anterior, esta somente contemplava atendimento para crianças maiores de sete anos de idade. A Constituição de 1988, ao trazer como novidade constitucional o atendimento para crianças de até seis anos de idade e, também ao definir as instituições creche e pré- escola como espaços oficiais para este atendimento marca uma mudança significativa para o atendimento educativo as crianças de até seis anos, mesmo que ainda não utilizasse o termo “educação infantil”. Essa foi elaborada de forma democrática com participação dos mais diversos grupos e defesas sociais, inclusive com consultas públicas, acatando emendas populares. “Houve uma sede de participação sem precedentes, motivada tanto pelo longo jejum da ditadura, como pelo desejo de contribuir para a definição de um novo estatuto para a democracia” […] (VIEIRA; FARIAS, 2003, p. 148).

A década de 1980 representou decisivas conquistas para os movimentos sociais que atuavam pelos direitos da infância brasileira. Antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988 estes movimentos84 já se articulavam para mudança no Código de Menores (1979) que legislava apenas para os que estavam em situação irregular. A movimentação social em defesa da instituição de novos e amplos direitos às crianças e, aos adolescentes, debatiam por uma doutrina de proteção integral, para todas as crianças e adolescentes. Foram os resultados desses debates democráticos que culminaram no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 trazendo a população infanto-juvenil brasileira como prioridade:

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>. Acesso em:

21 maio 2016.

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Dois exemplos desses movimentos são o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua que surgiu em 1985 e a Pastoral da Criança, criada em 1983, em nome da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, envolvendo forte militância proveniente dos movimentos sociais da igreja católica. Esses movimentos defendiam o amplo exercício de direitos para a criança e o adolescente (MULLER; MORELLI, 2002).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1989).

Desse modo, o artigo 227 concretizou as bases para uma nova legislação específica para a criança e o adolescente no Brasil. Em 1989, a redação da nova lei ocorreu num cenário de movimentações sociais e debates públicos, com representação de três grupos expressivos: o dos movimentos da sociedade civil, o dos juristas e Ministério Público, e, o de técnicos de órgãos governamentais, dentre estes, da Funabem (MULLER; MORELLI, 2002).

O “Estatuto da Criança e do Adolescente” – ECA85

, Lei nº 8.069 publicada em 1990, trouxe para a criança e o adolescente a condição de serem, legalmente, considerados sujeitos de direitos. O Estatuto possibilitou a concretização dos Conselhos Municipais e dos Conselhos Tutelares trazendo melhores condições para a busca de garantia de direitos às crianças e adolescente. Quanto à educação infantil, reiterou que e é dever do Estado assegurar o atendimento à criança em creche e pré-escola: “Art. 54: é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...] IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1990).

Nesta trajetória, é preciso destacar que em 1994, o MEC publicou o documento “Política Nacional para Educação Infantil”86

, justificando no próprio documento que este era “inadiável”, uma vez que era necessário regulamentar os parâmetros estabelecidos na Constituição de 1988 sobre a educação das crianças de 0 a 6 anos. Tratou de um documento conciso, composto de 48 páginas, que contemplou contexto, diretrizes, objetivos, ações prioritárias e anexos. Nas primeiras linhas da sua apresentação justificou que seguia os preceitos de descentralização político-administrativa e de participação da sociedade na formulação de políticas públicas. Atualmente este documento foi substituído pela nova Política Nacional de Educação Infantil de 2005 que veremos no decorrer dessa seção.

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8069.htm>. Acesso em: 10 dez. 2015.

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Em 1995, no início da gestão do governo FHC, bem como, da reforma da administração do Estado, o MEC publicou o documento “Critérios para um atendimento em creche que respeite os direitos fundamentais da criança”. Este documento trouxe de fato “critérios” voltados para organização, funcionamento interno das creches, definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches. De acordo com a apresentação do MEC,

Sua primeira versão foi preparada num projeto de assessoria e formação de profissionais de creche de Belo Horizonte, financiado por Vitae. Posteriormente foi discutido no 1° Simpósio Nacional de Educação Infantil, em Brasília. A partir do final de 1994, contou com o apoio do Ministério de Educação e do Desporto, que organizou um encontro de especialistas, em São Paulo, para discutir a segunda versão do documento (BRASIL, 1995, p. 8).

Este documento, em formato de manual, apresenta orientações gerais para o funcionamento de creches e destaca que são orientações tanto para creches governamentais quanto não-governamentais. Foi lançado logo após a Política Nacional para educação infantil de 1994 e teve sua segunda edição lançada no ano de 2009, disponível no portal oficial do MEC.

A “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” – LDB, Lei nº 9.39487

publicada em 1996, que regulamenta a educação nacional, iniciou seu debate oficialmente, no calor da promulgação da Constituição Federal em 1988, por meio do Projeto de Lei nº 1258/88 de autoria do deputado Otávio Elísio. Tratava-se de uma lei geral da educação, resultante naquele momento, de movimentação social e debates democráticos e, que abarcava defesas de entidades representativas do setor educacional manifestados em diferentes Congressos, Encontros e Simpósios. Entre 1989 e 1990, o projeto recebeu emendas e mais de 2000 sugestões da sociedade civil organizada, as quais foram incorporadas pelo então deputado Jorge Hage. Em 1991, o projeto da LDB Jorge Hage refletia os anseios educacionais da sociedade brasileira. Contudo, o projeto aprovado foi uma proposta apresentada pelo então Senador Darcy Ribeiro em 1995 a qual incorporava propostas do governo constituindo-se um projeto oposto ao construído democraticamente (OTRANTO, 1996; SAVIANI, 1997).

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O Ministério da Educação preferiu esvaziar aquele projeto (de LDB) optando por um texto inócuo e genérico, uma LDB “minimalista” [...]. Certamente essa via foi escolhida para afastar as pressões das forças organizadas que atuavam junto ou sobre o Parlamento de modo a deixar o caminho livre para a apresentação e aprovação de reformas pontuais, tópicas, localizadas (SAVIANI, 1997, p. 200).

Com referência à educação infantil, a LDB não tratou do financiamento, marginalizando esta etapa na definição de recursos, bem como não avançou quando a formação de professores para a educação infantil permitindo que a formação exigida para atuar na área, como docente, fosse a oferecida em nível médio.

Contudo, ainda que pese os aspectos “anti-democráticos” de aprovação da LDB nº 9394/96, de omissão com relação aos recursos e formação para a educação infantil, esta lei definiu questões importantes, dentre estas de um Plano Nacional de Educação. Com referência aos aspectos positivos para a educação infantil a LDB explicitou como dever do Estado o atendimento gratuito à creche e pré-escola para crianças de zero a seis anos de idade (Art. 4º inciso IV). A LDB, de certo modo também inovou, contemplando a educação infantil como parte da educação básica.

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 6 (seis) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).

Faz-se importante pontuar que no artigo da LDB (1996), acima citado, a idade determinada para o último ano da educação infantil é de até 6 (seis) anos de idade, enquanto que, na LDB atualizada em 2013, a idade foi reduzida para até 5 (cinco) anos, atendendo a Lei nº 12.796 de 4 de abril de 2013, a qual será discutida no decorrer desta sessão.

O “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” – Rcnei88

de 1998, foi publicado pelo Ministério da Educação com intenção oficial de substituir os Cadernos do Coedi89 (Coordenação Geral da Educação Infantil). O Rcnei, um

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Os três volumes estão disponíveis em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_ vol1.pdf>.

Acesso em: 12 dez. 2015; <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2015 e <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2015.

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Denominação dada aos cinco cadernos: - Educação Infantil no Brasil: situação atual – 1994;

- Política nacional de educação infantil – 1994; - Critérios para um atendimento, em creches, que respeite os direitos fundamentais das crianças – 1995; - Por uma política de formação do profissional de educação infantil – 1994; - Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil – 1996.

documento orientador de 400 páginas, foi apresentado pelo MEC como o primeiro conjunto de orientações curriculares para a educação infantil pública e privada, contudo, destacado pelo próprio documento como sendo sem caráter de obrigatoriedade (CERISARA, 1999).

Mesmo que tenha sido encaminhado para mais de 700 pareceristas, o Rcnei representou uma descontinuidade com a política de educação infantil que vinha sendo subsidiada com os Cadernos do Coedi desde 1993, afinada com a busca de uma educação pública infantil de qualidade em parceria com pesquisadores e educadores da área. O Rcnei tornou-se alvo de intensas controvérsias acadêmicas, tanto pela sua organização, modo de elaboração, quanto pelo conteúdo. “[...] mesmo que o Rcnei tenha sido aperfeiçoado, melhorado, adaptado, ele continuou significando uma ruptura com o que vinha sendo defendido como a especificidade da educação infantil” (CERISARA, 1999, p. 44).

Logo em seguida, em 1999, publicou-se as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” – Dcnei90 de 1999, pelo Conselho Nacional de Educação –

CNE91, e tiveram como objetivo apresentar os fundamentos orientadores, em específico, para organização de propostas pedagógicas para educação infantil. Atualmente revogada e substituída, a referida Dcnei (Resolução nº 01/99-CNE), composta de quatro artigos, tratou sucintamente, do objetivo das práticas de educação e cuidado na educação infantil, bem como da necessidade de estratégias de avaliação. Com referência a construção da proposta pedagógica para a educação infantil o documento apresentou como fundamentais os seguintes princípios norteadores:

Art. 3º – I

a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;

b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da

Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais (BRASIL, 1999).

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Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf/CEB0199.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2015.

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Conselho Nacional de Educação – CNE, nesta pesquisa é compreendido conforme consta em seu

Regimento: “[...] terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” (BRASIL, 1999, p. 1).

No ano seguinte, 2000, o documento “Diretrizes Operacionais para Educação Infantil”92

, foi publicado para regulamentar a integração das instituições de educação infantil junto aos seus respectivos sistemas de ensino em cada estado ou município da federação, trazendo os seguintes tópicos de orientações: da vinculação das instituições de EI aos sistemas de ensino; da Proposta Pedagógica e Regimento; da Formação de Professores; e dos Espaços Físicos e Recursos Materiais para a educação infantil. Esse último item do documento afirma que:

4-a – Os espaços físicos das instituições de educação infantil deverão ser coerentes com sua proposta pedagógica, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, e com as normas prescritas pela legislação pertinente, referentes a: localização, acesso, segurança, meio ambiente, salubridade, saneamento, higiene, tamanho, luminosidade, ventilação e temperatura, de acordo com a diversidade climática regional (BRASIL, 2000, p. 10).

Faz-se importante destacar que as “Diretrizes Operacionais para Educação Infantil” (Parecer nº 04/2000-CNE), permanecem vigentes e norteiam os estados federados quanto as normatizações referentes à educação infantil, uma vez que é o documento mandatório que trata de questões específicas do funcionamento das instituições de creche e pré-escola.

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