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Anos 60: enfim, o Brasil nas páginas

No documento A AGONIA DA REPORTAGEM (páginas 48-53)

PARTE II – RETROSPECTIVA HISTÓRICA: DA

6. Anos 60: enfim, o Brasil nas páginas

Os debates sobre Vietnã, Kennedy e Fidel Castro sacudiam os jornais americanos. A imprensa européia cobria a rebeldia libertária do movimento estudantil e descobria a perversidade de suas autoridades nas guerras coloniais na África, e em particular, na Argélia. Abaixo do Equador, os jornalistas experimentavam novas técnicas e linguagens jornalísticas e aprendiam a driblar a censura para revelar ao leitor os paradoxos sociais e políticos sul-americanos, a miséria do continente, a voz da contracultura e ações de golpistas e guerrilheiros. Foram assim os anos 60 nos jornais e nas ruas do Ocidente.

Em 1960, o Brasil se despediu do desenvolvimentismo de JK, inaugurou Brasília e “elegeu o bizarro Jânio Quadros”, como descreve o brasilianista Thomas Skidmore(1998). A década que começou com Jânio e terminou com Médici na presidência experimentou três fases distintas, segundo Skidmore. A primeira, marcada pela efervescência cultural e pelas tensões políticas geradas pela renúncia de Jânio e pelas reformas de Jango.

Na segunda fase, inaugurada pelo golpe militar de 64 quando a frágil democracia brasileira sucumbiu diante da fraqueza do governo Jango e da articulação social dos generais golpistas, a grande imprensa oscilou entre apoiar o regime e criticá- lo através de projetos editoriais ousados que inventaram um novo jornalismo, feito de grandes reportagens sociais. A censura ainda era tímida na administração de Castelo Branco, o marechal que assumiu a presidência prometendo faxina moral no país e retorno rápido dos civis. Só retornaram 20 anos depois.

A ditadura foi endurecendo ano a ano, até que em 1968, sob o mando de Costa e Silva, veio a terceira e pior fase da década. Sob as rédeas do AI-5, silenciada pela censura e silenciosa sobre a tortura, a grande imprensa chegou ao governo Médici, iniciado em agosto de 69. Foi um período politicamente difícil, porém rico em matéria de dilemas para o jornalismo impresso. Teve que aprender a conviver com a

popularização da televisão e encontrar uma linguagem jornalística para reconquistar seus leitores encantados com o brilho e a velocidade da telinha.

O jornalista Hideo Onaga, fundador da Gazeta Mercantil e um dos primeiros redatores da revista Realidade, caracteriza as transformações que a tecnologia impôs à imprensa dos anos 60 no artigo Repórter ainda é a peça essencial (Onaga, 1980, p.57).

“A transmissão via satélite, a disseminação dos sistemas DDD e DDI imprimiram velocidade maior às notícias e reportagens, reduzindo o tempo entre a constatação do fato pelo jornalista e o conhecimento do leitor. No caso da televisão, tornou-se possível reduzir a zero o tempo entre o acontecimento e o conhecimento”

A introdução do “ao vivo” colocou sobre a máquina de escrever dos homens de imprensa a recorrente polêmica que toda nova tecnologia impõe – se o novo vai destruir o velho. No caso em questão, se o jornalismo televisivo acabaria com o jornalismo escrito. Os jornalistas dos anos 60 conseguiram resolver o dilema de forma. Inventaram uma série de publicações que tinha muito mais a oferecer ao leitor do que “transmissão ao vivo do fato”. Os principais jornais do país realizaram reformas ou lançaram “títulos vespertinos, abrindo espaço para a reportagem mais bem trabalhada, o uso de grandes fotografias e de novas tipologias de letras” (SEABRA, op. cit., p.40) .

O Jornal da Tarde foi um deles. Criado pelo grupo do Estadão em janeiro de 1966, o JT seguiu o modelo do jornal-revista Herald Tribune, sucesso de vendas nas bancas dos Estados Unidos. Seu primeiro diretor de redação, o italiano Mino Carta inovou na diagramação, na pauta e no texto. Recebeu sinal verde para contratar os melhores profissionais21 e colocou nas bancas um misto de jornal diário com revista semanal..

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Citado por Ivan Ângelo em O Jornal da Era de Aquário. Suplemento Especial do Jornal da Tarde. 28/01/91

A redação do JT era uma farra criativa, lembra seu antigo editor Ivan Ângelo (apud in FARO, 1999, p. 97) :

“Na diagramação, os próprios editores desenhando, inventando, experimentando como artistas visuais. Na reportagem, a valorização da visão pessoal do repórter, com trânsito livre para um texto mais literário. Na reportagem policial o fim do jargão, estímulos às histórias nos estilos dos contos e romances policiais.”

Mas, o melhor retrato do novo texto de reportagem vinha da Editora Abril, na revista Realidade, lançada em 1966. Ali não havia espaço para a ditadura do “lead e

sublead com parágrafos corridos, e entretítulos a cada 20 linhas”, definição de José

Maria Mayrink (1992) para a fórmula usada pelas matérias que seguiam “à risca a técnica da pirâmide invertida, que teoricamente permitia cortar o texto pelo pé, sem maior prejuízo”.

Para a felicidade de repórteres e leitores não era essa a receita que Realidade queria em suas páginas. Pretendia uma versão verde e amarela do “new journalism”, estilo que, naquele momento, já encantava jornalistas nos Estados Unidos, como Truman Capote, Gay Talese.

Tom Wolfe22, outro cadetrático do “new journalism” conta os bastidores desse período em Radical Chique, cuja capa carrega dizeres mágicos para amantes das grandes matérias jornalísticas. Está lá com letras coloridas: Radical Chique: O Novo

Jornalismo, e o espírito de uma época em que tudo se transformou, inclusive, o jeito de fazer reportagem. Segundo Wolfe, o new journalism não era nenhum movimento. (2004, p.40):

“Não havia manifestos, clubes, salões, nenhuma panelinha: nem mesmo um bar onde se reunissem os fiéis, visto que não era nenhuma

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Tom Wolfe nasceu na Virgínia em 1930 e doutorou-se em estudos americanos pela Universidade Yale. Começou a carreira de jornalista na edição dominical do New York Herald Tribune e escreveu livros como Fogueira das vaidades e Um homem por inteiro

fé, nenhum credo. Na época, meados dos anos 60, o que aconteceu foi que, de repente, sabia-se que havia uma espécie de excitação artística no jornalismo. Essa descoberta, modesta no início, consistia em tornar possível, um jornalismo que fosse lido como uma novela. Nos anos 60, essa forma narrativa ultrapassou os limites convencionais do jornalismo, mas não simplesmente no que se refere à técnica. A forma de recolher o material, era muito mais ambiciosa”

As reportagens de Realidade seguiam essa mesma tendência. “A estrutura do texto era nova. Contava-se os acontecimentos através de histórias. Era um romance real", explica Woile Guimarães, secretário de redação de Realidade, em depoimento dado ao jornal do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, em março de 197623.

Até hoje Realidade é lembrada como a Meca da reportagem brasileira, tese que J.S Faro defendeu no doutorado na Universidade de São Paulo, sob orientação de José Marques de Melo, e que mais tarde virou livro – Revista Realidade: Tempo da

Reportagem na Imprensa Brasileira. “No quarto ou quinto número, Realidade já era o

sonho de todo jornalista. Cada exemplar era estudado nas redações e despertava vontade de fazer jornalismo em pessoas que até então consideravam escrever uma ocupação menor”, explica o ex-redator-chefe de Realidade, José Hamilton Ribeiro (IN FARO, p.101):

“As reportagens que Realidade publicou abrangeram uma pauta extraordinariamente variada de temas. A revista estendeu a visão de seus repórteres pelo universo dos valores do comportamento, da política internacional e nacional. Para cada grandes áreas de abordagem, a revista trazia personalidades que solidificavam essa visão. Essa variedade temática rompia com padrão convencional do jornalismo informativo”

Realidade chegou a vender 500 mil exemplares e ocupou um nicho de mercado

que as três principais revistas da época, Manchete, Fatos & Fotos, e Cruzeiro, não alcançavam. Manchete e Fatos e Fotos “primavam por um jornalismo que se esgotava

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no visual de suas ilustrações; não chegavam a ser publicações de reportagens verticalizadas e sua periodicidade, limitada ainda mais pelas deformações do que deva ser a atualidade no jornalismo, representava obstáculo praticamente insuperável para suas redações. O Cruzeiro era diferente” (FARO, 1999, p. 93):

“A revista dos Diários Associados carregava consigo o pioneirismo de reportagens instigantes sobre questões nacionais, mas padecia de dificuldades de outra ordem: era uma revista que oscilava ao sabor do poder unipessoal de Assis Chateaubriand, permanentemente instrumentalizando os veículos de seu império em torno de seus interesses políticos”.

Realidade, Cruzeiro, o Jornal do Brasil, o Jornal da Tarde, além de uma série

de publicações da chamada imprensa alternativa como o Pasquim, refletiam o clima de inquietação intelectual que o país vivia nos anos 60. E, apesar das marés políticas de Chatô, a grande imprensa em geral, e Realidade em particular, emprestaram uma marca fortemente social às reportagens sobre um país que se descobria espremido entre miséria nas ruas, novidades na cultura, generais no poder e telejornal na sala de jantar, como caracteriza Roberto Seabra, no artigo Dois Séculos de Imprensa no Brasil (IN MOTTA org., 2002, p.31-47) :

“A ditadura do lead ainda impera nas redações na década de 60, mas a concorrência com o rádio, e principalmente, com a TV, leva os jornais, a repensar práticas e abrir espaço para novos estilos. Antevendo o momento de ruptura, algumas empresas investem nas revistas de reportagem, espaços em que são permitidos textos mais reflexivos e interpretativos. O melhor exemplo é a revista Realidade”.

No documento A AGONIA DA REPORTAGEM (páginas 48-53)

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