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CAPÍTULO 3 – DESENVOLVIMENTO EM DISPUTA E A AJUDA COMO OBSTÁCULO: A CRÍTICIA ESTRUTURALISTA E A SAÍDA LIBERAL

4.1. Anos 90 – Neoliberalismo com uma “cara humana”?

A doutrina neoliberal foi se conformando como dominante no último quarto do século XX (CHANG, 2003, p. 1), marcada pelo aprofundamento do fenômeno da globalização econômica e da expansão do capital financeiro. De acordo com Dani Rodrik, economista que ocupou grande espaço no debate, “financeirização e globalização tornaram-se as manifestações

mais evidentes do neoliberalismo na atualidade no mundo” (2017, p. 2). Esse quadro seguia influenciando os modelos de desenvolvimento dos países que, em alguns casos, eram tornados “recipientes passivos do processo de globalização”194 (KHOR, 2003, p. 523).

De acordo com Chang, nos anos 1990, as reformas neoliberais foram implementadas ainda mais amplamente e duramente, o que agravou a condição de dependência dos países em desenvolvimento (CHANG, 2003, p. 2). Muitos fatores contribuíram para isso. Entre eles, podemos citar, primeiro, o contexto de fim da Guerra Fria, que fez com que muitos Estados estivessem dispostos a “implementar as versões mais extremas dos programas de reformas neoliberais”195 (CHANG, 2003, p. 2). Em segundo lugar, a criação da Organização Mundial de Comércio e o seu regime internacional pautado na liberalização, que dificultou “a habilidade dos países em desenvolvimento de desviar da agenda neoliberal”196 (CHANG, 2003, p. 2). Por fim, o boom econômico dos EUA – “casa do neoliberalismo” – no fim dos anos 1990, que “permitiu que os neoliberais impulsionassem sua agenda, que não havia alternativa ao capitalismo de livre mercado estilo americano [...]” (CHANG, 2003, p. 2).

Apesar de logo garantir lugar de domínio no debate internacional, essa perspectiva, em especial o pacote oferecido no Consenso de Washington, não logrou alcançar os objetivos propostos de crescimento – o que gerou uma série de críticas e questionamentos sobre os limites do modelo. A narrativa passou a se adaptar e ganhar novos contornos, como podemos identificar no texto do Joseph Stiglitz, outro reconhecido economista: “o problema não são apenas os Estados predatórios, mas também Estados falhando em prover infraestrutura institucional requeridas para a economia de mercado”197 (2001, p. 18). Isto é, o Estado voltava à cena, mas agora com funções específicas: a de garantir o funcionamento do mercado e de dar o mínimo de assistência social àqueles que poderiam não sobreviver sob o comando do mercado.

Considerando isso, foi lançada a versão ampliada do Consenso, que reconhecia a importâncias das políticas de estabilização e ajuste macroeconômico, mas incluía a imprescindibilidade da implementação das instituições “corretas” e o foco em reduzir a extrema pobreza. De acordo com Stiglitz, o Consenso de Washington “defendia o uso de um pequeno

194 Tradução livre da versão original: “Its effects are most severely felt in the developing countries, for most of

them are too small or weak to be active proponents, and are therefore passive recipients of the globalization process” (KHOR, 2003, p. 523).

195 Tradução livre da versão original: “Second, the fall of Communism opened up a vast area of the world that

was willing to implement the most extreme versions of neoliberal reform programmes” (CHANG, 2003, p. 2).

196 Tradução livre da versão original: “. Third, the launch of the World Trade Organization (WTO) in 1995 has

further restricted the ability of the developing countries to deviate from the neoliberal agenda” (CHANG, 2003, p. 2).

197 Tradução livre da versão original: “The problem is not just predatory states but also states failing to provide

conjunto de instrumentos (incluindo estabilidade macroeconômica, liberalização comercial e privatização) para atingir um objetivo relativamente restrito (crescimento econômico) ”198 (1998, p. 30). Já na conjuntura do pós-Consenso, ampliou-se o entendimento de quais instrumentos que promovem o bom funcionamento dos mercados e de quais objetivos de desenvolvimento devem ser perseguidos – “para incluir outros como desenvolvimento sustentável, desenvolvimento igualitário e desenvolvimento democrático”199 (STIGLITZ, 1998, p. 1).

Foi dessa forma que, na década de 1990, os neoliberais empregaram maior ênfase a defesa de políticas sociais focalizadas – um dos pilares do neoliberalismo que agora seria estendido para a periferia. Focou-se na garantia de condições mínima de vida para os extremamente pobres, em detrimento de justiça social e das amplas garantias de direitos, para assegurar condições sociais e políticas para o neoliberalismo. Um dos aspectos é que isso permitiria “a formação de capital humano socialmente desejável, que de outro modo não ocorreria, e assim tornaria a economia mais produtiva”200 (TOYE, 2003, p. 34).

Essa nova agenda para a periferia que estava sendo construída, permaneceu, de acordo com Peet e Hartwick (2009) “limitada em sua capacidade de transformação” e com o “léxico de dentro do sistema”, tal como a expressão e objetivo de “alívio à pobreza”201 (p. 94). Isto é, deslocando a concepção da pobreza de toda a estrutura do sistema que a gera deliberadamente, focando apenas em olhar para os meros sintomas de suas versões mais extremas.

Já com a virada do milênio, essa agenda ganhou outras camadas e foi levada à discussão no âmbito da Organização das Nações Unidas, contando com outros atores como Banco Mundial, FMI e grupo de países ricos (PEET; HARTWICK, 2009, p. 94). Nesse momento, “os termos- chave no novo neoliberalismo liberal são ‘Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ODM” e o alívio da dívida”202 e um importante nome é o do economista do desenvolvimento

198 Tradução livre da versão original: “The Washington consensus advocated use of a small set of instruments

(including macroeconomic stability, liberalized trade, and privatization) to achieve a relatively narrow goal (economic growth)” (STIGLITZ, 1998, p. 30).

199 Tradução livre da versão original: “[...] we have broadened the objectives of development to include other

goals, such as sustainable development, egalitarian development, and democratic development. An important part of development today is seeking complementary strategies that advance these goals simultaneously” (STIGLITZ, 1998, p. 1).

200 Tradução livre da versão original: “It was argued (once again) that better health and education services for the

poor would permit the formation of socially-desirable human capital that would not otherwise take place, and thus make the economy more productive” (TOYE, 2003, p. 34).

201 Tradução livre da versão original: “were quite limited in their transformational capacity and their “within the

system” lexicon” (“targeted poverty alleviation” [...]) (PEET; HARTWICK, 2009, p. 94).

202 Tradução livre da versão original: “ The key terms in the new liberal neoliberalism are “Millennium

Jeffrey D. Sachs (PEET; HARTWICK, 2009, p. 94). É sobre Sachs e os objetivos do milênio que falaremos agora.