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PARTE I QUADRO TEÓRICO

2.4.1. Antônio Poteiro: popular ou erudito?

Natural de Santa Cristina Da Pousa - Província do Minho - Portugal, Antônio Batista de Souza é um autodidata, e vem realizando desde 1976, exposições individuais e coletivas, no Brasil e no Exterior.

Hoje, com 79 anos, vive exclusivamente de seu trabalho artístico e traz consigo o nome de Antônio Poteiro como lembrança do início de sua carreira quando executava o ofício de fazer Potes, que aprendeu com seu pai.

Ceramista e pintor surpreendente, inventivo e talentoso, criador de sua própria linguagem, tem na originalidade a definição de sua obra; o produtor pelo produto e vice-versa. É difícil até aplicar-lhe algum rótulo. Não sendo, é claro, um artista erudito, Poteiro tampouco é o que habitualmente chamamos de 'primitivo'.

Além da indesejável contaminação com as idéias de primariedade e precariedade, o termo geralmente designa um tipo de pintura estandardizada, que no caso brasileiro costuma se basear em algumas fórmulas e truques. São riachos nacarados, campos e montanhas floridos, nuvenzinhas que parecem chumaços de algodão e figurinhas espalhadas, tudo bem colorido com tons adocicados, mostrando um mundo quase edênico. Não é isso o que se encontra em Poteiro, com suas farândolas de cores vigorosas, suas figuras incisivas, sua ocupação delirante do espaço e sua visão irônica do mundo, às vezes cáustica, corporificada numa fabulação ininterrupta.4

4 http://www.antoniopoteiro.com/

Pode ainda ser chamado por alguns de espontâneo, correndo-se o risco de levar, por este termo, a idéia de algo impensado ou de que sua criação brote ao acaso, o que definitivamente não acontece com Poteiro. Em suas declarações, demonstra claramente a firmeza e a consciência que tem sobre o próprio processo.

O certo é que, para os críticos, Poteiro não tem nada de ingênuo, nas telas não há preocupação com a perspectiva nem respeito às proporções, mas isto é de caso pensado. Em seus depoimentos, demonstra ter o conhecimento acadêmico empregado na representação clássica, contudo não o aplica “por não querer ser mais que Poteiro”.

A nítida percepção de que sua perspectiva pode parecer errada para alguns não o incomoda, pois como ele mesmo diz: “no momento em que fizer diferente, seu trabalho deixará de ser um Poteiro, para ele arte não é perfeição é criação”. (SESC/SENAC. Poteiro: vídeo/documentário, s/d)

Por tudo, Poteiro é um grande artista. Transcendem as definições com sua personalidade e sua produção tão singulares. Goza de um prestígio imbatível e merecido, faz sucesso de crítica e mercado. Resta falar de seu fôlego invejável.

Poteiro é considerado um mestre no Brasil. Suas obras fazem parte de bienais e estão nas grandes galerias. Expõe com freqüência na Europa, Estados Unidos e Japão. Em seu currículo somam-se ainda aulas ministradas na Alemanha.

Dentre as características formais da cerâmica e da pintura de Antonio Poteiro está antes de tudo:

a movimentação constante. A terra é redonda e, como diz a Bíblia, Deus fez o homem do barro, e o fez ainda com seu sopro. Antonio Poteiro cria histórias no barro, cria narrativas circulares. Suas narrativas circundam a superfície do vaso, dão a volta, é como se não tivessem um ponto de partida ou chegada. São histórias de homens, animais e santos, histórias que ele recolhe na rua, na Bíblia, nos seus sonhos. Histórias de sempre, milenares, que na imaginação popular se repetem com pequenos acréscimos locais. Da mesma maneira como na volta do tempo. Ressurgem, em sua cerâmica, gotismos e

romancismos. A forma puxando o tema ou vice versa, pois que estes medievalismos são também escatologias, demonologias. (Frederico Moraes)5

Este mundo que Poteiro constrói em seus quadros e cerâmicas é rigorosamente lógico, a começar por sua simetria. Nele temos o céu e a terra, o alto e o baixo, a esquerda e a direita, o dentro e o fora, Deus e o diabo, o bem e o mal, o leve e o pesado. São vários níveis, planos andares. Assim cria figuras como o Deus Jacaré o Deus Porco e nos orienta de que o “porco deve ter um deus que o proteja (...) e que cada um vê seu deus do jeito que quer” (SESC/SENAC. Poteiro: vídeo/documentário, s/d)

Fig. 10 – Deus Bicho 140cm x 70cm – s/d - Poteiro

www.antoniopoteiro.com

Fig. 11 – Deus Ecológico 120cm x 65cm. – s/d - Poteiro

www.antoniopoteiro.com

Há um mundo subterrâneo: grutas e ocos que começam a surgir em suas cerâmicas mais recentes, assim como existe um mundo de animais rastejantes e lentos (jacarés, tartarugas) e o mundo aquático - sob as águas, os

peixes, sobre as águas o barco com carrancas zoomórficas levando pescadores que sustentam uma enorme tartaruga, que por sua vez, sustenta Nossa Senhora Aparecida, com seu grande manto protetor. E existe o mundo aéreo, habitado por santos e pássaros.

Fig. 12 – Tatuzada e Tartarugada 140cm x 90cm – s/d - Poteiro

www.antoniopoteiro.com

Por fim, sua obra não é tão misteriosa quanto possa parecer em princípio. A cerâmica e suas telas quando olhadas bem de perto mostram um mundo bem familiar. A mágica de Poteiro está em brincar com os temas, trocar personagens de lugar e criar o inusitado. A exemplo disto ele brinca mesmo com o folclore de sua região (Goiás), onde até então havia um grande espaço na representação do folclore popular para a festa conhecida como a Cavalhada. Ele institui jocosamente a Tatuzada e a Tartarugada, ou ainda nas representações das divindades dos animais.

Fig. 13 – São Francisco 200cm x 150cm– s/d - Poteiro

www.antoniopoteiro.com

Fig. 14 – Deus Tartaruga 120cm x 65cm. – s/d - Poteiro

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Os sonhos, passagens da Bíblia e histórias ouvidas ou vistas na rua são o ponto de partida da arte de Poteiro. Sob diversos aspectos, de fato, sua arte é racionalmente elaborada, tanto em termos de forma como de conteúdo. São torres de cerâmica grandiosas, telas coloridas povoadas de bichos, contos e personagens brasileiros

A criatividade do artista é visível no ritmo das linhas, ora circulares, ora horizontais, mas sempre na fronteira entre um comovente lirismo e um certo deboche da condição humana. Essa horizontalidade e circularidade são oriundas da atividade do artista como oleiro.

A arte que surge, portanto, é muitas vezes rude em seu acabamento, mas, ao mesmo tempo, de intensa delicadeza, pois o artista reverencia cada trabalho com suas poderosas mãos de mágico criador e ilusionista de materiais diversos, desde o barro às tintas, não escolhendo matéria-prima para

expressar uma única visão de mundo, sem mestres ou seguidores – característica que o insere na vertente primitivista.

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