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ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CRIAÇÃO DO MERCOSUL

4 O MERCOSUL

4.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CRIAÇÃO DO MERCOSUL

O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) foi criado em 26 de março de 1991 através da assinatura do Tratado de Assunção pelos presidentes do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Tratado materializa antiga aspiração desses países, refletindo os crescentes entendimentos políticos em âmbito regional, a densidade dos vínculos econômicos e comerciais e as facilidades de comunicação decorrentes da localização geográfica.

Em relação aos antecedentes históricos do bloco, observa-se que os projetos de integração latino-americanos vêm sendo perseguidos desde os anos 50, época em que a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) introduziu a idéia de que a cooperação regional baseada em um sistema de preferências comerciais iria acelerar o desenvolvimento econômico da região, complementando o modelo de industrialização baseado na política de Substituição de Importações. Entretanto, o GATT somente autorizava na época a formação de zonas de livre comércio e de uniões aduaneiras, não sendo permitida a constituição de uma simples zona de preferência tarifária. Desse modo, alguns países latino-americanos (Brasil, Argentina, México, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai) criaram a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC) através do Tratado de Montevidéu de 1960, visando à formação de uma zona de livre comércio e à constituição de um mercado comum em um prazo de 12 anos. Foram negociadas multilateralmente reduções tarifárias através de “listas comuns” e de “listas nacionais”, assim como a extinção de restrições não-tarifárias. Eram, porém, objetivos ambiciosos e logo sofreram oposição do setor privado, acostumado à política de Substituição de Importações e a mercados protegidos. Além disso, conspiraram contra a ALALC a gradual instalação de regimes autoritários e os conflitos de interesse na região, visto que havia uma alta heterogeneidade no grau de desenvolvimento das economias e pouca complementaridade entre elas. Em 1967 a ALALC reunia, além dos membros fundadores, a Colômbia, o Equador, a Venezuela e a Bolívia. Foi nessa época que surgiu o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), que existe até hoje. O insucesso da ALALC,

que já em sua segunda etapa propunha a formação de um mercado comum latino- americano não mais em doze, e sim em quinze anos, fez com que surgisse o Pacto Andino, em 1969, formado inicialmente por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Em 1973 a Venezuela aderiu, e em 1976 o Chile se retirou. Em resumo, a década de 70 foi muito difícil para a integração, pois além da falta de respaldo empresarial, havia rivalidades políticas, militares, econômicas e comerciais entre os países da região, principalmente entre o Brasil e a Argentina. Nos anos 70 houve também a primeira crise do petróleo, o começo do endividamento externo e, já no final da década, o crescimento da economia mundial e a expansão das exportações para terceiros mercados. As economias latino-americanas tornaram-se mais dependentes do mercado internacional e passaram a não mais fixar prazo para a formação de um mercado comum. Decidiram reestruturar a ALALC e criaram em 1980 a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), com a assinatura do Tratado de Montevidéu. O objetivo já não era chegar a um mercado comum via zona de livre comércio, mas através de uma área de preferência tarifária (agora permitida pelo GATT) com esquemas mais flexíveis de entendimentos bilaterais ou por grupos de países, sem abandonar a possibilidade de acordos multilaterais. Aumentou-se o espectro da integração e procurou-se respeitar os princípios básicos do pluralismo, da convergência, da flexibilidade, dos tratamentos diferenciais em vista dos desníveis sócio-econômicos dos países, e da multiplicidade. Contudo, novas dificuldades surgiram: a segunda crise do petróleo em 1979, o agravamento do problema da dívida com a moratória mexicana de 1982, e fortes pressões protecionistas decorrentes do modelo de Substituição de Importações. A meta principal não foi alcançada, mas a possibilidade aberta de formação de sistemas sub-regionais e o incentivo à realização de acordos bilaterais facilitaram a aproximação dos países envolvidos (RÊGO, jun.1995, p.169).1

Em meados da década de 80, o cenário muda no continente com a eleição de governos civis e democráticos e a tendência a uma abertura neo-liberal das economias, já que tornava-se claro o esgotamento do modelo de Substituição de Importações, levando os países a buscarem novos rumos para a retomada do crescimento econômico. O Brasil e a Argentina interromperam então anos de rivalidade e deram início a um novo tipo de convivência, visando a uma melhor inserção na nova ordem econômica internacional, marcada pela

articulação de espaços geoeconômicos de cunho regional e pelo fenômeno da globalização da economia mundial. Acreditava-se que a integração bilateral aumentaria o poder de barganha de ambos nas negociações multilaterais. O ponto de partida para tal integração foi dado em 1985 com a Declaração de Iguaçu, através da qual foi criada uma comissão mista de alto nível para tratar do assunto. Em 1986, a Ata para a Integração Brasil/Argentina estabeleceu o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), mediante o qual foram firmados, durante os quatro anos seguintes, 24 protocolos para a liberalização comercial bilateral e a cooperação em várias áreas, como produção de alimentos básicos, investimento industrial, transporte e comunicações. Dentre os protocolos que promoveram a liberalização comercial recíproca, há um destaque para os que derrubaram as barreiras ao comércio bilateral do setor de bens de capital e da indústria automobilística, assim como os que estabeleceram instrumentos para a redução de tarifas e quotas de importação de outros produtos. O Programa tinha como objetivos a abertura seletiva dos mercados dos dois países e o incentivo à complementação setorial, de acordo com os seguintes princípios: a flexibilidade, com a possibilidade de ajustamentos no “timing” do processo e nos objetivos; o gradualismo, com a fixação de metas anuais; o equilíbrio, através de uma integração setorial mais equânime entre os sócios; e a simetria, através da harmonização das políticas relacionadas com a competitividade setorial. O acordo contribuiu para a redução das resistências à abertura comercial em um ambiente eminentemente protecionista. Em 1988, foi firmado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, visando à constituição de uma zona de livre comércio em 10 anos, com a harmonização das políticas setoriais e a coordenação das políticas macroeconômicas, passos iniciais rumo à formação de um mercado comum. Em 1990, o processo de integração entre Brasil e Argentina ganhou um novo impulso, sendo acelerado e ampliado. A Ata de Buenos Aires, assinada naquele ano, estabeleceu a constituição de um mercado comum (e não mais de uma simples zona de livre comércio) até 31 de dezembro de 1994, e substituiu a integração seletiva e setorial por um processo de redução linear, generalizada e automática das tarifas alfandegárias a cada seis meses. Instituiu também um sistema de eliminação progressiva das listas de produtos que ficariam de fora da liberalização e deu prioridade à harmonização das políticas macroeconômicas. Na mesma época foi criado o Grupo Mercado Comum, de caráter binacional, e assinado o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas. Em

dezembro de 1990 foi assinado o Acordo de Complementação Econômica nº 14 (ACE-14) no âmbito da ALADI, consolidando o programa de liberalização comercial. Em 1991, Uruguai e Paraguai incorporaram-se às negociações, sendo assinado então o Tratado de Assunção, marco de referência do MERCOSUL. Os quatro países firmaram o compromisso de constituir o Mercado Comum do Sul no mesmo prazo fixado pelo programa bilateral Brasil-Argentina, até o final de 1994. O processo de integração teria como principais objetivos a modernização econômica e a inserção competitiva dos países- membros na economia mundial, diferentemente dos processos de integração latino- americanos tentados nos anos 60 (ALALC) e início dos anos 80 (ALADI), que tinham um caráter protecionista em relação a terceiros países. É importante ressaltar que a decisão quanto à formação do MERCOSUL não pode ser atribuída apenas a razões econômicas, devendo ser entendida também como uma opção geopolítica, especialmente por parte dos dois maiores sócios do acordo, que deixaram de lado suas rivalidades históricas em prol da cooperação regional (RÊGO, jun.1995, p. 170-171).

O Tratado de Assunção entrou em vigor em novembro de 1991, quando os quatro sócios concluíram, no âmbito da ALADI, o Acordo de Alcance Parcial de Complementação Econômica nº 18 (ACE-18), que deu ao MERCOSUL a cobertura jurídica para a adoção de esquemas preferenciais entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O Tratado diz que o mercado comum a ser constituído implica: “A livre-circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamento de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes -- de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -- , a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-partes; e o compromisso dos Estados-partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”.2 O Tratado estabeleceu um período de transição

para a constituição do Mercado Comum, sendo compreendido desde a entrada em vigor do mesmo até 31 de dezembro de 1994. Para esse período de transição o Tratado previa a utilização de alguns instrumentos, a saber: um Programa de Liberação Comercial, caracterizado por reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não-tarifárias ou medidas de efeito equivalente; uma tarifa externa comum, de forma a incentivar a competitividade externa dos estados-partes; a coordenação de políticas macroeconômicas, a ser realizada gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não-tarifárias; e a implementação de acordos setoriais. Como se verá posteriormente, nem todos essas medidas foram adotados no período de transição, visto que houve um alongamento do cronograma de integração.

A implementação do acordo entre os quatro países, durante o período de transição, ficou a cargo de dois órgãos de caráter provisório: o Conselho do Mercado Comum (CMC), definido como o órgão superior de encaminhamento político do processo de integração, sendo formado pelos ministros das Relações Exteriores e da Economia dos quatro países; e o Grupo Mercado Comum (GMC), que recebeu a função de órgão executivo do Tratado de Assunção, sendo composto por quatro representantes de cada país, vinculados aos bancos centrais e ministérios das Relações Exteriores e da Economia. O GMC ficou responsável pela adoção das medidas necessárias à implementação das decisões do Conselho, pela cooperação econômica setorial e macroeconômica e pelo estabelecimento do cronograma de atividades, dispondo para tanto de uma Secretaria Administrativa. Subordinados ao GMC foram constituídos 11 Subgrupos de Trabalho (SGTs), cuja agenda de atividades foi fixada pelo cronograma de Las Leñas, de junho de 1992. Os Subgrupos foram assim divididos: SGT-1 - Assuntos comerciais; SGT-2 - Assuntos Aduaneiros; SGT-3 - Normas Técnicas; SGT-4 - Políticas Fiscal e Monetária relacionadas com o comércio; SGT-5 - Transporte Terrestre; SGT-6 - Transporte Marítimo; SGT-7 - Política Industrial e Tecnológica; SGT-8 - Política Agrícola; SGT-9 - Política Energética; SGT-10 - Coordenação de Políticas Macroeconômicas; e SGT-11 - Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social. Além dos trabalhos dos Subgrupos e das reuniões dos ministros e presidentes dos bancos centrais, definiu-se que assuntos sociais e culturais da integração também seriam tratados através de reuniões ministeriais setoriais, reuniões especializadas e

encontros relacionados com a cooperação técnica entre o MERCOSUL e os organismos intragovernamentais e multilaterais. Definiu-se também o estabelecimento de uma Comissão Parlamentar Conjunta, com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum. E em dezembro de 1991 surgiu o Protocolo de Brasília de solução de controvérsias, que continua em vigor até hoje (RÊGO, jun.1995, p. 172-173).

Em síntese, o Tratado de Assunção teve como objetivo comum buscar uma integração mais competitiva das economias dos quatro países-membros, num mundo em que se consolidam grandes espaços econômicos, onde a internacionalização dos sistemas produtivos e financeiros adquire grande intensidade e onde o progresso técnico se torna cada vez mais essencial para o êxito dos planos de investimento. O mercado ampliado representado pelo MERCOSUL, com uma população em torno de 200 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto de aproximadamente US$ 1 trilhão (dados de 1995, como pode ser verificado adiante na TABELA 1), tende a favorecer as economias de escala e a complementaridade produtiva entre as empresas instaladas no Cone Sul, reforçando os ganhos potenciais das mesmas com o incremento da produtividade, estimulando os fluxos de comércio com o resto do mundo e tornando mais atraente os investimentos na região. Essa nova realidade está sendo possível graças aos programas econômicos recentemente adotados pelos Governos da região, favoráveis à abertura econômica, à concorrência ampliada, ao aumento da eficiência e à modernização. Nesse contexto, o MERCOSUL visa principalmente a somar competências e a maximizar vantagens comparativas em escala regional, buscando a união de forças dos países-membros para uma inserção competitiva no cenário mundial.

TABELA 1 - Indicadores do MERCOSUL - 1995

País Área (em mil km2) População (em milhões) PIB (US$ milhões) PIB per capita (US$) Exp. (US$ milhões) Imp. (US$ milhões)

Argentina 2.767 34,3 282.700 8.110 15.839 21.527

Brasil 8.512 156,0 676.000 2.970 43.600 36.000

Paraguai 407 4,9 8.900 1.580 817 2.370

Uruguai 177 3,2 17.200 4.660 1.913 2.770

Fonte: Centro de Informações da Gazeta Mercantil.3

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