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Meu encontro com o aspecto da participação nas artes visuais se deu através do livro Estética Relacional (1998) de Nicolas Bourriaud, em sua versão em português, lançado no Brasil pelo menos dez anos depois de seu lançamento na França. De acordo com Bourriaud (2009, p. 151), estética relacional é um ―conjunto de práticas artísticas que tomam como ponto de partida teórico e prático o grupo das relações humanas e seu contexto social, em vez de um espaço autônomo e privativo‖, ou seja, é um segmento da arte contemporânea que se concentra nas relações diretas entre espectador e obra. Naquele momento, as questões relacionadas à proximidade já me interessavam e a provocação inicial do autor de apresentar, ao longo da escrita, artistas cujas obras esboçavam várias ―utopias de proximidade‖ despertou ainda mais meu interesse pela leitura do livro. Perguntei-me, também que obras eram aquelas que já não perseguiam a meta de formar realidades imaginárias ou utópicas, mas procuravam constituir modos de existência ou modelos de ação dentro da realidade existente? (BOURRIAUD, 2009, p. 18).

Meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): A palavra ingrediente: receitas para uma arte cotidiana hoje (2015), orientado pela Professora Elida Tessler (IA-UFRGS)48, apresenta algumas reflexões a partir de relações estabelecidas com o pensamento de

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Elida Tessler é artista plástica e professora aposentada do Departamento de Artes Visuais e do Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Site da artista disponível em: <http://www.elidatessler.com/>. Acesso em: 19 de julho de 2018.

Bourriaud. Os trabalhos tratavam da participação, ainda no sentido dos artistas apresentados pelo autor, que ofereciam uma possibilidade de participação a partir do lugar tradicional, um museu ou uma galeria. As propostas que compunham meu TCC se relacionavam a uma refeição íntima, que envolveu um dia inteiro realizando menus de um livro de receitas antigo encontrado na biblioteca da família, saboreados junto aos integrantes em um domingo qualquer. Ambas as experiências foram compartilhadas sob forma de uma exposição, no caso da refeição como um processo documentado em fotos e o segundo através dos elementos dispostos na galeria49. A apresentação dos trabalhos se deu em dois momentos: o primeiro na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre, por ocasião da defesa do TCC, e o segundo no MARVS, Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, em Passo Fundo-RS.

Figuras 27 e 28 - Comida de 1945 (2015) e Exposição A Palavra Ingrediente (2015). Fonte: Márcia Braga50.

Naquela pesquisa selecionei para análise cinco trabalhos que envolviam instalação, vídeo e fotografia e discutiam a relação entre a palavra escrita e o alimento na arte contemporânea. Tal abordagem me fez deixar fora da discussão duas ações disparadas por mim que vinham sendo realizadas de forma colaborativa e continuada em Porto Alegre. Tratava-se, como comentei no capítulo anterior, do Projeto Vizinhança e da ação Café na Calçada, aos quais dediquei, naquela escrita, apenas breves comentários.

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Tratava-se de uma instalação composta por quatro mesas ao redor das quais foram dispostas quatro cadeiras. No centro da mesa uma caixa transparente continha biscoitos caseiros em forma de letra. Juntos eles compunham um poema que também se podia ouvir, pela voz de seu autor, através de uma caixa de som instalada embaixo da mesa.

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Hoje, com o devido distanciamento, entendo que tal critério de seleção foi motivado pelas leituras realizadas de forma paralela, extrapolando a discussão principal da qual me ocupava, em uma atitude que entendo ser comum a todo processo de investigação. A partir do momento em que me debrucei sobre os trabalhos que haviam ficado fora da pesquisa da graduação, as questões que deles surgiram interessaram-me a ponto de provocar o encadeamento da pesquisa atual.

Considero, assim, o Projeto Vizinhança (2012-2018) e o Café na Calçada (2013-2018) as ações disparadoras desse novo momento da pesquisa, agora no âmbito do mestrado em artes visuais. A eles somam-se outros quatro projetos que foram realizados entre 2016 e 2017, constituindo o grupo de trabalhos que serão discutidos e analisados ao longo desta dissertação. São eles: Cerâmica e Alimento (2017), Porto Alegre-Tijuana: mulheres olhando para seu cotidiano e além dele (2016), Biblioteca- mochila (2017-2018), Sabão Caseiro: receitas para novas experiências no cotidiano (2017).

Nessa nova série de trabalhos assumo definitivamente meu interesse pela cidade como lugar de reflexões e de projetos, de realizações e de ações. Se, nos processos anteriores, dediquei-me a pensar as questões que me interessavam a partir do espaço íntimo da casa, o que se vê nessa nova série é o desejo de uma expansão do doméstico ao coletivo, do íntimo para a rua. Com isso deixo para trás o espaço solitário e previsível do atelier para pensar a partir de situações e encontros reais que se dão no cotidiano, que começam pelo meu bairro e expandem-se para outros lugares da cidade chegando a contextos estrangeiros. Mas o que realmente me provoca a querer trabalhar com e no espaço público? O que me atrai nesse lugar? Que estratégias utilizo para me aproximar daquilo que me interessa?

Penso que a potência de meus trabalhos está, provavelmente, associada a meu interesse pela palavra falada, pela conversa que se repete em encontros no espaço público, prolongados no tempo, e que acabam conformando novos espaços e levando à adoção de uma metodologia de trabalho que envolve processos dialógicos (KESTER, 1998) e a teoria do agir comunicativo (HABERMAS, 1984,1987) sobre a qual discorrerei a seguir.

Nos projetos atuais procuro relacionar-me de forma direta, presencial, com o contexto físico e social e com os participantes, encaminhando a pesquisa na direção de construções processuais realizadas de forma coletiva, que se situam dentro da complexa e estimulante discussão que assumo agora em torno da arte participativa.