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O entendimento dos antecedentes políticos historicamente imediatos ao ‘debate sobre o expressionismo’ exige que se tenha em mente o percurso de constituição das diretrizes da estética marxista alemã. Assim, tentaremos localizar tais antecedentes neste percurso, do qual faremos breve resumo. Concomitantemente, situaremos a posição de Benjamin, “a figura teoricamente decisiva e curiosamente não citada explicitamente na discussão da Das Wort” (MACHADO, C. E. J. 1998, p. 97). Desta forma, a relação entre Walter Benjamin e Bertolt Brecht – tratada no primeiro capítulo – também será melhor esclarecida e situada perante a estética assumida pelo Partido Comunista alemão.

O Partido Comunista da República de Weimar criou, em 1928, a BPRS (Bund Proletarisch-Revolutionärer Schrifsteller) – Associação dos escritores proletário- revolucionários. Esta tinha o intuito de discutir as relações entre arte e Partido e entre arte e Revolução – ou seja, tencionava delinear a política estética do Partido. Em 1929, a Associação criou a revista Die Linkskurve, que funcionava como mediação entre os debates. Em relação a ela, Willi Bolle distingue quatro fases, que resumiremos a seguir.

A primeira delas, de 1929 a meados de 1930, foi marcada por rigorosa demarcação ideológica, com combate a toda intelectualidade burguesa que não aderiu ao Partido Comunista. A idéia aqui era a de que o escritor burguês devia ‘abstrair-se’ de sua formação e escrever ‘literatura proletária’. Benjamin também se posicionou contra tais escritores, mas a sua crítica ideológica era associada à crítica materialista. Nessa época, Benjamin já tinha a convicção, de acordo com Willi Bolle, de que apenas a tendência política correta não bastava, devendo estar associada à ‘qualidade literária’ da obra. (como expressaria mais tarde em O

Em sua segunda fase, de meados de 1930 a inícios de 1931, a BPRS é marcada pela valorização do intelectual burguês. Agora, era aceitável que o escritor se baseasse no legado da filosofia da arte burguesa. Tal mudança de orientação advém da perda de simpatizantes burgueses e, conseqüentemente, de aliados em potencial. A valorização da tradição cultural burguesa, que aparece nesta fase, estará, de agora em diante, presente em todo o trajeto da BPRS. Com relação a tal postura, Benjamin sempre se posicionou de forma contrária. Era contraditório, segundo ele, o projeto de uma cultura proletária e uma volta aos modelos estéticos burgueses.

Na terceira fase de sua orientação, de meados de 1931 a inícios de 1932, os correspondentes operários da Die Linkskurve começaram a demonstrar preocupação com o projeto da literatura de classe operária, devido à valorização do intelectual burguês. Assim, os intelectuais dirigentes da revista passaram a produzir ‘literatura para as massas’, com a proliferação dos ‘romances sociais’. Benjamin, por sua vez, sabia que a arte e a literatura emancipatória das massas teria de utilizar, necessariamente, técnicas e formas revolucionárias, numa concepção bastante diversa da manifesta na BPRS.

A quarta fase, a partir de meados de 1932, é aquela que lançou as bases da polêmica sobre o expressionismo, de 1937-1938, na revista Das Wort – publicada em Moscou. Nesta quarta fase, o Partido Comunista soviético assumiu, por decreto, a narrativa burguesa do século XIX como o único tipo de literatura aceitável, condenando toda estética de formas abertas como ‘decadente’. Tal posição desemboca na ‘doutrina do realismo’ – oficial a partir de 1934 – e prevalece também na BPRS, que imita o modelo do Partido Comunista soviético. Benjamin, por sua vez, continuava firme em sua posição e sempre esteve contra tal posição ortodoxa. Para ele, era premente a transformação revolucionária da literatura enquanto instituição, a qual passava pela utilização emancipatória das novas técnicas de reprodução. Concomitantemente, a estética modernista, de formas abertas, como a utilizada por Brecht,

era tida por Benjamin como a mais adequada a este processo. Como foi discutido no item O

Que é Teatro Épico?, o interesse de Benjamin pelo teatro de Brecht passava também pela

transformação revolucionária do teatro enquanto instituição (por meio da mudança nas relações de produção).

Nesta última fase, a revista Die Linkskurve é dirigida por Lukács, e durante ela se realiza, em Paris, o Congresso dos Escritores pela Defesa da Cultura (CEDC), em 1935. Tal congresso foi convocado pelos representantes da Associação dos escritores e artistas revolucionários do Comitê de Vigilância dos intelectuais antifascistas, preocupados em estabelecer as diretrizes da frente popular de luta. Assim, convém ressaltar que foi nesta ocasião que se reconheceu a necessidade de criação de uma revista da emigração alemã antinazista – a Das Wort – uma ‘irmã menos intransigente’ da Die Linkskurve, e cuja criação é um sucedâneo político da CEDC.

Em sua fundamental intervenção no Congresso de Paris, Bloch esboçou uma análise valorativa da herança cultural burguesa, mas que, ao mesmo tempo, não despreza a experiência dos movimentos históricos de vanguarda. Em outras palavras, a exposição de Bloch girou em torno da questão de se buscar uma herança ‘dialeticamente utilizável’ da herança cultural, sem rejeitá-la ou submeter-se a ela. Desta forma, Bloch polemiza diretamente com os defensores categóricos do realismo crítico, lançando assim as bases do debate intelectual entusiasmado da Das Wort. A intervenção de Bloch no congresso é, neste sentido, altamente significativa.

Decorridos dois anos do CEDC, realiza-se em Munique a exposição Arte Degenerada, ápice da perseguição dos nazistas aos artistas expressionistas. Nela

As telas eram acompanhadas de slogans ridicularizando-as. Ao lado delas, eram também expostos desenhos de doentes mentais, para que o público pudesse ‘comparar’. Colocaram preços exorbitantemente caros e irreais para se ‘compreender’ como estes artistas ‘ganhavam dinheiro’ quando a população do mesmo período (anos 20, ou de acordo com a data da obra) sofria as misérias da hiperinflação. (...) As telas não vendidas foram queimadas em Berlim, juntamente

com os livros de poemas, as peças de teatro, as esculturas, etc. (MACHADO, C.

E. J. 1998, p.118-19)

Perante fenômeno tão elucidativo da situação da Alemanha pós-1933, pelo qual reconhece-se a urgência de uma articulação da esquerda, deduz-se facilmente o quanto a exposição acelerou o processo que Bloch já havia iniciado em 1935. Está pronto o cenário do ‘debate sobre o expressionismo’.