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3. Anti-heróis Contemporâneos

3.6. Anti-detetives Brasileiros

Espinosa com o seu jeito contido, fala mansa, evitando ser notado e Diomedes com sua expansão física, humorística e presença marcante. Duas figuras distintas, porém com muitas coisas em comum, como vimos ao longo do capítulo. Aqui tivemos a

88 oportunidade de perceber o quão diferentes os nossos personagens são dos detetives clássicos. Mas voltando à fala de Brombert: “Esses personagens não se ajustam aos

modelos tradicionais de figuras heroicas, até se contrapõem a eles. Mas pode haver grande vigor nessa oposição” (BROMBERT, 2001, p.14). É este vigor que marca

nossos personagens. Em um contexto brasileiro e pensando na literatura como reflexo da sociedade em que vivemos, não poderia ser diferente, pois nossos detetives fazem parte desta sociedade atual, cuja lógica de funcionamento não privilegia a justiça, ou o que é certo. Assim sendo, Espinosa e Diomedes, indo na contra mão desta lógica, sofrem muito mais que o necessário. São trabalhadores tentando sobreviver. São homens comuns que usam o que podem para cumprir a lei e manter suas vidas simples.

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Considerações Finais

Vimos ao longo desta pesquisa que os detetives Espinosa e Diomedes trazem características bastante diferenciadas dos modelos clássicos. Convocados por Luiz Alfredo Garcia-Roza e Lourenço Mutarelli para subverterem esses modelos, representam personagens que refletem a sociedade brasileira com aquele famoso “jeitinho” de resolver as coisas. Estamos diante de detetives comuns, com falhas,

repletos de defeitos. Victor Brombert afirma que:

Pode ser esta realmente a principal significação de tais antimodelos, de suasforças secretas e vitórias ocultas. O herói negativo, mais vividamente e talvez que o herói tradicional, contesta nossas pressuposições, suscitando mais uma vez a questão de como nós nos vemosou queremos ver. O anti-herói é amiúdeum agitador e um perturbador. (BROMBERT, 2001, p. 14-15)

Tivemos a oportunidade de ver o gênero policial sob perspectivas e estilos completamente distintos e igualmente capazes de conquistar leitores através da linguagem escrita dos romances em prosa de Garcia-Roza e da linguagem dos quadrinhos na graphic novel de Mutarelli.

Diomedes encerra sua trajetória conseguindo desvendar o grande segredo do mágico Enigmo, que é o ponto chave que liga todos os momentos da trilogia em quatro partes. Mas este é um segredo que apenas o seu melhor amigo Waldir fica sabendo, pois caso Diomedes queria continuar vivo precisa mantê-lo sempre guardado. Assim sendo, o número de casos resolvidos por ele continua no número zero, e apesar de ter conseguido a proeza de um deciframento não se sente realizado; pelo contrário, suas incertezas aumentam após ter resolvido o grande mistério. Suas aventuras acrescentaram talvez mais experiências enriquecedoras do que todo seu tempo na polícia, e vemos na figura 45, logo a seguir, pelo menos um dos bons resultados que ficaram depois de sua longa jornada. Então ficamos tão surpresos quanto Waldir com

90 esta situação, pois não imaginamos que um detetive tão atrapalhado como ele possa ter conseguido aprender algo tão pertinente durante suas investigações:

Figura 45 (MUTARELLI, 2012, p. 397)

Espinhosa poderá reaparecer novamente, já que sua série ainda não foi encerrada no último volume até este momento publicado, Um lugar perigoso lançado em 2014. Ele poderá voltar para desvendar novos casos e quem sabe conseguir conquistar definitivamente o coração de sua namorada Irene, ou se bem o conhecemos, manter tudo como está. Mas de uma coisa sabemos bem, seu método de trabalho e princípios não se perdem com o passar do tempo, podem até quem sabe, ficarem um pouco mais irreais. Mas Espinosa continuará assim: um policial de fala calma que sequer se veste como um policial; com habilidades intelectuais acima da média dos seus colegas, amante da literatura e da arte, colecionador de dúvidas e incertezas e caçador de bons livros; enfim um detetive bem diferente.

Encerramos esta pesquisa chegando à conclusão de que estamos diante de uma nova caracterização da literatura policial contemporânea. E ainda podemos acrescentar

91 um trecho de Victor Brombert que sintetiza de forma bem clara as nossas ideias principais:

Amplas áreas da literatura ocidental têm sido cada vez mais invadidas por protagonistas que, por estratégia deliberada de seus autores, não conseguem colocar- se à altura de expectativas ainda associadas a lembranças da literatura tradicional ou dos heróis míticos. Mas esses protagonistas não são fatalmente “fracassos” nem estãodesprovidos de possibilidades heroicas sintonizados com nossa época e nossas necessidades. Tais personagens podem cativar nossa imaginação, e até chegar a parecer Podem corporificar outros tipos de coragem, talvez mais admiráveis, pela maneira como ajudam a esvaziar, subvertere contestar uma imagem “ideal”. (BROMBERT, 2001, p. 19)

Há necessidades mais simples do que um trabalho extra para complementar o orçamento, ou querer mais que a secretária eletrônica como companhia? Essas são as pequenas causas dos nossos detetives, que “cativaram nossa imaginação” com seus

modos contidos e despojados de ser, subvertendo o ideal. Pelas mãos de seus criadores, ambos totalmente “sintonizados com nossa época”, podemos ver que Espinosa e Diomedes são dotados de outros “tipos de coragem”, uma coragem suficiente apenas

para levarem suas vidas e trabalhos, tentando aqui e ali. Ora ganhando, na maioria das vezes perdendo. Mas eles não se importam muito, pois não querem ser heróis.

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