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ANTIGOS TERRITÓRIOS EM ESPAÇOS MODERNOS – AS REFORMAS

1. UMA NAÇÃO FORTE E UM ESTADO VOLÚVEL: FRANÇA E SUAS

1.3. ANTIGOS TERRITÓRIOS EM ESPAÇOS MODERNOS – AS REFORMAS

NOVOS ESPAÇOS

No que se refere às reformas urbanas, o Segundo Império escolhera Paris porque, de certa maneira, esta cidade representava de forma específica a macro política nacional francesa. Como afirma Napoleão III em pronunciamento em 1850:

Paris é o coração da França: ponhamos todos os nossos esforços em embelezar esta grande cidade, em melhorar a sorte de seus habitantes. Abramos nossas ruas, saneemos os bairros populosos que carecem de ar e de luminosidade e que a luz benfazeja do sol penetre por tudo em nossos muros. (PINON apud PESAVENTO, 2002, p. 91).

Preocupado com a legitimação do seu sistema de poder, Napoleão III transformou a República em Segundo Império, com o favorecimento e apoio da população às suas obras e à reformulação política e espacial da França. A questão da nacionalidade repercutia em suas obras porque sua preocupação maior era a de unir os franceses na defesa e aumento do território, pois ainda temia, primeiro, a perda das fronteiras com a Prússia, e segundo, a perda de seu governo pelos revolucionários a favor da República, que, aliás, viam com maus olhos a sua liderança.

O Segundo Império, portanto, optou por uma política em que a monumentalização, e a “estatuamania”11 fosse o seu produto final, em se tratando de políticas públicas. Primou-se pelas mudanças nas formas materiais, pois o Estado entendia que isso correspondia a uma mudança nas representações criadas sobre a cidade e estas poderiam ter diversas formas de se manifestar, seja no cotidiano, na Ciência, na Literatura ou na História.

Entendendo as necessidades do espaço urbano em configuração, aliadas ao discurso higienista, às reivindicações das elites urbanas e à desorganização e freqüente tensão dos grupos de operários e trabalhadores, o Segundo Império compreendeu que a melhor maneira de aliar a transformação do caráter ideológico,

11 Neologismo decorrente do vocábulo francês “statuomanie” utilizado por Maurice Agulho ao falar sobre os

no que diz respeito ao sentir-se francês, à necessidade de cooptar homens e mulheres adeptos ao novo Império e sua liderança, era através da aplicação da modernização da cidade, do recorte dos seus espaços, em altos investimentos na urbanização da periferia, englobando a cidade e, sobretudo militarizando a cidade de maneira a evitar o que ocorrera no passado recente da cidade, como em 1830 e mesmo 1848, em que foi palco de intensas lutas pelo poder.

Agora não somente o embelezamento da cidade ou a idéia de “abrir” a cidade era a tônica de reconstrução de Paris, ou melhor, como afirma Christiansen, do novo projeto para esta cidade (CHRISTIANSEN, 1998, p. 23 – 156). Naquele momento, o Estado pretendia penetrar nos espaços construídos sem o seu controle, sem a sua permissão. Ao entrar nessas áreas, ao normatizar o uso do espaço e definir lugares e práticas, o Estado, o sistema de Napoleão III estabelecia controle sobre os indivíduos, sobre a sua maneira de lidar com o espaço urbano e, conseqüentemente, poderia evitar eventos como os 1848, em que os movimentos revolucionários tentaram mudar os sistemas políticos e a estrutura do Estado como um todo. Quanto à questão dos interesses de reformulação do espaço urbano no Segundo Império, Pesavento (2002, p. 93) diz:

Os interesses da higiene, do comércio e da estética passaram a convergir em torno da linha reta, legitimando a intervenção urbana haussmanniana, que se caracterizou pelas grandes aberturas, rasgando a cidade e refazendo o desenho urbano arcaico.

Aliado a isso temos, como afirmado anteriormente, o problema social urbano de Paris, as revoltas e barricadas, os focos de tensão e a crescente imobilidade do Estado frente a esses arranjos “paralelos”, não somente indicavam a emergência de alteração das políticas públicas, entendidas como quase que exclusivas para atender os interesses da burguesia como também a necessidade de reformar aquilo que as revoltas anteriores destruíram como os monumentos próximos ao Hotel de Ville, por exemplo. Chegava a hora de transformar em real a “cidade ideal” dos teóricos do “urbanismo social”. Portanto, a construção de bairros e casas populares passava pela reestruturação do espaço, pela legitimação da separação dos bairros comerciais feitos em função de um grupo social específico, bem como os bulevares

para a casa trabalhadora, além dos eventos de construção do espaço estava em jogo também realizar uma engenharia social12.

Tomem-se, as preocupações expressas pelo barão Haussmann pelo controle das revoltas populares, através da abertura de largas avenidas e boulevards que permitissem a circulação das tropas e que formassem uma espécie de “sistema defensivo” contra o “inimigo interno”. (PESAVENTO, 2002, p.94).

Haussmann pretendeu fundar uma nova cidade, destruindo os antigos espaços, instituindo novos, ligando tradição e modernidade, recortando Paris em redes, planificando o espaço, valorizando o centro e militarizando as avenidas pela sua largura, transitividade e visibilidade. Não obstante, o trabalho principal de Haussmann era tornar esses lugares focos das práticas sociais, pontos de referência para as relações sociais e lugar de reunião.

Como parte da estratégia de agregação das pessoas, Haussmann priorizou a montagem de ambientes naturais como cachoeiras, cascatas, lagos e bosques em plena cidade, na tentativa de construção de uma paisagem particular, de uma paisagem urbana que unia modernidade e natureza. Cidade e campo deixavam de serem dicotomias radicais e Haussmann almejava trazer elementos bucólicos para interagir com a cidade. Essa atitude, no auge da experiência urbana, valorizava o ideal de convivência social em que o sentimento de nostalgia do viver rural era acompanhado de imagens urbanas sobre o campo, transformando-o em uma paisagem utópica 13.

Ao construir o novo, o interesse de Haussmann era criar símbolos em toda a cidade de maneira a instituir identidades entre os sujeitos, os habitantes da cidade e o espaço urbano. Os símbolos representam os conjuntos identitários que o Segundo

12 Christiansen acredita que mais do que reformas Paris passou por uma mudança significativa no sentido da

relação dos sujeitos com o espaço. O observar a cidade, o comportamento nos ambientes públicos e o trato dos homens com o cotidiano da cidade também foi alterado pelas reformas de Haussmann. Para ele além de reformar a cidade, Haussmann fez uma operação de Engenharia social deslocando pessoas e indicando lugares de laser, convivência e trabalho. Ver mais em Christiansen (1998, p. 93 – 154).

13 No que se refere a questão da paisagem como elaboração humana, um livro que trata, tanto teoricamente

quanto historicamente sobre esta questão da paisagem é o livro de Simon Schama, Paisagem e memória. Nele, Schama chama a atenção para o fato que a natureza não é algo anterior à cultura e independente da história de cada povo, ele faz parte das práticas sociais e do imaginário coletivo das pessoas, conceito muito próximo para entender a implementação de aspectos da natureza no espaço urbano. No que se refere as imagens do campo na cidade um importante livro sobe essa relação na cidade é o título de Raymond Willians, O campo e a cidade: na história e na literatura. Willians retoma os textos dos literatos, principalmente da Grã-Bretanha- que versam sobre como o campo e a cidade são tratados com as reformulações na paisagem destes dois espaços.

Império requisitava. Apoio ao Império, reconsideração sobre os feitos da antiga nobreza, concretização, materialização da Paris imaginada pelos iluministas, pelos pensadores do século XVIII.