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CAPÍTULO 5 – ANÁLISE ESTILÍSTICA DE PINTURAS RUPESTRES DA

5.1 Os estilos e as cenas ou composições emblemáticas

5.1.5 Antropomorfos horizontais, em fila e em agrupamentos

Figura 41: Composições emblemáticas de caça com cerca em Quiterianópolis-Ceará. a) Sítio Expulsar I;

b) Sítio Expulsar II; c) Sítio Expulsar III; d) Sítio Loca do Pedro Soberano.

Fotos de Luis Carlos Duarte Cavalcante e Sônia Campelo e decalques da autora.

ocorrência de um novo estilo de pinturas rupestres, da Sub-tradição Central, uma subdivisão da Tradição Nordeste, por ela denominado Aquitã (ver descrição no Quadro 1). Ao tratar das representações, ela ressalta:

Os temas mais recorrentes deste estilo são figuras antropomórficas engajadas em cenas que evocam danças, batalhas e outras atividades do cotidiano. Vale a pena mencionar que em muitos sítios, particularmente na região da Lagoa da Velha, próximo a América Dourada, aparecem composições contendo quatro ou mais figuras antropomórficas executadas na horizontal. Estas figuras normalmente apresentam instrumentos em suas mãos ou na sua lateral que são facilmente identificáveis como armas, maracás e cestas (?). [...]. (KACHIMARECK, 2007, p.

135. grifo nosso).

Sobre os antropomorfos horizontais, como cena emblemática em si, essa mesma autora a descreve mais pontualmente como “um conjunto de figuras antropomórficas, variando em número de dois a mais de duas dezenas, executados na horizontal (deitados), muitas vezes em linha, cujos componentes trazem armas e outros objetos”

(KACHIMARECK, 2008, p. 101).

Em Quiterianópolis, esta mesma composição é encontrada em quatro dos cinco sítios arqueológicos aqui investigados, reforçando, assim, a importância simbólica desta representação emblemática. Observa-se, contudo, que nos sítios de Quiterianópolis a representação de armas e outros objetos junto dos indivíduos representados nem sempre se faz presente, especialmente quando estes aparecem enfileirados horizontalmente (Figuras 42, 43 e 44). Até mesmo nos casos em que os antropomorfos horizontais aparecem representados em agrupamentos, nos quais mais comumente estão armados, há alguns indivíduos desarmados dispersos na cena como um todo.

Figura 42: Antropomorfos horizontais em fila. Sítio arqueológico Casa Santa-RN.

Fonte: Adaptado de Martin, 1982.

Ao se consultar a bibliografia publicada sobre sítios arqueológicos com ocorrência de pinturas rupestres da Tradição Nordeste, observa-se que esse mesmo tipo de composição emblemática também está presente no sítio Casa Santa (Figura 42), localizado no Estado do Rio Grande do Norte (MARTIN, 1982), e no sítio de Altamira (Figura 43), situado no Estado de Minas Gerais (SIQUEIRA; MOTTA; PROUS, 1989). No primeiro, há três antropomorfos na horizontal enfileirados, com um deles apresentando a típica “cabeça de caju”, representativa do Estilo Carnaúba.

Figura 43: Antropomorfos horizontais em fila. Sítio de Altamira-MG.

Fonte: Adaptado de Siqueira, Motta e Prous (1989).

Uma composição envolvendo antropomorfos representados na horizontal, porém não enfileirados, mas com armas nas mãos e cercando um animal já flechado foi registrada na região Centro-Norte do Piauí. Magalhães (2011, p. 451) descreve a cena no sítio Tiririca II:

“[..] minúsculas figuras humanas dispostas horizontalmente, portando armas (flechas) em ambas as mãos [...]”. Em Minas Gerais, os indivíduos estão presentes de forma estilizada, mas mantendo a mesma disposição dos antropomorfos. É necessária uma pesquisa mais apurada, para investigar como se dá a presença desta composição emblemática naquelas regiões.

No município de Quiterianópolis esta composição emblemática aparece com os antropomorfos horizontais dispostos tanto em enfileiramentos quanto em agrupamentos, portando ou não armas, em ambos os casos. Os antropomorfos horizontais enfileirados são encontrados nos sítios arqueológicos Expulsar I, Expulsar III, Expulsar IV e Loca do Pedro Soberano (Figura 44).

 No sítio Expulsar I (Figura 44a) os antropomorfos aparecem associados a objetos como se estes compusessem o alinhamento, que continua com um antropomorfo à frente destes.

 No sítio Expulsar III a cena é composta por cinco indivíduos (Figura 44b).

 O sítio Expulsar IV é o que apresenta o maior número de antropomorfos horizontais enfileirados (Figura 44c). Neste sítio foram identificadas duas cenas dessa composição emblemática representadas no teto do abrigo rochoso, uma com 25 e outra com cerca de 40 antropomorfos horizontais enfileirados, em que cada indivíduo mede cerca de 2 cm. Devido ao estado de conservação do painel pictórico, não foi possível realizar o decalque completo dessas composições com as fotografias que foram obtidas nas expedições realizadas.

 No sítio Loca do Pedro Soberano a cena aparece com 13 antropomorfos horizontais enfileirados (Figura 44d), representados em meio a uma nuvem de pontos, sendo necessária uma segunda avaliação, para inferir se os dois elementos (antropomorfos e nuvem de pontos) foram, ou não, produzidos em momentos pictóricos diferentes.

Figura 44: Antropomorfos horizontais em fila. a) Sítio Expulsar I; b) Sítio Expulsar III; c) Sítio Expulsar IV; Sítio Loca do Pedro Soberano.

Fonte: Decalque realizado pela autora a partir de fotos de Luis Carlos Duarte Cavalcante.

No sítio Expulsar IV foi identificada ainda uma terceira composição de antropomorfos horizontais enfileirados, com sete indivíduos armados, que foram dispostos na superfície do arenito seguindo os contornos naturais das feições da rocha (Figura 45a). Vale ressaltar a extraordinária semelhança desta composição do sítio Expulsar IV, e da forma como ela está disposta na rocha, com outra presente no Complexo de Sítios Arqueológicos do Rodrigão, na Bahia (Figura 45b), situado a centenas de quilômetros de distância de Quiterianópolis. O detalhe das armas presentes nessa composição emblemática do sítio Expulsar IV pode ser

visualizado na Figura 46a. Na Figura 46 também podem ser observados detalhes das armas carregadas pelos antropomorfos do sítio arqueológico baiano (CUNHA et al., 2010).

Figura 45: Antropomorfos horizontais armados e em fila. a) Sítio Expulsar IV-CE; b) Complexo de Sítios Arqueológicos do Rodrigão-BA.

Fotos: a) Acervo pessoal da autora, alterada com filtro DStretch; b) Kachimareck (2008).

Figura 46: Antropomorfos horizontais armados e em fila (detalhes da cena). a) Sítio Expulsar IV-CE; b-c) Complexo de Sítios Rodrigão-BA.

Fonte: a) Decalque realizado pela autora a partir de foto de acervo pessoal; b) Kachimareck (2008).

Além da disposição em enfileiramentos, os antropomorfos horizontais também aparecem, como já mencionado, representados em agrupamentos de indivíduos que aparentam

estar em combate ou preparados para tal ação (Figuras 47, 48 e 49). Para fins comparativos, mostra-se, aqui, uma composição emblemática deste tipo em um sítio arqueológico de Morro do Chapéu (Figura 47), na Bahia, que exibe significativa semelhança com uma cena encontrada em Quiterianópolis, no sítio Loca do Pedro Soberano, um dos abrigos rochosos investigados neste trabalho (Figura 48). Como se observa no painel pictórico do sítio de Morro do Chapéu, os antropomorfos estão dispostos em dois agrupamentos opostos entre si, presumidamente configurando um combate direto (Figura 47).

Figura 47: Antropomorfos horizontais em agrupamentos. Morro do Chapéu-BA.

Fonte: Kachimareck (2008).

Figura 48: Antropomorfos horizontais em agrupamentos. Sítio Loca do Pedro Soberano-CE.

Fotos de Luis Carlos Duarte Cavalcante, montadas e alteradas com filtro DStretch.

No sítio Loca do Pedro Soberano todos os antropomorfos armados estão voltados para uma única direção, da direita para a esquerda, como se estivessem em marcha rumo à batalha.

Do lado oposto, da esquerda para a direita, no mesmo alinhamento da parede do abrigo rochoso, há outro agrupamento de antropomorfos, dos quais somente um está armado, que marcha em direção ao grupo armado. No total contabilizou-se cerca de uma centena de antropomorfos participando desta composição emblemática. Para visualização de detalhes, a Figura 49 mostra decalques parciais desta composição de agrupamentos de antropomorfos horizontais armados (Figura 49a) e desarmados (Figura 49b), respectivamente.

Figura 49: Antropomorfos horizontais em agrupamento. a-b) sítio Loca do Pedro Soberano; c) sítio Expulsar I.

Fonte: Decalques realizados pela autora a partir de fotos de Luis Carlos Duarte Cavalcante.

Uma cena com temática similar é encontrada no sítio Expulsar I com um agrupamento de antropomorfos horizontais contendo indivíduos armados e desarmados, todos direcionados da esquerda para a direita, sem a presença de um grupo opositor (Figura 49c).

Como mencionado anteriormente, esta composição emblemática é atribuída ao Estilo Aquitã, da Sub-tradição Central, uma subdivisão da Tradição Nordeste de pinturas rupestres, tendo sido identificada com recorrência no Complexo de Sítios Arqueológicos do Rodrigão e na região de Morro do Chapéu, na Bahia. Uma consulta na literatura revelou a ocorrência pontual de cena com características similares no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais, não tendo sido encontrado registro correspondente em sítios de arte rupestre do Parque Nacional Serra da Capivara, no Sudeste do Piauí. Portanto, somente empreendendo uma pesquisa mais aprofundada será possível compreender a expansão dessa composição emblemática nos sítios arqueológicos com ocorrência de pinturas da Tradição Nordeste.

No Capítulo 6 se faz um apanhado sobre o que se tem publicado, com relação à dispersão, no Brasil, dos povos que realizaram pinturas rupestres da Tradição Nordeste, e, considerando os dados até aqui apresentados, realiza-se uma análise, procurando pensar o que é possível inferir por meio das composições emblemáticas identificadas e atribuíveis aos diferentes estilos, e sobre as relações que podem ter levado à configuração hoje conhecida, de distribuição de diferentes formas de pintar e de se expressar, observada nos sítios arqueológicos com ocorrência de pinturas da Tradição Nordeste.

CAPÍTULO 6 – DISPERSÃO DOS POVOS AUTORES DE PINTURAS DA

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