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Parte 1 – Considerações teóricas

3. Amazônia para quê e para quem: postura perante a floresta

3.2. Apego ao lugar

O apego ao lugar pode ser compreendido como a ligação existente entre as pessoas e ambientes significativos para as mesmas (Giuliani, 2003; Low & Altman, 1992; Scannell & Gifford, 2010a). Esta definição em si carece de diversas especificações como, por exemplo, quais são as características destes ambientes significativos? Quais processos psicológicos explicam a criação deste laço com os ambientes? Quem são e em que nível as pessoas apegam- se aos ambientes? Esta definição conceitual mais específica define a operacionalização do constructo apego e pode ser distinta em função da proposta do estudo (Lewicka, 2011b).

No presente estudo utilizaremos a proposta teórica de Scannell e Gifford (2010a) que apontam o apego ao lugar com um constructo com três dimensões, a da pessoa, do lugar e do processo psicológico conforme Figura 1.

Na dimensão pessoa pode-se identificar o apego no nível individual e no nível grupal. Enquanto individuo o apego se manifesta principalmente em relação a lugares que evoquem memórias, histórias pessoais e lugares que foram palco de acontecimentos importantes que contribuem para estabilidade do senso de self.

No nível grupal identifica-se o apego a lugares que são simbolicamente significativos para um grupo de pessoas. Os lugares são símbolo de orgulho para um determinado grupo ou arena de histórias transmitidas por gerações de uma mesma cultura (Virden & Walker, 1999). O apego ao lugar também pode ter fundamento religioso que sacramenta lugares como Meca e Jerusalém (Mazumdar & Mazumdar, 2004) o mesmo ocorre ainda em escalas menores com igrejas e casas de oração, ou lugares onde grupos religiosos podem contemplar a ação de divindades a partir da natureza.

No presente estudo a Floresta Amazônica foi considerada em ambas as dimensões. Ao mesmo tempo a floresta é tanto um símbolo social para diversos grupos tais como, brasileiros,

amazonenses, religiosos entre outros quanto é palco de histórias pessoais que representam o senso de identidade e self.

Outra dimensão é o lugar, considerada por Scannell & Gifford (2010a) como a mais importante. Esta dimensão tem sido estudada em diversas escalas de tamanho (ex. casa, vizinhança, cidade, mundo) e proximidade (local ou global) (Lewicka, 2011b) e usualmente é dividida entre espaço físico e espaço social (Hidalgo & Hernandez, 2001; Riger & Lavrakas, 1981).

A maior parte das pesquisas enfoca a o apego às dimensões sociais do lugar e indicam que estar apegado a um lugar é ter apego às pessoas e às relações que definem este lugar (Lalli, 1992; Woldoff, 2002). Estas propostas identificam o apego em função da representatividade deste lugar para um grupo e apontam que um lugar pode ser significativo enquanto palco de interações sociais ou como símbolo social como é o caso do patriotismo ou o bairrismo em uma escala menor (Hidalgo & Hernandez, 2001; Vorkinn & Riese, 2001).

O apego à dimensão física dos lugares recebe menor destaque, entretanto, ao avaliarmos a noção de dependência de lugar identificam-se diversos aspectos físicos dos lugares que fornecem meios para que as pessoas supram necessidades como abrigo, alimento, conforto e lazer. Ademais, o apego pode se manifestar de maneira inespecífica, a pessoa ser apegada à natureza no geral ou ser apegada especificamente à Reserva Duque, por exemplo, e não necessariamente a outros ambientes naturais. Apesar do enfoque nas dimensões físicas, obviamente existem bases sociais e culturais que explicam o motivo destes aspectos físicos serem significativos para uma pessoa ou grupo (Scannell & Gifford, 2010a).

A dimensão psicológica identifica os meios que conectam as pessoas (ou grupos) aos lugares (físicos ou sociais e naturais ou construídos). Os aspectos psicológicos do apego ao lugar são: afeto, cognição e comportamento.

O afeto ocupa reconhecidamente um papel central no apego ao lugar, em muitas definições o apego é entendido como uma relação exclusivamente afetiva com os lugares. Sentimentos de orgulho, sensação de bem estar, amor, medo, saudade, tristeza, são alguns sentimentos que podem estar relacionados com os lugares significativos na história das pessoas. Estes afetos não necessariamente positivos ou até mesmo ambivalentes, como pode ser o caso do apego a uma cidade em que um ente querido está enterrado, são partes constituintes das relações com os lugares e definem o desejo de se manter próximo a um lugar.

O apego ao lugar também inclui componentes cognitivos. Crenças, valores, atitudes, esquemas, conhecimento e memórias em relação ao lugar claramente influenciam no processo de apego.

Ao conceituarmos um ambiente, entramos no processo de categorização já descrito neste estudo, assim, o categorizamos como familiar ou não, como favorito, importante ou significativo a partir das teorias que desenvolvemos sobre o mundo. Esta categorização indica quais componentes de um lugar são responsáveis pelo apego dos indivíduos a uma categoria específica de ambientes. Ademais, indivíduos podem sentir-se conectados a ambientes que representem a auto definição do self (Scannell & Gifford, 2010a).

Outro aspecto psicológico do apego ao lugar é o comportamental, no qual o apego é tipificado por ações de manutenção e proximidade em relação ao lugar. Estudos demonstraram que pessoas que passam muito tempo longe de sua casa, cidade ou país usualmente sentem o desejo de retornar mesmo que como visitantes (Hay, 1998). Outra expressão desta dimensão de apego é o comportamento de permanecer em áreas que oferecem risco, ou evitar propostas interessantes de trabalho, por exemplo, e não ser capaz de aceitar se for necessário sair de seu lugar de apego (Riemer, 2004). A reconstrução de lugares após catástrofes naturais, a transformação e construção de novos lugares significativos de moradia, enfim, os comportamentos comprobatórios do desejo de permanecer em um lugar confirmam a dimensão comportamental do apego.

Em suma, a ferramenta desenvolvida por Scannell e Gifford (2010a) conceitua o apego ao lugar como um entrelace desenvolvido entre um indivíduo ou um grupo e um lugar, que pode variar em função da especificidade do lugar, dos aspectos físicos e sociais do mesmo. Este entrelace se manifesta por meio de processos afetivos, cognitivos e comportamentais. Mas por que as pessoas se apegam a certos lugares e não a outros? Quais as funções deste apego? Usualmente são identificadas três funções, a de sobrevivência e segurança, de autorregulação e de continuidade temporal ou pessoal (Scannel & Gifford, 2010a).

Pessoas e grupos podem se sentir ligado a lugares que reconhecidamente provém suas necessidades de sobrevivência como alimento, abrigo, água, moradia, fonte de produtos e serviços (Chatterjee, 2005; Fried, 2000; Fullilove, 1996; Giuliani, 2003) como é o caso da representação da floresta Amazônica para alguns indivíduos. Os lugares também podem ser alvo de apego em função de suas características restauradoras normalmente atribuídas a ambientes naturais (Korpela, Hartig, Kaiser, & Fuhrer, 2001; Kaplan & Kaplan 1989) e/ ou por serem lugares considerados ótimos para realizar determinadas atividade ou alcançar metas (Jorgensen & Stedman, 2001; Moore & Graefe, 1994). Outra função do apego aos lugares é a

continuidade do self, ou seja, o lugar é representativo de uma conexão entre passado e futuro, significativos para um indivíduo ou grupo, estes lugares geram um sentimento de pertença e são considerados parte da identidade individual ou grupal.

Portanto, o apego ao lugar indica claramente o tipo e o nível de relação que as pessoas construíram com um determinado ambiente. Neste estudo, a medida de apego servirá como parâmetro indicativo, da postura dos participantes perante o bioma amazônico.