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Neste diapasão, nos casos de alterações da Constituição Federal, por meio de Emendas Constitucionais, existindo novos parâmetros que ainda não foram apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, podem-se ser julgados lei ou ato normativo que outrora analisados em termos de sua (in) constitucionalidade. Da mesma forma, resta prejudicada a análise de ação direta de inconstitucionalidade quando emenda constitucional traz mudança substancial da norma constitucional que compunha necessariamente o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade do ato normativo questionado. Vejamos:

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade e emenda constitucional superveniente: critério jurisprudencial. Julga-se prejudicada a ação direta quando, de emenda superveniente à sua propositura, resultou inovação substancial da norma constitucional que - invocada ou não pelo requerente - compunha necessariamente o parâmetro de aferição da inconstitucionalidade do ato normativo questionado: precedentes. II. ADIn e emenda constitucional de vigência protraída: prejuízo inexistente. Proposta e ação direta contra emenda de vigência imediata à Constituição de Estado, relativa a limites da remuneração dos Vereadores, não a prejudica por ora a superveniência da EC 25/2000 à Constituição da República, que, embora cuide da matéria, só entrará em vigor em 2001, quando do início da nova legislatura nos Municípios. III. Município: sentido da submissão de sua Lei Orgânica a princípios estabelecidos na Constituição do Estado. 1. Dar alcance irrestrito à alusão, no art. 29, caput, CF, à observância devida pelas leis orgânicas municipais aos princípios estabelecidos na Constituição do Estado, traduz condenável misoneísmo constitucional, que faz abstração de dois dados novos e incontornáveis do trato do Município da Lei fundamental de 1988: explicitar o seu caráter de "entidade infra- estatal rígida" e, em conseqüência, outorgar-lhe o poder de auto- organização, substantivado, no art. 29, pelo de votar a própria lei orgânica. 2. É mais que bastante ao juízo liminar sobre o pedido cautelar a aparente evidência de que em tudo quanto, nos diversos incisos do art. 29, a Constituição da República fixou ela mesma os parâmetros limitadores do poder de auto-organização dos Municípios e excetuados apenas aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual (art. 29, VI, IX e X) - a Constituição do Estado não os poderá abrandar nem agravar. IV - Emenda constitucional estadual e direito intertemporal. Impõem-se, em princípio, à emenda constitucional estadual os princípios de direito intertemporal da Constituição da República, entre os quais as garantias do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos (grifo nosso).5

No caso de mudanças nas relações fáticas, tendo considerado uma nova realidade, o Supremo Tribunal Federal pode analisar a lei ou ato normativo que já foi objeto de controle

de constitucionalidade. Ocorre que, “hoje, entretanto, não há como negar a ‘comunicação entre norma e fato’, que constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de conhecimento, aqui, envolve a investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos.” (GILMAR, 2001, p.328).

Outra possibilidade advém da alteração dos valores comunitários, ensejando uma nova apreciação pelo Supremo Tribunal Federal acerca da (in) constitucionalidade do texto normativo. Isto é:

não há, pois, um caráter absoluto na decisão que declara, de forma direta ou indireta, a constitucionalidade de um ato normativo, uma vez que a mutação do contexto social-histórico pode acarretar uma nova interpretação. Por isso, a hermenêutica de matriz fenomenológica pode contribuir para a elucidação dessa problemática, uma vez que o processo de interpretação é sempre produtivo (Sinngebung), e não meramente reprodutivo (Ausleng). Uma lei pode ser constitucional em um dado momento histórico e inconstitucional em outro. (STRECK, 2002, p.439)

Fato curioso ocorreu no caso da Lei de Crimes Hediondos, em que já havia sido realizado exame da constitucionalidade da questão da progressão de regime nestes tipos de crimes. Num primeiro momento, tal assertiva, que impossibilitava a progressão do regime nos crimes hediondos, foi considerada constitucional. Posteriormente, a mesma Suprema Corte, com seu quadro de ministros em grande parte diversa da análise anterior, declarou a inconstitucionalidade, embora em controle difuso e com efeito ex nunc, deste texto normativo, numa decisão de habeas corpus. Vejamos:

DECISÃO: O TRIBUNAL, POR MAIORIA, DEFERIU O PEDIDO DE HABEAS CORPUS E DECLAROU, "INCIDENTER TANTUM", A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDOS OS SENHORES MINISTROS CARLOS VELLOSO, JOAQUIM BARBOSA, ELLEN GRACIE, CELSO DE MELLO E PRESIDENTE (MINISTRO NELSON JOBIM). O TRIBUNAL, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, EXPLICITOU QUE A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO LEGAL EM QUESTÃO NÃO GERARÁ CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS COM RELAÇÃO ÀS PENAS JÁ EXTINTAS NESTA DATA, POIS ESTA DECISÃO PLENÁRIA ENVOLVE, UNICAMENTE, O AFASTAMENTO DO ÓBICE REPRESENTADO PELA NORMA ORA DECLARADA INCONSTITUCIONAL, SEM PREJUÍZO DA APRECIAÇÃO, CASO A CASO, PELO MAGISTRADO COMPETENTE, DOS DEMAIS REQUISITOS

PERTINENTES AO RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO.6

A questão que se apresenta, então, é a delimitação do que seriam estas mudanças fáticas ou de valores comunitários. Também não envolveriam mudanças na composição do Tribunal? Pois, neste caso demonstrado, as circunstâncias fáticas da situação dos presos continuavam as mesmas e a polêmica que dividia os valores comunitários continuava a existir, o que houve foi uma reviravolta na votação, já que o Tribunal não tinha mais a mesma composição.

Ferraz (1986, p.9) observa que existem processos informais de mudança da Constituição, a chamada mutação constitucional, que difere da reforma constitucional. Enquanto esta última consiste “nas modificações constitucionais reguladas no próprio texto da Constituição (acréscimos, supressões, emendas), pelos processos por ela estabelecidos para sua reforma”, a mutação consiste:

na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das leis, alterações essas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis quando se compara o entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momentos diferentes, cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias diversas.

Mister salientar que, no controle abstrato de normas, realizado pelo Supremo Tribunal Federal, não se discutem fatos, ou seja, não há litígio entre posições subjetivas. Há, sim, discussão acerca da interpretação das normas, que estão no ordenamento em estado permanente, sem novidades fáticas. Assim, a lei está ao alcance de todos de forma abstrata, cabendo à Suprema Corte observar sua (in) constitucionalidade, sem ferir, com a utilização da causa de pedir aberta, ao contraditório.

Diante da forma como o Supremo Tribunal Federal tem considerado tais questões envolvendo a causa de pedir aberta, uma consideração que pode ser feita diz respeito a um possível processo de mutação constitucional no que tange ao controle concentrado e à causa de pedir aberta.

Afinal, sendo a figura da causa de pedir aberta uma construção jurisprudencial e doutrinária, esta se torna intimamente ligada à significação dada pela Suprema Corte na sua aplicação, seja pelas mudanças jurídicas, fáticas ou de valores. Neste cenário, surgirá sempre o embate entre o Princípio da Segurança Jurídica e entre a Liberdade de Argumentação e Defesa.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal passam a ter um comprometimento ainda maior em seu trabalho de controle jurisdicional concentrado com a figura da causa de pedir aberta, já que essa possibilita conseqüências gravosas para o direito nas hipóteses de má apreciação da lei ou ato normativo impugnado.