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O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor conceitua como fornecedor aquele que desenvolve atividade de prestação de serviços, sendo incluída expressamente pelo §2º a atividade securitária.

Apesar da disposição expressa da lei, há discussão sobre se a atividade da seguradora é ou não prestação de serviços, isto porque alguns consideram que, se

148 GOMES, 1985. p. 250, 252, 258.

não ocorrido o sinistro, nenhum risco foi coberto pela seguradora, que recebeu o

pagamento do prêmio sem nenhuma contraprestação.150

Porém, conforme já defendido neste trabalho, a seguradora se obriga a prestar garantia ao segurado durante toda a vigência contratual, devendo administrar o fundo comum de modo a assegurar sua solvibilidade para que possa pagar todas as indenizações necessárias. Portanto, há sim a prestação de um serviço pela empresa ao segurado, que independe da ocorrência do sinistro.

Dessa forma, caracteriza-se a prestação de serviços descrita no caput do

artigo 3º, sendo desnecessária a previsão expressa no §2º para enquadrar as empresas seguradoras como fornecedoras para os fins da lei consumerista.

A configuração da relação de consumo depende, portanto, da condição do segurado. O artigo 2º da Lei 8.078/90 define como consumidor a pessoa física ou jurídica que utiliza o serviço como destinatário final, isto é, será considerado consumidor aquele segurado que contrata o seguro em relação a seu próprio patrimônio particular ou de sua família, ou sobre bens de uma empresa que não

sejam utilizados diretamente em sua atividade fim.151

A aplicação do CDC depende também da existência de hipossuficiência técnica, e não apenas econômica, do segurado em relação ao segurador. É comum que empresários tenham à sua disposição assessoria técnica especializada em matéria securitária, o que lhe permite negociar com a seguradora de forma

igualitária.152

Os contratos de seguro são sempre de adesão, devido à exigência de massificação das operações. Assim, somente se torna viável a atividade quando o mutualismo envolve um grande número de segurados sujeitos ao mesmo risco. Dessa forma, não há liberdade para as partes definirem as cláusulas do contrato. Ademais, as cláusulas contratuais devem ser previamente autorizadas pela SUSEP, o que caracteriza o contrato de seguro como de adesão também em relação à seguradora.

Sendo um contrato tipicamente de adesão, aplica-se ao contrato de seguro o artigo 54 do CDC, que exige que o contrato seja redigido de modo claro e legível,

150 FERREIRA, 2001. p. 6.

151 FERREIRA, 2001. p. 12.

facilitando a compreensão do consumidor, bem como determina que as cláusulas

que impliquem em limitação de direitos ao consumidor sejam destacadas.153

O artigo 6º do CDC, em seu inciso III, garante o direito à informação do consumidor, que deve ser observado pela seguradora desde a fase pré-contratual. Assim, aquele que pretende contratar um seguro deve ser, desde a proposta, informado sobre as condições de contratação, principalmente em relação aos riscos cobertos.

É aplicável, ainda, o artigo 51, inciso IV, que estabelece ser nula de pleno direito as cláusulas contratuais que sejam abusivas, coloquem o consumidor em excessiva desvantagem, ou sejam incompatíveis com a equidade e boa-fé.

A boa-fé objetiva e o dever anexo de prestar informações adequadas estão consagrados no Código Civil. Assim, todas as obrigações recíprocas entre segurador e segurado, por serem inerentes a qualquer contrato de seguro, devem ser observadas independentemente da incidência do Código de Defesa do

Consumidor.154

Convém ressaltar que as cláusulas limitadoras da cobertura, ou seja, que excluem algum risco do contrato, não são abusivas, vez que indispensáveis à viabilidade da operação securitária. São cláusulas apenas limitativas, que devem ser destacadas no contrato.

A seguradora apenas assume aqueles riscos que atingem homogeneamente um grande número de pessoas, tornando viável a operação através da mutualidade. Nesse sentido, é indispensável que o risco assumido pela seguradora esteja claramente definido no contrato. A delimitação do risco é necessária para que a

seguradora calcule o prêmio devido pelo segurado.155

Adilson Campoy defende que o controle da abusividade das cláusulas, no contrato de seguro, deve levar em conta as peculiaridades da operação.

Por isso, mesmo à luz do Código de Defesa do Consumidor, quanto às cláusulas de exclusão de risco deve-se ter consciência de que elas representam limites da garantia a que se obriga o segurador, como expressamente autorizado pelo artigo 757 do CC/2002, e que o prêmio do seguro é calculado considerando estes limites. Desconsiderá-los sob o argumento de que encerram cláusula abusiva muito provavelmente criará

um desequilíbrio do contrato em desfavor da mutualidade.156

153 FERREIRA, 2001. p. 27.

154 POLIDO, 2010. p. 294.

155 CAMPOY, 2014. p. 30-32.

Havendo, portanto, uma cláusula que exclua expressamente a cobertura de um risco, estando escrita de forma clara e destacada no contrato, não há que se falar em nulidade, não se aplicando o disposto no artigo 51, IV, do CDC. Porém, se houver uma cláusula escrita de forma ambígua, aplica-se o disposto no artigo 47 da referida lei, que prescreve que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, bem como o artigo 423 do Código Civil, que estabelece a interpretação mais favorável ao aderente.

A interpretação mais favorável ao segurado deve ser adotada quando houver conflito de cláusulas dispostas no contrato escrito, na apólice, na publicidade, ou no bilhete. Apesar das cláusulas contratuais, nas operações securitárias, serem subordinadas ao prévio controle estatal, não se afasta o controle de sua validade

pelo Poder Judiciário a fim de garantir os direitos dos consumidores.157

Porém, não pode ser adotada uma interpretação extensiva que contrarie ou transborde o previsto no contrato. Nesse sentido, Pedro Alvim defende que

Uma das normas importantes para o contrato de seguro é a que determina a interpretação restritiva de suas cláusulas. É necessário aplicar estritamente os termos convencionais, sobretudo com relação aos riscos cobertos. Há uma correlação estreita entre a cobertura e o prêmio. (...) Se as cláusulas da apólice estão regidas com clareza ao delimitar o risco coberto, não devem ser desvirtuadas sob o pretexto de interpretação para incluir coberturas que não estavam previstas ou foram expressamente excluídas no contrato.158

A interpretação das cláusulas contratuais deve também levar em conta o princípio da função social do contrato. Em relação à seguradora, não pode o contrato de seguro servir apenas como forma de acúmulo de riqueza, através do aumento do prêmio e da diminuição da cobertura aos riscos. O contrato de seguro desempenha o papel de socialização dos riscos, não podendo se afastar desta

diretriz, que representa a sua função social.159 Também em relação aos segurados

deve haver o respeito à função social do seguro, não podendo ser o contrato uma mera especulação, sem que haja a efetiva cobertura a um risco.

157 POLIDO, 2010. p. 298-299.

158 ALVIM, 1999. p. 175-176.