1. INTRODUÇÃO
1.6. Líquidos Iônicos, LIs
1.6.1. Aplicação dos Líquidos Iônicos na Química dos Carboidratos
A discussão a seguir mostrará as principais aplicações desta classe de
solvente, LIs, no química de carboidratos: solubilização e derivatização de
celulose e meio homogêneo.
LIs atuando como solventes para a solubilização de celulose
O primeiro estudo sobre a dissolução de celulose em LI, sal de cloreto
de N-etilpiridínio foi realizado em 1934. A publicação do referido estudo
repercutiu pouco no meio acadêmico, uma vez que este sal possui o ponto de
fusão de 118-120 °C (Graenacher, 1934). Mais tarde, outros estudos revelaram
que este ponto de fusão diminuía para 77 °C ao se misturar o LI em 50% de
solvente, DMF ou DMSO, sendo que, a partir desta mistura, uma solução de
celulose também era obtida (Husemann e Siefert, 1969). A partir disto, surgiu o
interesse de investigar esta classe de solventes e diversos LIs mostraram-se
eficientes na dissolução da celulose.
Fort e colaboradores obtiveram soluções de celulose de eucalipto, pinho
e algodão, ao se aquecer até 100 °C estas celuloses com uma mistura de
cloreto de 1-butil(3-metil)imidazólio e DMSO, (BuMeImCl)/DMSO, 84:16 (%
massa). Em todos os casos, o intumescimento da celulose foi observado
imediatamente após o contato desta com o LI/solvente (Fort et al., 2007).
Apenas empregando o LI, (BuMeImCl), este se mostrou eficiente na dissolução
de celulose bacterial, tido como uma celulose difícil de dissolver devido ao seu
alto GP (GP = 6493). Observando-se no microscópio, constatou-se que após 5
ocorre após 20 min a 80 °C (Schlufter et al., 2006). Soluções límpidas contendo
3% ou 10% de celulose (GP 1000) podem ser obtidas pelo aquecimento do biopolímero em LI, (BuMeImCl), a 70 ou 100 °C, respectivamente. Com o uso
de sonicação, neste mesmo LI, uma solução de celulose de 5% foi obtida a 80
°C, e com o uso de micro-ondas, produziu-se uma pasta viscosa límpida de
25% de celulose (Swatloski et al., 2002). Nota-se uma nítida vantagem de
eficiência no uso de micro-ondas frente ao aquecimento térmico, porém, no
primeiro caso, o aquecimento localizado excessivo pode levar à degradação do
biopolímero durante a dissolução (Varma e Namboordiri, 2001).
Com o intuito de compreender o mecanismo de dissolução da celulose
nos LIs foram realizados estudos de RMN de 13C para a celulose dissolvida em
(BuMeImCl; 80 °C). O espectro foi então comparado com o da mesma celulose
dissolvida em um sistema de solvente não-derivatizante, DMSO/TBAF. Os
deslocamentos químicos dos 13C da UAG foram similares, indicando que os LIs
pertencem à classe de solventes não-derivatizantes (Heinze et al., 2005).
Moulthrop e colaboradores, aplicaram a mesma técnica para soluções de
celulose (GP = 400 – 1000), e aos oligômeros celobiose, celotriose e
celohexanose em D2O, meio no qual os carboidratos são solúveis, e em LI
(BuMeImCl) contendo 15% de DMSO, para reduzir a viscosidade. Os espectros
obtidos indicaram que os oligômeros encontram-se desordenados na solução
de LI/DMSO. Estes resultados são similares aos observados para as soluções
aquosas, mesmo com a considerável diferença do meio, indicando novamente
que os LIs pertencem a classe de solventes não-derivatizantes (Moulthrop et
al., 2005). O mesmo grupo de pesquisa ainda determinou os tempos de
(35/37Cl), através da técnica de RMN utilizando os tempos de relaxação
longitudinal (T1) e transversal (T2). A investigação dos tempos de relaxação, em
função do aumento da concentração de celobiose (modelo para a celulose),
indicou que as interações entre o cátion do LI e o modelo são praticamente
inexistentes, enquanto que as interações entre o ânion (Cl-) e as hidroxilas da
celulose são bastante fortes (Remsing et al., 2006). A partir dos estudos acima
mencionados, podemos concluir que o mecanismo de interação LI/celulose é
similar ao LiCl/solvente aprótico polar, onde as possibilidades de interação
biopolímero/solvente estão resumidamente descritas na Figura 1.18.
(A) (B) (C) (D) (E) (F)
Figura 1.18. Complexos da Celulose/DMAC/LiCl, formados no processo
da dissolução da celulose neste sistema de solvente. (A) apenas Li+ participa diretamente; (B) apenas Cl- participa diretamente; (C) e (D) Li+ e Cl- participam não associados e (E) e (F) Li+ e Cl- participam como par iônico (Morgenstern e Kammer, 1996).
Em resumo, a dissolução nestes sistemas ocorre sem a formação de
derivado, e através do rompimento das ligações de hidrogênio
intermoleculares, que são substituídos por interações das hidroxilas da celulose
com os complexos LiCl-amida (El Kafrawy, 1982).
Derivatização da celulose usando como meio homogêneo os LIs
Diversos derivados de celulose foram produzidos em condições
homogêneas de reação, utilizando diversos LIs de estruturas diferentes.
Schlufter e colaboradores, após dissolverem com sucesso a celulose de
bactéria em (BuMeImCl), derivatizaram a celulose. Foram sintetizados
acetatos, a partir de anidrido acético. A reação foi realizada por 2 h a 80 °C. Os
acetatos sintetizados se revelaram solúveis em DMSO e apresentaram a
seguinte ordem de reatividade dos grupos hidroxilas da UAG: C6-OH C3-OH C2-OH. O estudo concluiu que os produtos da acetilação são dependentes da razão molar do agente acilante/UAG. Além disto, sob estas mesmas
condições experimentais, foi realizada a derivatização em diferentes LIs, e a
seguinte ordem de reatividade foi observada: (BuMeImCl) (Al-2,3-Me2ImBr)
Bu-2,3-Me2ImCl) (MeMeImCl) (Schlufter et al., 2006).
Heinze e colaboradores derivatizaram as celuloses microcristalina e
polpa e linter de algodão, com GPs de 307, 544 e 814, respectivamente. O
meio reacional empregado foram os LIs, (BuMeImCl), p.f. = 73 °C e
(BuMePyCl), p.f. = 95 °C. Uma solução límpida de celulose foi obtida
aquecendo a mistura celulose/LI a 10 °C, acima do ponto de fusão do LI. Após
a dissolução, as reações de acetilação foram realizadas por 2 h a 80 °C com os
dependendo da razão molar, Ac2O/UAG/piridina, de 3/1/0 a 10/1/2,5, acetatos
de celulose foram obtidos com GS na faixa de 2,56 a 3,0. A reação da
biopolímero com cloreto de acetila resultou em produtos com GS = 3,0. Todos
os compostos sintetizados se revelaram solúveis em DMSO e os produtos com
GS 2,8 solúveis em clorofórmio (Heinze et al., 2005).