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A apoptose é a forma fisiológica de morte celular onde a razão de divisão celular é balanceada pela razão de morte celular em organismos multicelulares. A desregulação da apoptose está associada com a patogênese de muitas doenças como câncer, neurodegeneração, autoimunidade, doença cardíaca e outras (LORENZ, et al. 2000). Firmes evidências relacionam o processo de apoptose com a indução de doença autoimune. Análises genéticas indicam que a deficiência em proteínas do soro ou em receptores que medeiam à eliminação de células apoptóticas eleva o risco de autoimunidade (CLINE & RADIC, 2004).

A apoptose tem um papel importante na doença autoimune, pois antígenos de células apoptóticas têm sido amplamente reconhecidos como alvos de autoanticorpos num grande espectro de doenças autoimunes. As duas doenças melhores caracterizadas são lupus eritematoso sistêmico (LES) (CASCIOLA-ROSEN et al, 1994; CASCIOLA-ROSEN et al. 1995; CASCIOLA-ROSEN et al. 1996) e a síndrome antifosfolipídio (LEVINE et al, 1999). Além disso, antígenos apoptóticos também foram implicados como autoantígenos na granulomatose de Wegener, poliartrite (GILLIGAN et al. 1996), e síndrome de Sjogren (TAPINOS, et al 1999).

Autoanticorpos para vários autoantígenos, incluindo DNA são fatores comuns no LES e, os autoanticorpos anti-DNA, são os maiores fatores implicados na patogênese da doença. (KOTZIN, 1996).

O LES autoimune pode estar relacionado com a desregulação da morte celular por apoptose (HERKEL, et al. 2001). Em pacientes com LES, a fagocitose de células apoptóticas parece estar diminuída (HERMANN, et al, 1998), e essa eliminação aberrante de células apoptóticas pode expor imunógenos antes inacessíveis para o sistema imunológico. (CASCIOLA-ROSEN, 1994).

Estudos mostraram que a opsonização pelo complemento é requerida para uma eficiente fagocitose de células mortas in vitro e que a captura dessas células opsonizadas está associada com a expressão de citocinas antiinflamatórias (MEVORACH, D. et al. 1998b).

A deficiência de componentes da via clássica do complemento, como o C1q e C4 em humanos, são fatores de predisposição genética para o desenvolvimento do LES (MORGAN & WALPORT, 1991; CLINE & RADIC, 2004). Ademais, camundongos deficientes de C1q desenvolvem uma doença semelhante ao LES, caracterizada por autoanticorpos antinucleares e glomerulonefrite proliferativa. (BOTTO et al, 1998).

Experimentos feitos com camundongos demonstraram um papel importante para o componente C1q na captura de células apoptóticas por macrófagos in vivo. Esse componente se liga especificamente à superfície dos blebs de células apoptóticas.

A deficiência do C1q acarreta uma diminuição na eliminação de células apoptóticas, que são implicadas como uma das maiores fontes de autoantígenos no LES. (TAYLOR et al, 2000; MEVORACH, 2000).

Dessa forma, podemos inferir que a deficiência do C1q, uma condição comum no LES, está relacionada a um déficit na eliminação de células apoptóticas e pode ajudar no desenvolvimento da doença.

Uma outra opsonina também importante na eliminação de células apoptóticas é o anticorpo IgM, que em indivíduos normais são quantitativamente mais importantes para a ligação do C1q e ativação do C3b/bi na superfície de células apoptóticas, além disso, esses anticorpos naturais são capazes de se ligar a lisofosforilcolina que é exposta em células apoptóticas, facilitando sua eliminação (KIM S.J, et al, 2002; HART et al., 2004).

Durante a apoptose, a membrana celular forma “blebs” citoplasmáticos, alguns dos quais formam os corpos apoptóticos. CASCIOLA-ROSEN e colegas (1996) mostraram que a apoptose de queratinócitos induzida por radiação ultravioleta (UV) leva a redistribuição de vários autoantígenos para os “blebs” apoptóticos. Além disso, a exposição sistêmica de células apoptóticas em camundongos induz a formação de autoanticorpos, indicando que a exposição sistêmica a células apoptóticas pode induzir uma resposta imune em camundongos normais (MEVORACH et al. 1998a).

A imunização de camundongos normais com células apoptóticas também resultou na formação de anticorpos contra autoantígenos complexos (LEVINE et al. 2006). Esses achados podem ajudar a explicar a seleção de antígenos e inicialização da resposta imune nas doenças caracterizadas pelo aumento da razão de apoptose como AIDS e, possivelmente o LES (MEVORACH et al. 1998a).

O LES é uma doença autoimune na qual a resposta de autoanticorpos possui uma variedade de autoantígenos alvos de localizações subcelulares diversas. CASCIOLA ROSEN e colegas (1994) demonstraram que esses autoantígenos estão presentes em duas populações distintas de “blebs” na superfície de células apoptóticas. A população de pequenos “blebs” é

composta de retículo endoplasmático fragmentado e ribossomos, bem como a ribonucleoproteína Ro. Os grandes “blebs” (corpos apoptóticos) possuem DNA nucleossomal, Ro, La e pequenas ribonucleoproteínas nucleares. Essas duas populações de estruturas de superfície celular nas células apoptóticas levam a noção de que os “blebs” de células apoptóticas são importantes partículas imunogênicas no Lupus (CASCIOLA-ROSEN, et al. 1994; CLINE & RADIC, 2004).

Também tem sido proposto que a fosfatidilserina exposta para o exterior dos “blebs” pode também induzir a produção de anticorpos antifosfolipídios, sugerindo a imunogenicidade desses “blebs” (CASCIOLA-ROSEN, 1995; LEVINE et al. 1999; LORENZ

et al., 2000).

Antígenos nucleares são gerados e liberados durante a apoptose. Uma característica da apoptose é a clivagem da cromatina por caspases; a desregulação da fragmentação do DNA pode ser diretamente ligada a indução de autoimunidade no LES (GABLER et al., 2003). Células apoptóticas liberam grandes quantidades de oligonucleossomos (DNA-histona) e pacientes com lupus têm altas concentrações de células apoptóticas e de nucleossomos circulantes. (KOUTOUZOV & BACH. 1997; GABLER et al., 2003). Adicionalmente, pacientes e camundongos com lupus possuem altos títulos de autoanticorpos antinucleossomos, anti-DNA e anti-histona. (HERKEL, et al. 2001).

Um fator comum em doenças autoimunes como o LES é a diminuição da tolerância a antígenos próprios e em conseqüência ocorre a produção de autoanticorpos reativos com múltiplas proteínas próprias (EGUCHI K. 2001). Alguns trabalhos evidenciaram que modificações de autoantígenos durante a apoptose levam ao desenvolvimento de autoanticorpos que ultrapassam os mecanismos normais de tolerância (MANCINI, et al. 1998; CASCIOLA-ROSEN, et al.1999; LEVINE & KOH, 1999).

Com base nos dados acima pode ser proposto que um dos primeiros eventos que ocorrem no lupus é uma tendência aumentada para a apoptose de determinadas populações celulares (provavelmente células linfóides que mostram uma razão de replicação anormal nesta doença) (KOUTOUZOV, et al. 1996) o que levaria a expressão aumentada ou aberrante de alguns constituintes celulares que se tornariam anormalmente imunogênicos (CASCIOLA-ROSEN, et

al. 1996; PITTONI & VALESINI, 2002).

A captura de nucleossomos por receptores de nucleossomos levaria a formação de anticorpos direcionados contra os nucleossomos, DNA e histonas (KOUTOUZOV, et al. 1996, HERKEL et al. 2001). Foram acumuladas evidências sugerindo que diferentes populações de autoanticorpos são responsáveis pelas várias manifestações clínicas de doenças autoimunes (CLINE & RADIC, 2004).

Esses dados sugerem que a apoptose pode estar implicada com a patogênese da autoimunidade, embora os mecanismos possam ser distintos em cada doença autoimune.

Um outro fator de predisposição para a autoimunidade seria a ocorrência de uma alteração na sensibilidade a apoptose induzida por receptores CD95. O CD95 é expresso em praticamente todos os tipos de células que podem ser alvos da resposta autoimune órgão específica.

A excessiva ou defectiva susceptibilidade a apoptose induzida por CD95 é um dos principais mecanismos patogênicos em uma variedade de doenças autoimune. As raras mutações do CD95 ou CD95L estão relacionadas com várias doenças linfoproliferativas em humanos e em camundongos, demonstrando o importante papel dessas moléculas no desenvolvimento de autoimunidade. (RAMENGHI, et al, 2000).

Embora, esteja claro que a apoptose induzida por CD95 contribua para a destruição célula alvo em autoimunidade órgão específica, estudos futuros são necessários para encontrar

se mecanismos citotóxicos múltiplos podem contribuir para a destruição tecidual em um único individuo ou se uma única doença autoimune pode ser heterogênea e resultar de diferentes mecanismos patogênicos em indivíduos diferentes.

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