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4.1 Mecanismo de ototoxicidade da cisplatina

4.1.3 Apoptose: a morte celular provocada pelas EROs na cóclea

O órgão de Corti é um epitélio sensorial formado por um arranjo altamente ordenado de células sensoriais ciliadas e células não sensoriais de suporte. As células ciliadas estão conectadas diretamente aos neurônios primários no gânglio espiral e não têm capacidade de regeneração, portanto a perda destas células resulta em perda auditiva permanente (POIRRIER et al, 2010).

A apoptose é uma via de morte induzida por um programa celular altamente regulado (KUMAR, ABBAS e FAUSTO, 2005). É um tipo de morte celular programada ou “suicídio” celular e pode ser despertada em diversas situações fisiológicas, por exemplo, quando ocorre em células que não têm mais utilidade, durante a embriogênese, ou um mecanismo de autodefesa, quando células infectadas por patógenos ou com alterações genéticas se autodestroem (RUBIN et al, 2006).

A apoptose das células da cóclea pode ser motivada pela formação de complexos entre a cisplatina e o DNA da célula lesada, impedindo a progressão normal do ciclo celular (DEVARAJAN et al, 2002). Ainda, o estresse oxidativo induzido pela droga desencadeia uma cascata de reações intracelulares que culmina na apoptose (RAVI, SOMANI e RYBAK, 1995).

As teorias sobre a gênese do estresse oxidativo pela cisplatina incluem o dano ao DNA, a interferência com o sistema de defesa antioxidante da glutationa ou o aumento da peroxidação de lipídios, o que leva a um aumento na entrada de cálcio e apoptose das células da cóclea (GARCÍA-BERROCAL et al, 2007).

As características morfológicas e bioquímicas da apoptose envolvem fragmentação nuclear, condensação da cromatina, encolhimento celular, “borbulhamento” da superfície celular com manutenção da integridade da membrana, formação de corpos apoptóticos e proteólise (degradação de proteínas por enzimas). Os restos da célula são fagocitados por células vizinhas ou por macrófagos (HUANG et al, 2000).

Há alguns anos as proteases intracelulares específicas pertencentes à família das caspases são investigadas como efetoras cruciais da apoptose (ADAMS e CORY, 1998).

As caspases (cysteine-aspartic-acid-proteases) são proteases baseadas em cisteína capazes de clivar outras proteínas depois de um resíduo de ácido aspártico (STRASSER, O’CONNOR e DIXIT, 2000) e são sintetizadas como precursores inativos denominados zimogênios (pró-caspase) (HENGARTNER, 2000). A família das caspases pode ser dividida

funcionalmente em caspases iniciadoras e caspases efetoras, dependendo da ordem em que são ativadas durante a apoptose. As iniciadoras incluem as caspases 8 e 9; as efetoras incluem as caspases 3, 6 e 7, dentre outras (KUMAR, ABBAS e FAUSTO, 2005).

As pró-caspases são ativadas em caspases por clivagem proteolítica quando a célula recebe um sinal de morte (BOATRIGHT e SALVESEN, 2003). Uma vez ativadas, atuam em um efeito cascata, ou seja, as caspases iniciadoras ativam as caspases efetoras que, por sua vez, atuam na fragmentação do DNA (SHARIFIA et al, 2009).

O processo apoptótico pode ser desencadeado por duas vias, uma extrínseca (citoplasmática) e outra intrínseca (mitocondrial), ambas convergentes para a ativação das caspases efetoras (GRIVICICH, REGNER e ROCHA, 2007). Além disso, tais vias podem ser classificadas de acordo com o tipo de pró-caspase que é ativada. Na via extrínseca, a ativação da pró-caspase 8 (iniciadora) resulta da sinalização do receptor de morte celular, como Fas e TNFR1 (tumor necrosis factor receptor 1). Por outro lado, na via intrínseca, a ativação da pró-caspase 9 (iniciadora) é dependente principalmente da via de sinalização mitocondrial regulada por membros da família Bcl-2 (HARRIS e THOMPSON, 2000). A família Bcl-2 é composta por 25 membros anti e pró-apoptóticos (BORNER, 2003). Essas proteínas estão localizadas no lado externo da membrana mitocondrial, no envelope nuclear e no retículo endoplasmático das células (LORO, VINTERMYR e JOHANNESSEN, 2003).

A ativação dos membros pró-apoptóticos da família Bcl-2, como Bax, pode desencadear uma sequência de eventos que levam a alterações na permeabilidade da membrana mitocondrial com liberação de citocromo c (proteína ativadora de caspase) para o citoplasma, que se liga a outra proteína: o fator ativador da protease na apoptose 1 (Apaf- 1), formando um complexo proteico – apoptossomo - que irá ativar a pró-caspase 9 (GOLDSTEIN et al, 2000). Uma vez ativadas, ambas as caspases 8 e 9 participam de uma cascata de eventos que culmina na ativação da caspase 3, que cliva vários substratos resultando em fragmentação do DNA e alterações morfológicas celulares características de apoptose (THORNBERRY e LAZEBNIK, 1998). Em contrapartida, a proteína Bcl-2, membro anti-apoptótico da família Bcl-2, favorece a sobrevida celular impedindo o escape do citocromo c para o citoplasma, possivelmente pela formação de heterodímeros com moléculas pró-apoptóticas, como a Bax (AMARANTE-MENDES e GREEN, 1999), impedindo a

formação de poros na membrana mitocondrial externa e, assim, inibindo a apoptose (TAYLOR, et al, 2008).

A diminuição da transcrição da proteína anti-apoptótica Bcl-2 e o aumento da transcrição da pró-apoptótica Bax são mediados pelo gene p53. Este é um gene supressor de tumor que é acumulado na célula quando o DNA é danificado, causando a suspensão do ciclo celular na fase G1 (produção de enzimas necessárias para a produção de DNA, outras proteínas e RNA) e proporcionando o reparo do DNA. Porém, se este reparo falhar, o p53 desencadeia a apoptose estimulando a transcrição de proteínas pró-apoptóticas e diminuindo a transcrição de proteínas anti-apoptóticas (KUMAR, ABBAS e FAUSTO, 2005).

A disfunção mitocondrial que deflagra o processo apoptótico pela via intrínseca pode ser causada por sinais de estresse intracelular resultante de lesão do DNA, toxinas, estresse oxidativo, entre outros (PARONLIN e REASON, 2001).

Devarajan et al (2002) confirmaram o envolvimento das vias extrínseca e intrínseca na apoptose induzida pela cisplatina em modelo de células auditivas cultivadas in vitro. Também Liu et al (1998) e Cheng et al (2005) demonstraram o papel da apoptose como mecanismo de morte celular pela cisplatina. Alam et al (2000) identificaram células apoptóticas em todas as estruturas da cóclea após a administração de cisplatina, incluindo células ciliadas externas e internas, células de sustentação, gânglio coclear, estria vascular e ligamento espiral. O aumento da expressão da proteína Bax e diminuição da Bcl-2 encontrado no estudo sugere a importância da família de proteínas Bcl-2 no controle da apoptose em consequência da cisplatina.