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A APOSENTADORIA ESPECIAL NO RPPS E AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DO ARTIGO 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A aposentadoria especial do servidor público possui previsão constitucional. Porém sua eficácia depende de regulamentação por meio de lei complementar, razão pela qual é motivo de intensos debates na doutrina e na jurisprudência, conforme se verá a seguir.

Em seu texto original, a Constituição Federal previa no art. 40, §1º, que lei complementar poderia estabelecer exceções às regras de aposentadoria para os casos de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.165

Mais tarde, com a edição da EC n. 20/1998, o art. 40 foi alterado e seu §4º passou a dispor que seria vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão da aposentadoria aos servidores abrangidos pelo Regime Próprio de Previdência Social, com exceção dos casos de atividades exercidas exclusivamente sob

164 KERTZMAN, I.; MARTINEZ, L., 2006, p. 136.

165BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Publicação original. Disponível

condições especiais que prejudicassem a saúde ou integridade, definidos em lei complementar.166

Finalmente, em 05 de julho de 2005 foi editada a EC n. 47/2005, a qual conferiu a atual redaçãodo §4º, do art. 40, da CRFB, de modo a prever a possibilidade de criação de regras diferenciadas para a concessão da aposentadoria do servidor exposto a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física, nos seguintes termos:

É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

[...]

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)167

Ocorre que, segundo a classificação de SILVA sobre a eficácia das normas, trata-se, o referido artigo, de norma de eficácia limitada, ou seja, não possui eficácia plena e aplicabilidade imediata, pois “o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.”168

A título de esclarecimento, importa mencionar que o referido autor classifica a eficácia das normas constitucionais em plena, contida e limitada (esta já analisada no parágrafo anterior). As primeiras, dizem respeito às normas que independem de lei ou ato infraconstitucional para sua imediata aplicação; já as normas de eficácia contida são de aplicabilidade imediata e direta, mas estão sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia.169

No tocante à conceituação da aposentadoria especial do servidor público, a doutrina previdenciária, por sua vez, levando em conta o atual desenho legal da aposentadoria especial, traz o seguinte conceito:

166BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o

sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Brasília, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.Acesso em: 10/11/2016.

167BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.brAcesso em: 10/11/2016

168SILVA, José Afonsoda. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3

a ed. São Paulo: Malheiros,

1998, p.83.

Aposentadoria especial é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, devida ao servidor que durante 25 anos de serviços consecutivos ou não, em um ou mais órgãos públicos, em caráter habitual e permanente, expôs-se a agentes nocivos físicos, químicos, biológicos, ergométricos ou psicológicos em níveis além da tolerância legal, sem a utilização eficaz de EPI ou em face de EPC insuficiente, fatos exaustivamente comprovados mediante laudos técnicos periciais emitidos por profissional formalmente habilitado, em consonância com dados cadastrais fornecidos pelo serviço público ou outra pessoa autorizada para isso.170

Já com relação ao âmbito infraconstitucional, a Lei n. 9.717/1998, ao dispor sobre as regras gerais do RPPS, previu, em seu art. 5º, parágrafo único, que a concessão da aposentadoria especial, prevista no §4º, do art. 40, da CRFB, ficaria vedada até que lei complementar federal disciplinasse a matéria.

DIAS e MACÊDO, porém, defendem que tal dispositivo legal esbarra na previsão constitucional do art. 24, inciso XII, segundo o qual a competência para legislar sobre previdência social é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal.Isto é, não havendo norma geral por parte da União, podem os Estados exercer a competência legislativa plena sobre a matéria.

É que, segundo SILVA, a competência normativa disciplinada no art. 24 é concorrente quanto à sua extensão. De acordo com o autor, o termo concorrente compreende dois elementos: a possibilidade de mais de um ente federativo dispor sobre determinada matéria ou assunto e a prevalência da União para editar normas de cunho geral sobre determinado assunto. 171

Ainda, quanto às matérias previstas nos incisos do art. 24, a competência dos Estados para legislar sobre elas é suplementar, o que “significa o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas (art. 24, §§1º a 4º).”172

Dessa forma, para os referidos autores, a norma infraconstitucional não poderia condicionar a regulamentação da matéria ao exercício legiferante da União, uma

170 MARTINEZ, W. N., 2016, p. 22.

171 Cf. SILVA, José Afonso da, 1998, p. 481. 172 SILVA, José Afonso da, 1998, p. 481.

vez que o texto constitucional prevê expressamente que na ausência de norma geral da União, podem os Estados, de maneira suplementar, legislar sobre a matéria fruto da omissão.

Nesse sentido, DIAS e MACÊDO afirmam que:

Esta norma, por abranger os regimes funcionais estaduais, distritais e municipais, proíbe a concessão de aposentadoria especial por esses entes até que a União Federal estabeleça as normas gerais mediante lei complementar. Cumpre adotar o entendimento de que realmente caberá à União Federal estabelecer, por lei complementar, os requisitos gerais para a concessão da aposentadoria especial, no exercício da competência concorrente determinada pelo art. 24, XII, da CF, por ser matéria eminentemente técnica e que demanda um tratamento uniforme para todos os servidores públicos. Contudo, a vedação de concessão de aposentadoria especial para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, veiculada pelo parágrafo único do art. 5º da Lei n. 9.717/1998, ate que lei complementar federal discipline a matéria, fere o disposto no §3º do art. 24 da CF [...]. Até a publicação dessa lei complementar, no entanto, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência legislativa plena para disciplinar a matéria, nos moldes do art. 24, §3º, da CF. Desse modo, afigura-se inconstitucional, por limitar competência legislativa consignada constitucionalmente, o art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.717/1998.173

No mesmo sentido, entende MARTINS:

A inercia da União em regulamentar as matérias constantes do art. 24 da Constituição Federal, não impedirá ao Estado-membro ou ao Distrito Federal a regulamentação da disciplina constitucional. Note- se que, em virtude da ausência de Lei Federal, o Estado-membro ou o Distrito Federal adquirirão competência plena tanto para a edição de normas de caráter geral, quanto específico. [...]

Assim sendo, não poderia a legislação infraconstitucional (Lei n. 9.717/98), muito menos um ato administrativo (Portaria n. 4.992/99), em que pese o poder normativo do Ministério da Previdência Social, restringir o exercício da competência legislativa atribuída ao ente federado pela Carta Maior, o que torna ambos os dispositivos em comento inconstitucionais.174

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, tem entendido que:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO

REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO.

APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI 8.213/1991. OMISSÃO. PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E DE AUSÊNCIA

173DIAS, E. R.; MACÊDO, J. L. M. de., 2006, p. 122. 174MARTINS, B. S. F., 2006, p. 97.

DE INTERESSE DE AGIR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ÓBICE CONCRETO AO EXERCÍCIO DA APOSENTADORIA ESPECIAL. EMBARGOS REJEITADOS. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. VEDAÇÃO PREVISTA NO ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.717/1998, NA REDAÇÃO DADA PELA MP 2.187-13/2001. EMBARGOS ACOLHIDOS, EM PARTE, PARA SANAR A OMISSÃO E AFASTAR A PRELIMINAR. PRECEDENTES. I – Uma vez que ainda não existe lei regulamentadora do direito à aposentadoria especial em razão de atividade exercida exclusivamente sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, prevista no § 4º do art. 40 da Constituição Federal, afigura-se adequada a utilização do mandado de injunção, pois não há, à falta de previsão legal, direito líquido e certo amparável por meio do mandado de segurança. II – A vedação prevista no art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.717/1998, na redação dada pela MP 2.187-13/2001, “não impede, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que a lacuna legislativa que obsta o pleno exercício de direito constitucionalmente assegurado seja suprida judicialmente” (MI 1.169-AgR/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia). III – Embargos de declaração acolhidos, em parte, a fim de sanar a omissão em relação a uma das preliminares suscitadas, que fica definitivamente afastada. (grifei)175

Percebe-se, portanto, que o STF tem se manifestado no sentido de que é possível suprir a ausência da lei complementar exigida pela Lei n. 9.717/1998, por meio de mandado de injunção, de modo a não afetar o direito constitucional dos servidores à aposentadoria especial quando exercem atividades em condições prejudiciais à sua saúde ou integridade física, na forma do art. 40, §4º, inc. III, da CRFB.

Evidencia-se, portanto, que o STF não se posicionou sobre a constitucionalidade ou não do referido dispositivo legal, nas palavras de BARROS “nas diversas injunções concedidas sobre a matéria, no afã de imprimir efeitos concretos ao mandado de injunção, o STF nem tomou conhecimento da referida proibição legal”.176

Assim, considerando o atual cenário legal da aposentadoria especial, percebe-se que existem duas situações idênticas, porém que possuem tratamento distinto, provocando verdadeira afronta ao princípio da isonomia: os segurados filiados ao RGPS que trabalham em condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física têm direito à aposentadoria especial, nos termos da Lei n. 8.213/1991; já os servidores que exercem suas atividades expostos a condições prejudiciais à sua saúde ou

175MI 4503 AgR-ED, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em

01/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 18-08-2014 PUBLIC 19-08-2014. Disponível em: http://www.stf.jus.br/. Acesso em: 10/11/2016.

integridade física não possuem o mesmo tratamento, em razão de uma omissão legislativa que perdura há mais de 28 anos.

Sobre a questão, QUEIROZ discorre que:

[...] há subsídios suficientes para entender a injustiça e a lesão à dignidade da pessoa (servidor), decorrente da inercia legislativa – não regulamentação do art. 40, §4º, por parte do Congresso Nacional. [...] Contudo, tendo a Constituição Federal de 1988 adotado o principio da igualdade – onde todos os cidadãos tem direito o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico, justo se faz indagar a existência de diferença entre um trabalhador do serviço público, que exerça atividades em condições de risco à sua saúde e à sua integridade física e o seu congênere do setor privado. Na verdade, há uma única diferença, a de não ter aquele o mesmo tratamento deste perante a legislação trabalhista.177

Em suma, tem-se que ao trabalhador do setor privado vinculado ao RGPS se aplicaa Lei n. 8.213/1991, a qual disciplina os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, dentre eles o da aposentadoria especial ao segurados expostos a condições especiais, prejudiciais à sua saúde ou integridade física. Ainda, há o Decreto n. 3.048/1999, o qual regulamenta a concessão da aposentadoria especial, prevendo os requisitos, a abrangência do benefício, determina o conceito de atividade especial e também a forma de comprovação do exercício desta atividade. Estes atos normativos, assim como outros já citados neste trabalho, visam garantir a eficácia de um direito constitucionalmente previsto, vide art. 201, §1º, da CRFB.

O mesmo não ocorre, contudo, com o os trabalhadores do serviço público. Apesar da expressa disposição do art. 40, §4º, III, da CRFB, os servidores que exercem atividades expostos a agentes nocivos à sua saúde ou à sua integridade física não possuem seu direito à concessão de aposentadoria com critérios diferenciados regulamentado, tornando comprometida sua implementação.

Feita essa análise, questiona-se se é razoável condicionar a efetivação do direito à aposentadoria especial à atuação legislativa. E ainda, em caso de resposta negativa à indagação, pergunta-se se a aplicação da regras do RGPS no tocante à aposentadoria especial poderia ser aplicada aos filiados do RPPS a fim de suprir essa omissão legislativa. Tais celeumas serão tratadas no capítulo III deste trabalho.

177 QUEIROZ, Flávia Bezerra. Aposentadoria Especial Estatutária e o Meio para sua Efetivação:

Mandado de Injunção. Rev. Ciência Jurídica do Trabalho, n. 90, novembro/dezembro, 2011, p. 46 (44- 68).

CAPÍTULO 3 - ASPECTOS CONTROVERTIDOS ACERCA DA