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5. A EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO NO BRASIL: DIRETRIZES DE UM “MANUAL” E A

5.1 A Educação para o Consumo no Brasil: novas propostas, o mesmo discurso da sustentabilidade

5.2.1 Aprendendo com o manual: “Atividades Práticas”

Como já explicitado, o Manual de Educação para o Consumo sustentável organiza-se a partir da discussão de temáticas acerca da sustentabilidade e consumo, teorizando inicialmente esses conteúdos para “viabilizar” ao professor sua contextualização, além de atividades pedagógicas a serem trabalhadas com os alunos em sala de aula, para a “apropriação dos conhecimentos” referentes aos temas abordados pelo documento.

Foi selecionada para análise uma das atividades pedagógicas trazidas pelo documento, a qual manteremos o mesmo enunciado, sendo: “Água: Um recurso cada vez mais ameaçado”.

5.2.2 “Água: Um recurso cada vez mais ameaçado”

Neste capítulo do Manual de Educação para o Consumo sustentável se discute porque é tão importante e inadiável a conservação dos recursos hídricos do planeta e quais as ações necessárias para garantir o seu consumo sustentável. A partir das informações contidas neste manual, você vai poder mostrar aos alunos que, com pequenas mudanças de hábitos, todos podemos contribuir para conservar nossas águas, aprendendo a controlar a poluição e a consumir sem desperdício” (CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 28).

Primeira atividade do manual, traz conteúdos e esquemas gráficos a serem apresentados aos alunos para a realização da atividade sobre a distribuição e o consumo da água doce potável no mundo e no Brasil, que em si já representa uma parcela mínima comparada ao volume total de água na Terra, onde 97,5% é representada por água salgada e apenas os 2,5% restantes tratam-se de água doce própria para o consumo da população, desta quantidade são apresentadas as proporções quanto ao consumo desta água, de forma que a indústria utiliza 22%, 70% é destinado a utilização pela agricultura e apenas 8% destinado ao uso doméstico. Diante disto é um tanto curioso notar que a instrução pedagógica do manual está voltada para os “simples gestos de mudança por parte da população”, quando “instrui” o professor a “mostrar para seus alunos que, “com pequenas mudanças de hábitos, todos podemos contribuir para conservar nossas águas [...]” (CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 28, grifos nossos)

constituindo-se como projeto “IDEAL” para a resolução dos problemas ambientais com início e fim em si mesmo, minimizando a discussão sobre os altos índices de consumo hídrico pelo agronegócio, questões maiores que velam um sistema regido e ditado pelas mesmas indústrias em torno do próprio consumo, já que seu aumento exacerbado acelera os processos produtivos

que exigem cada vez mais dos recursos naturais, em foco os recursos hídricos83.

Desconsiderando também que o papel da escola e do professor, precisa ir muito além de mostrar informações aos alunos, mas estabelecer relações entre as questões macro e micro sociais, não fragmentando o conteúdo, como afirma Mészáros (2008, p. 48) ao dizer que “apenas a mais ampla das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital”, mesmo porque, conforme Pino (2003) nos ajuda a pensar, informações acessamos em diferentes mídias, conhecimento precisa ser compartilhado e construído nas relações escolares.

Ainda na tentativa de chamar o consumidor-cidadão para sua responsabilidade, o documento opta por trazer todo o detalhamento dos dados sobre o consumo da água doce/potável disponível, utilizada pela parte minoritária dos 8% e não dos outros 92%, ou seja, preocupa-se em discutir com ênfase, como a população faz uso deste recurso em seu uso

83 Na imagem em forma de ilustração utilizada no Manual para a representação do mal-uso da água doce disponível

no planeta, são apresentados elementos que só dizem respeito a população civil, graficamente não há representação da utilização da água pela indústria e agronegócio.

Figura 20 - Gráfico sobre a distribuição de recursos hídricos no Brasil, apresentado na atividade prática "Água"

doméstico e como pode reduzir. Pouquíssimo se diz sobre a parcela que representa o maior índice de consumo. Do conteúdo destinado à utilização e controle dos recursos hídricos, proposto no manual, é destinado pouco menos de uma página para tratar do uso industrial desses recursos, enquanto todo o restante deste capitulo é voltado para a discussão do uso doméstico da água doce, dando dicas para esse controle, como o cuidado para a não contaminação dos rios através do uso excessivo de produtos de limpeza altamente tóxicos e prejudiciais ao meio ambiente, sugerindo inclusive a necessidade de “rever nossa crença de que a água é abundante e que estará sempre disponível porque isto depende estritamente de como utilizamos e preservamos este recurso” (CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 31, grifo nosso), responsabilizando os sujeitos de modo individualizado em todo o processo, o colocando no centro da discussão, até porque é sua responsabilidade manifestada em práticas domiciliares de utilização da água, que a vida no planeta encontra-se ameaçada.

Mészáros (2008), discute exatamente o modo como a educação escolar se sustenta por uma prática pedagógica desprovida de criticidade e de possibilidades de transformação. Perante seu mecanismo histórico de reprodução social, conforme apontamos, atende a manutenção de

Fonte: CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 31 Figura 21 - Ilustração da atividade prática “Água”

uma realidade social que mantém a divisão de classes e os saberes que cada uma delas dominará. Assim também se estabelece a formação docente, professores e alunos consomem determinadas informações e reduzem a educação escolar à lógica do mercado, desumanizando ao invés de humanizar, na medida em que promove e inculca um saber escolar que se fundamenta na individualização e na competição, necessários aos próprios processos de produção e consumo. Não basta apenas o entendimento sobre a natureza, mas fundamentalmente o entendimento sobre a sociedade, nesse sentido, o desenvolvimento humano precisa ser a referência e não o mercado.

Vivemos sob condições de uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do real estado de coisas dentro da consciência (muitas vezes caracterizada como “reificação”) porque o capital não pode exercer suas funções sociais metabólicas de ampla reprodução de nenhum outro modo. Mudar essas condições exige uma intervenção consciente em todos os domínios e em todos os níveis da nossa existência individual e social (MÉSZÁROS, 2008, p. 59).

Ainda sobre o conteúdo do manual, como complemento ao exposto e na tentativa de uma contextualização, o documento traz ao final de cada capitulo/tema uma atividade a ser aplicada em sala de aula. Sobre a temática “ÁGUA” a atividade se inicia com um questionário que deve ser introduzido com o tema “Consumo Sustentável”. As perguntas são variadas e basicamente seguem um padrão voltado a utilização residencial da água por parte da população, caracterizado no capítulo como uso doméstico, do tipo “De onde vem a água doce que sua família utiliza (rio, lago, poço ou cisterna)? Ou “Você gosta de beber água? Quantos copos de água você bebe por dia? E até mesmo “Onde a água é armazenada em sua casa? ”.

Em seguida, é sugerida uma sistematização das informações coletadas feita em conjunto por professor e alunos, para uma apresentação posterior dos resultados, enquanto o professor se encarrega de ampliar a discussão abordando outras questões como a finitude da água, a dependência da água para a sobrevivência humana, fontes de contaminação da água, entre outros. Para então finalizar com uma série de sugestões intituladas de “O que podemos fazer”

(CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 39) com o intuito de oportunizar ao aluno a identificação de como ele84 pode contribuir para que haja um consumo sustentável da água, através de

questões sugestivamente direcionadas como: “que mudanças eu posso fazer nos meus hábitos no sentido de dar minha contribuição pessoal para um consumo sustentável da água?”. Com intuito de criar um “guia” a partir das respostas do próprio aluno, que servirá como um selo de

84 Neste ponto do documento, o aluno é posicionado como o principal responsável pela degradação ambiental,

assim como cabe a eles posicionarem-se com atitudes sustentáveis que possibilitarão a salvação do futuro do planeta.

compromisso entre ele e os demais colegas da turma. Diante da profundidade das questões, aliadas a riqueza do conteúdo proposto, torna-se ainda mais intrigante o enunciado com os objetivos da atividade, que exige do professor “dar subsídios para que os alunos” (CONSUMO SUSTENTÁVEL, 2005, p. 36) se apropriem e sejam capazes de refletir sobre questões como: “compreensão da importância da água para a sobrevivência de todas as espécies que habitam a terra”, “aprendam a valorizar e cuidar da água”, “procurem soluções, em nível pessoal e comunitário, que caminhem no sentido do consumo sustentável de agua” uma vez que os conteúdos propostos são rasos e incompletos, agora também é o professor o responsável por trabalhar quase que como um truque de mágica conceitos silenciados pelo documento.

Para Kramer (2000), educar crianças e jovens é trabalhar numa perspectiva da humanização, da conquista da possibilidade de ler e interpretar o mundo, apropriando-se da produção cultural. É compartilhar com os pequenos

[...] conhecimentos culturais disponíveis na história de uma dada sociedade, povo, país. O que singulariza o ser humano é essa pluralidade de experiências, de valores e saberes presentes na dança, música, na produção de objetos, nas festas civis ou religiosas, nos modos de cuidar das crianças, da terra, dos alimentos, roupas, nas trajetórias contadas pelas famílias, grupos, etnias. Essa pluralidade cultural materializa-se também na literatura, no cinema, arte, música, fotografia, teatro, pintura, escultura, nos museus, na arquitetura (KRAMER, p. 42-43).

A autora, afirma que falar de conhecimento é falar de cidadania. Os documentos consultados falam muito de cidadania, mas pouco falam do conhecimento e do acesso a ele nos termos pelos quais o compreendemos. Acesso que precisa ser dado também ao professor, não por manuais, técnicas de ensino, exercícios prontos a serem aplicados, mas pela formação dele próprio mediada pela ciência, pela filosofia e pelas artes.

Considerando principalmente o lugar que a criança ocupa na sociedade, portanto, das possibilidades de acesso ao consumo, considerando o papel das mediações sociais para a constituição do quem sou e como compreendo o mundo, o acesso à cultura que a escola puder disponibilizar é central para o desenvolvimento dos alunos.