• Nenhum resultado encontrado

Aprendendo significativamente através do trabalho de campo: algumas conclusões

Capítulo 2. O TRABALHO DE CAMPO NA ESCOLA PÚBLICA

3. A PRÁTICA DO TRABALHO DE CAMPO: OPERACIONALIZAÇÃO E REFLEXÕES

3.4. Aprendendo significativamente através do trabalho de campo: algumas conclusões

É um consenso entre os estudiosos do ensino de Geografia – aqui citamos CAVALCANTI (1998, 2010a, 2010b), CALLAI (2012), KAERCHER (2006), PONTUSCHKA; PAGANNELI; CACETE (2009); e VESENTINI (2008) - que o modo como os conhecimentos geográficos estão sendo tratados na escola não são capazes de permitir que os alunos aprendam Geografia de um modo significativo. A predominância da memorização e o distanciamento entre os conceitos geográficos trabalhados na escola e a Geografia da vida dos alunos estão entre os maiores problemas apontados pelos professores.

Como dissertamos neste trabalho, apoiados na Teoria da Aprendizagem Significativa, a consideração dos saberes prévios dos alunos é condição primordial para que ocorra a aprendizagem e, no caso da Geografia, para que os conteúdos trabalhados na escola realmente contribuam para a maior compreensão do espaço de vivência dos alunos.

Porém, tornar claro o que os alunos já sabem não é uma tarefa simples, sendo necessário buscar diferentes formas de investigar, questionar, além de suscitar curiosidades e inquietudes nos estudantes.

Vimos na metodologia do trabalho de campo, dentre tantas possibilidades, um meio para estimular os alunos ao diálogo, despertar a vontade de aprender os conteúdos e revelarem suas visões e dúvidas sobre o que já ouviram falar nos diferentes meios, seja na escola ou fora dela, sobre o conteúdo a ser estudado. Posteriormente, em contato direto com a realidade, não apenas enriquecer tais conhecimentos, como também aprender novos conteúdos e significados.

Assim, os trabalhos de campo realizados seguiram uma lógica na qual primeiramente investigamos os conhecimentos e as curiosidades que os alunos traziam consigo, posteriormente planejamos e desenvolvemos o trabalho de modo a garantir a aprendizagem significativa, por fim, realizamos atividades com propostas de avaliação.

É claro que a relação com os novos conteúdos não se deu da mesma forma entre os alunos, tampouco a maneira como aprenderam e o enfoque dado ao que achavam mais importante notar no ambiente fora da sala de aula também não foram os mesmos. Enquanto alguns alunos observavam as questões esperadas por nós, outros iam em direção ao que os chamava a atenção, algumas vezes por brincadeiras e outras simplesmente pelo fato de poderem ter contato com algo novo. Por isso notamos o quanto o engessamento causado pela burocracia escolar - a corrida para cumprir os conteúdos propostos, os obstáculos para conseguir retirar o aluno da sala de aula, a fiscalização da atividade docente em escolas nas quais o diretor assume uma postura próxima do gerencialismo, entre outros - problemas encontrados na formação inicial docente, falta de professores da área e insuficiência de material para realizar diferentes atividades, acabam nos limitando à necessidade de realizar atividades dirigidas, quando seria muito enriquecedor a possibilidade de atividades não-dirigidas com os alunos, para que os próprios pudessem criar seus projetos.

Em relação às diferentes relações dos alunos com os conhecimentos, Ausubel (1978) explica que o processo de aprendizagem é diferente para cada indivíduo de acordo com os subsunçores que possuem para ancorar os novos conhecimentos e a disposição que o aluno tem para aprender significativamente. Além isso, o autor também destaca que a partir do momento em que um indivíduo particular incorpora de forma não-literal e não-arbitrária em sua estrutura cognitiva proposições consideradas logicamente “Quando um indivíduo aprende proposições logicamente significativas, essas perdem automaticamente seu sabor não idiossincrático. O sentido psicológico é sempre um fenômeno idiossincrático” (AUSUBEL, 1978, p. 42).

Entretanto, sabemos que nem sempre os alunos estão dispostos a aprender, o que somado à indisciplina característica das salas de aula são grandes empecilhos ao trabalho do professor. Por isso, a motivação dos alunos em relação à metodologia do trabalho de campo se mostrou essencial durante o desenvolvimento desta pesquisa, para que os alunos realmente mostrassem ao final uma compreensão mais aprofundada e modificada sobre os conteúdos geográficos estudados.

O mais importante foi a possibilidade de motivar os alunos a aprenderem não apenas para conseguirem uma nota ao final do bimestre, mas estimular a importância da aprendizagem para que pudessem conhecer melhor o seu mundo, ou seja, motivar o desejo e a necessidade do conhecimento.

Uma vez que tal necessidade seja desenvolvida, a aprendizagem torna-se naturalmente uma experiência tanto mais significativa quanto mais satisfatória. Mas é difícil estimular o desenvolvimento de tais necessidades até que, antes de mais nada, o tema seja apresentado de modo significativo. (AUSUBEL, 1978, p. 335)

O trabalho de campo permitiu justamente isto: apresentar o tema a ser estudado de modo significativo.

As figuras seguintes apresentam esquemas que resumem as etapas e processos do desenvolvimento do trabalho de campo sob a ótica da aprendizagem significativa com os sétimos (Figura 26) e oitavos anos (Figura 27). Neles podemos observar três momentos:

 o descobrimento dos conhecimentos prévios dos alunos,

a construção dos novos conhecimentos a partir da metodologia do trabalho de campo e, por fim,

 a apreensão dos novos saberes expressos nos cadernos de campo e atividades desenvolvidas após o retorno das pesquisas de campo.

Figura 26: Esquema síntese do processo de aprendizagem significativa com apoio do TC (sétimos anos).

Elaborado por ZANCHETTA, J.F. (2016)

Como podemos notar, a comparação dos novos conhecimentos aos já existentes antes do trabalho de campo aponta que os alunos dos sétimos anos passaram a compreender a espacialização de nosso bioma e os impactos pelos quais este é submetido, sendo a devastação consequência de uma relação de desiquilíbrio entre as questões ambientais e os interesses da sociedade capitalista.

A pesquisa de campo realizada pelos alunos dos sétimos anos não permitiu apenas a análise integrada (Natureza X Sociedade) da paisagem observada, como também pode ter despertado nos alunos valores e atitudes de um compromisso com o meio ambiente.

Figura 27: Esquema síntese do processo de aprendizagem significativa com apoio do TC (oitavos anos).

Elaborado por ZANCHETTA, J.F. (2016)

Por outro lado, notamos que o número de alunos dos oitavos anos que chegaram até uma nova postura de compreensão das maiores causas da crise hídrica foi menor, embora um número significativo de alunos passou a perceber que o quadro da escassez hídrica no Sudeste não era apenas “nossa” culpa, mas também foi resultado da má gestão do Governo estadual e do uso abusivo da água pelas indústrias e na agricultura.

Atribuímos esta questão a algumas circunstâncias que mencionaremos por considerarmos de grande importância para a compreensão deste ocorrido. Entre elas está o fato de que o trabalho com os conteúdos dos oitavos anos foi realizado de forma descontínua, devido ao desenrolar da greve dos professores no ano de 2015, mas principalmente pelos moldes nos quais ocorreu a pesquisa de campo, com a presença do guia e poucas oportunidades para que os alunos explorassem o local. Assim como pela vergonha que apresentaram no momento de fazer algumas perguntas mais críticas. De modo algum queremos depreciar o trabalho do guia, que foi essencial para a compreensão dos processos estudados, mas pudemos notar que a maneira como nós desenvolvemos a pesquisa de campo a tornou muito mais ilustrativa que problematizadora.

Compiani e Carneiro (1993) dividem as atividades de campo em categorias de acordo com os papéis didáticos assumidos por elas na aprendizagem, a saber:

excursões indutivas, centradas na figura do professor ou de um guia;

excursões motivadoras, que têm por objetivo despertar as paixões, curiosidades e o interesse por aprofundar os estudos; excursões treinadoras, que visam desenvolver habilidades específicas;

 e as excursões investigativas, que estimula os alunos a questionar e propor/resolver problemas.

Apesar da motivação estar presente na realização das pesquisas de campo com todas as turmas, as visitas realizadas pelos oitavos anos estiveram muito mais próximas da proposta de excursão indutiva, com menor participação dos alunos. Já a visita dos sétimos anos à Flona Nacional de Ipanema teve um aspecto característico das excursões motivadoras, embora não fosse pautada em um ensino não-dirigido, mas permitiu o estímulo da criatividade dos alunos, que adotaram uma visão questionadora perante os conteúdos estudados.

Assim, podemos concluir que o trabalho de campo é um instrumento a favor da aprendizagem significativa dos conteúdos escolares, mas notamos também um limite da teoria utilizada para nossa análise desta metodologia na escola. O trabalho de campo, quando desenvolvido a partir de uma visão de ensino problematizadora (e com condições estruturais que permitam isto), não apenas contribui para aprender melhor os conteúdos escolares de modo a permitir um conhecimento melhor de mundo, mas extrapola isto ao sustentar a possibilidade de construção de saberes para a vida, para uma mudança na forma como o indivíduo se relaciona com o mundo e a conscientização de seus problemas.