• Nenhum resultado encontrado

Aprendizagem da flauta transversal na infância

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.6. Aprendizagem da flauta transversal na infância

Tal como em outros instrumentos de sopro ou de cordas, a aprendizagem da flauta transversal na infância deve iniciar-se apenas quando as crianças já tiverem a estrutura e a força física para suportar o instrumento. Como já referido, Gary McPherson e Jane Davidson sugerem que a idade ideal para iniciar a aprendizagem de um instrumento de sopro como a flauta transversal não deverá ser nunca antes dos 6/7 anos (cf.: Davidson, & McPherson, 2006). Contudo, Pierre-Yves Artaud (n. 1946), importante flautista e pedagogo, sugere que deve ser considerada uma altura mínima de 130 centímetros, atingida normalmente entre os 8 e os 10 anos (cf.: Artaud, 1996).

Este requisito prende-se com as características dimensionais do instrumento mas também com questões relacionadas com o peso e com o equilíbrio da flauta transversal. Segundo Bemmel, Kooiman, Koppejan, e Snijders (2006), para suportar e posicionar correctamente a flauta é necessária uma posição assimétrica do corpo e um movimento de torção na mão

1 O conceito de auto-eficácia traduz-se no sentido de competência que o individuo forma acerca de si próprio na

22

esquerda (cf.: Bemmel, Kooiman, Koppejan, & Snijders, 2006). A torção referida é necessária devido ao centro de massa gravitacional da flauta se encontrar deslocado do centro do instrumento. Sem este movimento do pulso, sem o apoio da articulação metacarpofalângica2 da mão esquerda e sem o movimento compensatório do polegar da

mão direita a flauta roda sobre o seu eixo, não sendo possível tocar (cf.: Bemmel, Kooiman, Koppejan, & Snijders, 2006).

As características da flauta moderna com o sistema de chaves implementado por Theobald Bhoem e Mendler no final do século XIX trouxeram-nos muitas vantagens ao nível da execução técnica, mas também desvantagens como a descrita acima (cf.: Toff, 1979). Para além da execução técnica facilitada, as vantagens do modelo de Boehm de 1877 estão relacionadas com a utilização de chaves com sapatilhas para todos os dedos (em oposição aos orifícios simples dos modelos anteriores), com o aumento da amplitude do registo, com possibilidade de utilizar posições alternativas e com maior âmbito de dinâmicas. Outra vantagem para uma correcta posição dos dedos na flauta é o facto deste mecanismo poder ter as chaves abertas (cf.: Toff, 1979).

Com o desenvolvimento do ensino da música instrumental no século XX, a população de flautistas aumentou tendo como consequência a adaptação dos construtores de flauta aos interesses escolares. Surgiu assim a flauta de estudante, semelhante às flautas profissionais mas construída com materiais de menor qualidade. De entre as primeiras flautas de estudante estão as flautas construídas por Frank Aman Co. (1917) ou as construídas por Carl Fischer, Inc. (1928) (cf.: Toff, 1979).

Em 1947 surgiu uma versão mecanicamente simplificada da flauta Boehm proposta pela Armstrong Company. Esta mantinha as características essenciais da flauta Boehm eliminando as chaves de dó# e dó graves, as chaves de trilo, a chave de sb e o stopper movível3 (cf.: Toff, 1979).

2 Articulação entre os metacárpicos e as falanges.

3 O stopper é a peça que tem como funcionalidade vedar a extremidade esquerda do tubo da flauta. Esta pode ser

construída com diferentes materiais, sendo movível na maioria das flautas de forma a proporcionar o controlo da afinação (Toff, 1979).

23 Na aprendizagem da flauta, para além das características físicas e mecânicas já apresentadas, é importante ter em atenção a postura durante a prática do instrumento. Uma vez que para dominar um instrumento musical é necessário uma prática extensiva (cf.: Davidson, Howe, Moore, & Sloboda, 1996) é fundamental que esta seja feita com uma postura correcta tentando assim evitar lesões músculo-esqueléticas. Artaud debruça-se sobre a melhor postura para a prática da flauta transversal, descrevendo o posicionamento correcto dos pés, da bacia, da coluna vertebral, da cintura escapular dos braços, das mãos e da cabeça (cf.: Artaud, 1996).

Ao tocar de pé, o posicionamento dos pés influencia a dinâmica de todo o corpo. Estes não devem estar de frente para a estante de forma a que não haja torção do corpo para ler a partitura. A bacia, a coluna vertebral e a cintura escapular devem estar alinhadas e relaxadas na mesma direcção dos pés, ou seja, realizando uma diagonal em relação à estante. Os braços devem estar igualmente relaxados, apesar do posicionamento assimétrico, sendo a altura dos cotovelos de extrema importância para a movimentação livre dos músculos necessários para prática. Estes não devem estar nem demasiado próximos do tronco nem demasiado afastados. As mãos não devem prender a flauta mas sim segurá-la nos dois pontos de equilíbrio (o polegar da mão direita e a articulação metacarpofalângica da mão esquerda) de forma a manter a liberdade de movimento dos dedos. A posição da cabeça não deve prejudicar a respiração, devendo ser de frente para a estante (cf.: Artaud, 1996).

Toda esta complexidade associada à postura assimétrica necessária na aprendizagem e na prática da flauta transversal dificulta o processo essencialmente quando este acontece na infância. Como já referido, a estrutura física da criança deve conseguir suportar o instrumento para que a sua aprendizagem aconteça natural e progressivamente. Naturalmente, quando uma criança não reúne as condições físicas essenciais para iniciar a prática da flauta transversal, relembro que segundo Pierre-Yves Artaud a altura ideal será 130 centímetros, podem surgir dificuldades acrescidas no que respeita ao equilíbrio da flauta e ao posicionamento correcto dos cotovelos, das mãos e da cabeça.

24

Figura 1 - Flauta standard com cabeça curva

Figura 2 - Modelo simplificado da flauta de estudante com cabeça curva

Figura 3 - Flauta Fife

Para tentar responder a esta problemática surgiram soluções como a utilização de uma cabeça curva numa flauta standard (ver figura 1), a utilização do modelo simplificado da flauta de estudante com cabeça curva (ver figura 2), ou a utilização de uma flauta Fife (ver figura 3). A flauta standard com cabeça curva, consiste apenas na substituição da cabeça normal da flauta por uma cabeça curva, de forma a encurtar o tamanho da flauta. Neste caso, o peso e o comprimento do tubo mantêm-se os mesmos. Esta solução permite corrigir

25 a posição do cotovelo direito, conseguindo assim que todos os dedos cheguem às respectivas chaves. Contudo, a posição da mão esquerda não será a mesma, uma vez que o

lip plate fica acima das chaves, a mão esquerda fica mais próxima do tronco.

O modelo simplificado da flauta de estudante surgiu em meados do século XX. Este, como já referido, mantinha todos os componentes da flauta Boehm eliminando as chaves de dó e de dó#, as chaves de trilo e a chave de si!. Constituído apenas por duas partes, o modelo simplificado da flauta de estudante facilitava a aprendizagem das crianças, podendo ser utilizada com cabeça curva ou normal. Actualmente os modelos simplificados de flauta de estudante são feitos com materiais mais leves, mas também com menor qualidade. Apesar de facilitarem a iniciação à aprendizagem da flauta transversal, estes modelos tornam-se mais desequilibrados na distribuição do peso entre as mãos esquerda e direita devido ao facto de o tubo ser mais curto.

A Fife é uma flauta feita de plástico, muito leve, pesando apenas 67 gramas. Esta flauta, graças à sua simplicidade e material de construção, é de muito fácil transporte assim como de fácil limpeza, não necessitando de qualquer cuidado especial. Este instrumento não possui chaves, tendo apenas orifícios. Apesar de constituído por duas partes, não necessita de ser desmontado para ser transportado. Uma vez que não tem o mecanismo de chaves implementado por Boehm, a dedilhação de algumas notas nesta flauta é diferente da da flauta transversal (ver anexos 1 e 2). A flauta Fife, é um instrumento muito utilizado na iniciação da aprendizagem da flauta transversal por crianças a partir dos 5 anos de idade. De acordo com a minha experiência pessoal e profissional enquanto aluna e docente de flauta, as soluções existentes actualmente não suprimem todos os problemas que podem diminuir a qualidade da aprendizagem deste instrumento na infância. A cabeça curva, apesar de encurtar o comprimento da flauta e corrigir parcialmente a postura, aumenta o desequilíbrio já existente na flauta, aumentando o peso na sua extremidade esquerda. O alinhamento da flauta fica também comprometido devido ao facto de os lábios e as mãos não ficarem no mesmo eixo. Da mesma forma o modelo simplificado da flauta de estudo provoca desequilíbrio por ser constituído por apenas duas partes (cabeça e corpo). A sua versão com cabeça curva acentua esta característica. Estas duas soluções facilitam uma

26

postura correcta em crianças com os membros superiores curtos mas dificultam bastante o suporte e o equilíbrio do instrumento e consequentemente a destreza mecânica dos dedos. A solução apresentada pela flauta Fife alicia em diversos aspectos, como a dimensão, o peso, a facilidade de limpeza e o baixo custo, contudo, o facto de não ter chaves mas apenas orifícios pode dificultar bastante a evolução técnica do aluno. A diferente dedilhação das notas com alterações é também um factor que complica a evolução do aprendiz dificultando a transição para a flauta standard.

A inexistência de uma opção que suprima todos os problemas associados à prática da flauta transversal na infância, essencialmente antes de o aluno atingir a maturidade física necessária, motivou o desenvolvimento da investigação presente. No capítulo seguinte será apresentado todo o processo de escolha do tema, da elaboração da questão de partida e da formulação da hipótese a ser verificada com investigação prática.

27

Documentos relacionados