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Apresentação e deslocamentos discursivos do vídeo “Jingle Político que só fala a verdade”

No documento Indiretas Já: a crítica social no riso (páginas 51-56)

4. ESTUDO DE CASO: PRODUÇÕES HUMORÍSTICAS DE MARCELO ADNET

4.2. Apresentação e deslocamentos discursivos do vídeo “Jingle Político que só fala a verdade”

O outro vídeo analisado é a esquete cômica “Jingle Político que só fala a verdade”61.

Esta foi a cena final da terceira edição do programa “Tá No Ar: A TV na TV”, veiculada pela Rede Globo de Televisão no dia 24 de abril de 2014. O vídeo musical é uma paródia

58 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/07/1318177-mtv-ressucitara-na-tv-paga- tentando-atrair-geracao-milenio.shtml. Acesso em: 4 jun. 2015.

59 Audiência essa que foi registrada na estreia da terceira temporada do “Comédia MTV ao Vivo”.

60 1 ponto de IBOPE equivale a 65.201 domicílios e 193.281 indivíduos na região da Grande São Paulo; e 39.600 domicílios e 109.982 indivíduos na Grande Rio de Janeiro. Informações disponíveis em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/ibope-reajusta-valor-do-ponto-de-audiencia. Acesso em: 4 jun. 2015.

61 Disponível em http://globotv.globo.com/rede-globo/ta-no-ar-a-tv-na-tv/v/propaganda-eleitoral-gratuita- um-jingle-que-so-fala-a-verdade/3303632/. Acesso em: 31 mai. 2015.

às propagandas políticas exibidas em período de eleição, nas quais os candidatos mostram suas ações positivas para o povo, além de propostas futuras, tentando conquistar o voto do eleitor.

Em cena, Marcelo Adnet vive o político que está tentando se eleger, protagonizando uma série de atos que compõem as produções padrões desse tipo de comercial. Porém, a música desconstrói a mensagem da propaganda política, esclarecendo as mensagens subliminares do vídeo e imitando as cenas típicas desse tipo de situação, criando uma relação de semelhança com as propagandas reais.

O vídeo começa com uma melodia calma. Na cena aparecem alguns atores de diferentes etnias e, na sequência, o seu protagonista como o líder de todos os tipos de pessoas: “Um ator negro olha pro céu, com ar de esperança/ um índio, uma catarinense, uma japonesa criança./ O candidato quer passar a imagem de que é amado por toda a gente. Coloca um chapéu de engenheiro e aponta pra frente” (ADNET et alli, 2014). Depois, o político passa por uma série de ações clichês nas quais candidatos tentam criar uma boa imagem com seu eleitorado, enquanto a melodia enaltece essa imagem de herói. Ao fim, a música ganha força, com um coral de crianças cantando o jingle, enquanto o político aparece no meio do povo, com direito a uma chuva de papel picado em cenas em câmera lenta, com o objetivo de emocionar o eleitor. A partir daí, o que ganha destaque é o número do candidato, pois já não importa o que ele fez no passado. A prioridade é que o espectador não esqueça o número no qual ele deve votar no dia da eleição.

Mais uma vez há na construção da paródia a preocupação na composição da verossimilhança do personagem principal, já que o espectador precisa reconhecer aspectos precisos da realidade para que a paródia seja efetiva. Ou seja, o candidato interpretado por Adnet precisa agir e parecer com o perfil “padrão” dos políticos. “A identidade estrutural do texto como paródia depende, portanto, da coincidência, ao nível da estratégia, da descodificação (reconhecimento e interpretação) e da codificação” (HUTCHEON, 1985, p- 50-51).

E para isso, a construção e reconhecimento do público sobre este indivíduo é proporcionada não somente na estética do vídeo, seja na aparência sempre correta do político sorridente, que usa camisa social e cabelo arrumado – algo que destoa quando ele está no meio do povo –, seja no uso de outros elementos alegóricos, como bandeirinhas, a carreata e os adesivos típicos da propaganda eleitoral de rua, mas também nos atos do personagem.

No vídeo, o candidato interpretado por Adnet encena diversas ações clichês para construir sua boa imagem em diferentes cenários, mas a principal ferramenta para esta missão é através do contato com o povo das ruas. Os trechos “Dobra a manga da camisa/ Se sente do povo e vai comer pastel […] Ele cola adesivo no peito de senhoras carentes/Ele abraça pessoas aleatoriamente […] Beija bebês no colo das mães/Abraça gente suada e tira fotos no celular” (ADNET et alli, 2014) traduzem bem esta ideia, pois o personagem pratica cada uma dessas ações, para demonstrar como ele é um legítimo representante da população. Durante todo o vídeo, a música enumera estas atitudes típicas, que frequentemente aparecem nas propagandas eleitorais.

Na sequência, o vídeo também critica esse tipo de atitude, desestruturando-a com o seguinte trecho: “Está no meio do povo com toda essa confiança/ Só porque está protegido por policiais que fazem bico de segurança” (ADNET et alli, 2014). Nesta hora, aparecem outros dois atores do programa “Tá No Ar: A TV na TV”, Márcio Vito e Maurício Rizzo, ambos com semblantes sérios e usando óculos escuros, mas que já estavam acompanhando o protagonista durante todo o vídeo. Dois elementos alegóricos que, sutilmente, estavam inseridos na produção, e que ganham destaque somente a partir desse momento, se transformando em elemento fundamental na desconstrução da imagem do político ideal. Ainda nessas cenas, outro fator atenuante é a interpretação de Adnet, pois ele compõe um personagem com olhar superior, que tenta chamar o público de forma simpática, mas, toda vez que aparece uma oportunidade, limpa as mãos na camisa, em uma atitude prepotente.

Além dessa posição de representante do povo, o candidato sempre tenta mostrar como é trabalhador e como suas obras realmente são importantes para a população. Então, são comuns cenas do político sorridente lidando com seu ofício em um escritório, ou comendo em um refeitório de uma escola pública. Porém, a canção completa o significado das imagens, distorcendo-as e revelando as mensagens subliminares. Como afirma a paródia, ele aparece assinando um decreto, mas, na verdade, aquilo é só um pedaço de papel. Já, quando ele aparece na escola, a letra indica: “ele come pela primeira vez, no bandejão escolar/ E elogia a comida que os seus filhos nunca vão provar” (ADNET et alli, 2014). Ele enaltece uma obra de seu governo, porém não é algo que utiliza em sua vida particular, o que faz o espectador pensar na qualidade do que está sendo oferecido.

O vídeo demonstra, assim, as sobreposições que Linda Hutcheon (1985) designa para as funções da ironia e da paródia. A primeira assinala o contraste entre aquilo que é afirmado e aquilo que é intencionado e “pode ser vista em operação a um nível

microcósmico (semântico) da mesma maneira que a paródia a um nível macrocósmico (textual) porque também a paródia é um assinalar de diferença, e igualmente por meio de sobreposições” (HUTCHEON, 1985, p-74). Assim, o vídeo segue utilizando, de forma híbrida, essas duas ferramentas do riso, pois enquanto as imagens dialogam com a estética e os padrões de uma produção normal deste porte, a letra da canção dirige-se diretamente ao espectador, desestruturando as cenas relatadas.

O clímax ocorre no final do vídeo. Quando aumenta o volume da música, surgem várias pessoas balançando bandeirinhas, teoricamente, apoiando o candidato, mas, a letra afirma que são somente figurantes que ganharam dez reais para fazer uma coreografia encenada e que estão fingindo se importar com os rumos políticos do país.

No trecho seguinte, outros elementos visuais também são utilizados nesse jogo de contextos. Uma montagem de fotos, nada sutil, coloca o vice ao lado do candidato, enquanto a música revela que, na realidade, eles nem se conhecem na vida real. Depois, a tela é preenchida com vários sinais de “número” grandes piscando, ao som de uma música animada. Após a “construção” da imagem do candidato, é esta a informação relevante que a propaganda quer destacar e que o eleitor deve lembrar.

Uma montagem faz aparecer o vice ao seu lado/ Eles nunca nem se encontraram/ A foto é feita por computador/Agora vai piscar o número para o eleitor/ Número! Número! número! número! Número!/ Esqueça tudo o que eu roubei/ Mas não esqueça o meu número! (ADNET et alli, 2014).

Para finalizar, rapidamente são exibidas as frases que, normalmente, procuram promover as ideias do candidato e os grupos que o apoiam. Mas, no “jingle político que só fala a verdade”, ele trata esse tópico de forma irônica, anunciando uma promessa absurda na tela - “Metrô Manaus-Porto Alegre” - e depois coloca várias de siglas aleatórias que representam outros partidos que apoiam o candidato.

Voz grossa traz credibilidade para falsa proposta número 1 / Falsa proposta número 2 /E uma grande promessa incumprível/ Uma coligação formada por diversos partidos/ Que não estão nem ai para o programa de governo/ E estão apenas interessados em algum cargo/ Caso o candidato se eleja. (ADNET et alli, 2014).

Ambos os exemplos utilizam exageros e absurdos para promover o riso e acentuar a ironia em um tema considerado sério. Mas “um ser humano só ri do que conhece. Mesmo que haja um estranhamento ou uma distorção, o objeto do riso tem de ser conhecido para

ser decodificado” (SANTOS, 2012, p-35). Então, além de exibir clichês já impregnados no público, o uso de ferramentas visuais e a estética similar do objeto original ajudam na identificação, provocando o espectador para que perceba as manipulações e os jogos de interesses que podem existir no universo político e são apontadas pela paródia.

Um aspecto importante a ser ressaltado é autorreferencialidade presente no vídeo, pois o assunto da esquete cômica é outra produção veiculada no mesmo meio midiático, a televisão. Ao analisar outras atrações humorísticas que compartilham desta característica crítica social, Marina Caminha explica como o uso de ferramentas paródicas podem apontar “para o público a necessidade de interpretar os usos dos códigos televisivos para a produção de sentidos políticos” (CAMINHA apud RIBEIRO, 2010, p-210). O vídeo chama a atenção para a função simbólica desta mídia e como os artifícios utilizados por ela podem construir uma ideia, ou no caso, a imagem de uma pessoa. A função da paródia é desestruturar esse imaginário, apontando o ridículo da situação.

Essa não foi a primeira vez que Adnet apresentou um personagem que tenta expressar a verdade por trás dos esquemas políticos. Um dos quadros que o humorista protagonizava no extinto “Comédia MTV” era o candidato do Partido da Sinceridade (PS), um político que assumia que ia fazer parte de esquemas de corrupção e que só pretendia roubar o dinheiro do povo.

9999, confirma, não se esquece,/Marcelo Adnet, sinceridade é com o PS/ Desvia verbas da merenda escolar, fraudar licitações/ você já sabe em quem votar / Marcelo faz alianças sem critério/ com um rico empresário, um corrupto salafrário/ Qualquer um que o apoie o no plenário (ADNET, 2010)62

A edição do “Tá No Ar: A TV na TV” com a esquete “Jingle Político que só Fala a Verdade” obteve uma audiência entre 9 e 11 pontos63 no IBOPE e foi um dos assuntos

mais comentados no twitter durante sua veiculação. Além de ter audiência significativa, o vídeo foi aprovado pela crítica64 e muito compartilhado nas redes sociais e em blogs

culturais, humorísticos e políticos. Porém, a esquete voltou a ganhar relevância midiática65

seis meses depois de sua exibição original, durante as eleições 2014, já que diversos

62 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PYGvxM_UTmI. Acesso em: 4 jun. 2015.

63 Informações de audiência disponíveis em http://audienciadatvmix.com/2014/04/25/consolidados- 240414/. Acesso em: 4 jun. 2015

64 Disponível em http://noticias.r7.com/blogs/querido-leitor/clip-final-do-programa-do-adnet-nao-e- original-mas-e-genial/2014/04/25/. Acesso em: 1 jun. 2015.

65 Disponível em http://caraqueloucura.blogspot.com.br/2014/09/jingle-politico-que-fala-verdade.html e http://www.atoananet.com.br/humor/permalink/225508/jingle-politico-que-fala-somente-a-verdade.htm. Acesso em: 4 jun. 2015

internautas passaram a comparar o vídeo com as propagandas de candidatos reais, ou compartilhando a esquete como forma de protesto pela situação política do país.

No documento Indiretas Já: a crítica social no riso (páginas 51-56)