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Alguns pressupostos do pensamento bakhtiniano, abordados na seção anterior, foram importantes para reiterarmos nosso percurso metodológico frente aos nossos objetos de investigação: os textos de apresentação e as orientações dadas ao professor na atividade de produção textual no interior do livro didático.

Conforme tratado no capítulo 1, nossa pesquisa assume um caráter qualitativo. Esse tipo de pesquisa costuma ser direcionada ao longo do seu desenvolvimento; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos, conforme Neves (1996). Ainda segundo este autor (1996, p. 1), faz parte da pesquisa qualitativa a “obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo.” Nesse tipo de trabalho, “é frequente que o pesquisador procure entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados.” (Ibid., p. 1) É em relação a essa interpretação dos fenômenos estudados que Bakhtin se refere no fazer científico nas ciências humanas, ou seja, “o fazer científico nas ciências humanas se materializa por gestos interpretativos, por contínua atribuição de sentidos [...] e não por gestos matematizadores.” (FARACO, 2010, p. 41).

Em relação ao objeto das ciências humanas, entendemos, de acordo com a perspectiva dos estudos do Círculo de Bakhtin, que é o texto, visto como enunciado singular e irrepetível, que fundamenta a pesquisa na área das Ciências Humanas. Bakhtin ([1952-53],2010, p.308) declara que o ponto de partida de uma pesquisa, nas ciências humanas, independente dos objetivos, somente poderá ser o texto e, a verdadeira essência deste “sempre se desenvolve na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos” (Ibid., p. 311). Para o estudo dos enunciados, nessa área, ocorre um duplo encontro, pois “é o encontro de dois textos – do texto pronto e do texto a ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro de dois sujeitos, dois autores.” (BAKHTIN, [1956-61], 2010, p. 331).

Conforme o pensamento bakhtiniano, diante da área das ciências humanas e considerando o conceito de compreensão responsiva ativa, o fazer científico envolve um trabalho com textos, entendidos como enunciados, concretos e singulares, a partir de gestos de interpretação do pesquisador. É nessa direção que segue nosso percurso metodológico, apoiado numa análise interpretativa, baseada num vínculo: linguagem e contexto histórico.

Para construirmos nosso percurso metodológico, levaremos em conta a ordem metodológica proposta por Bakhtin/ Volochinov (1929/1986) para o estudo da língua. Nesse método sociológico, deve-se partir da interação verbal, de acordo com seu contexto, chegando aos enunciados até as formas da língua. Seguindo a seguinte ordem, conforme os autores:

1 – As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza.

2 – As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.

3 – A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/1986, p.124)

Considerando essa abordagem, que parte do exame do contexto mais amplo até o mais específico, analisaremos nosso material (os textos de apresentação ao professor e as orientações dadas ao professor na atividade de produção textual) a partir do contexto do qual fazem parte, chegando até seus enunciados, procurando neles marcas linguísticas que evidenciem as características da concepção de professor presente nos textos de apresentação ao professor e nas orientações dadas ao professor na atividade de produção textual nos livros didáticos de português dos anos 1990, 2000, 2010.

Assim, nosso trabalho de análise será baseado na leitura e descrição dos textos de apresentação, bem como das orientações dirigidas ao professor na atividade de produção textual no interior do livro a fim de os interpretarmos de modo ativo.

4 DESCRIÇÃO DO MATERIAL DE ANÁLISE

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o seu interlocutor. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/1986, p. 113).

Neste capítulo, objetivamos realizar uma descrição dos textos de apresentação a serem analisados e das orientações ao professor na atividade de produção textual no interior dos livros. A descrição estará marcada pelas inúmeras leituras dos textos e é através dessa ação que iremos tecer nossos comentários. À medida que descrevermos, buscaremos a relação do olhar do autor em direção ao professor como categoria de base para este trabalho, pois essa categoria irá nos permitir conhecer a concepção de professor construída pelo autor. A leitura dos textos, de acordo com essa categoria, fez-nos perceber que a relação (autor e professor) se marca a partir de duas subcategorias, isto é, se materializa de duas formas: a) a forma de tratamento do autor em relação ao professor; b) o conhecimento do professor de Língua Portuguesa sobre os estudos linguísticos e pedagógicos suposto pelo autor do livro didático. Buscaremos essas marcas discursivas na abertura, em algumas passagens e no fechamento dos textos.

Dessa forma, essas categoria e subcategorias direcionarão a descrição do material de pesquisa para, posteriormente, conseguirmos analisar e interpretar nosso objeto de análise, a fim de responder à questão norteadora desta pesquisa.