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APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE AS INFORMAÇÕES OBTIDAS NAS

O uso e o abuso do álcool é um forte agravante da violência doméstica. Muitas vezes, após o consumo do álcool a pessoa torna-se extremamente agressiva, e com a embriaguez nem se lembram dos detalhes do que fizeram. No entanto, quando não bebem, as esposas ou companheiras caracterizam-nos como sendo pessoas excelentes. Tal comportamento é típico das pessoas com patologia do alcoolismo.

Em Cabo Verde, o consumo do álcool é um agravante da saúde pública visto que 40,3% da população de Cabo Verde consome álcool todos os dias.

Uniform: o primeiro episódio de violência dois meses após quando tínhamos morado na mesma casa. Ele é um bom namorado, se ele não usar bebidas alcoólicas, a partir do momento em que ele bebe bebidas alcoólicas, ele começa a ser agressivo.

Chegou bêbado em casa e começou a chamar-me nomes obcenos e agrediu-me fisicamente.

Oscar: Foi um dia em que estivemos num guarda cabeça, ele bebeu um pouco, começou com cenas de ciúmes, a ameaçar-me com bofetadas na cara e a falar em voz alta.

Om… eu gosto dele e ele gosta de mim. Só temos problemas quando ele bebe. Quando está sem problemas de bebida ele é uma excelente pessoa.

Hampton e Coner (1993:113-141) reconhecem existir uma relação entre certos comportamentos aditivos, em particular o consumo do álcool e a violência conjugal, pois afirmam que “apesar do homem maltratante agredir a mulher tanto quando está alcoolizado como quando está sóbrio, ele tende a ser mais violento sob o efeito do álcool.”

Oscar afirma:

Não tinha conhecimento do gabinete. A minha filha mais velha é que me informou sobre a existência deste gabinete. Fomos juntas.

De facto, existem muitas mulheres agredidas que desconhecem as alternativas legais e sociais ao seu dispor para pôr fim a uma relação conjugal violenta. No entanto, existem outras que conhecendo esses meios, optam por permanecer junto dos conjugues maltratantes. Tal como referem Choice e Lamke (1997:290-314), “todas as mulheres têm a possibilidade de escolher se mantêm ou abandonam as suas relações conjugais, mas nem todas as mulheres possuem a percepção de que dispõem desta possibilidade, nem sequer têm uma posição de igualdade para o assumir.

Daí começamos a falar, ele sempre pedindo desculpas pela situação que passámos e com tudo isso tornamos a reatar a relação.

O ciclo da violência é caracterizado pela continuidade no tempo, isto é, pela sua repetição ao longo de meses e anos, sendo cada vez menores as fases de tensão e apaziguamento e cada vez maiores as fases de ataque violento podendo culminar em situações de limite que é o homicídio.

Este ciclo funciona como um sistema circular. Apresenta três fases:

1. O aumento da tensão acumuladas pelo agressor no dia-a-dia e que não consegue resolver, criando um ambiente de perigo eminente para a vítima que muitas vezes é culpabilizada por essas tensões.

2. A do ataque violento em que o agressor maltrata a vítima física e psicologicamente de forma intensa, podendo ficar em estado grave, necessitando de tratamento médico.

3. A lua-de-mel o agressor manifesta-se arrependido e com promessas que já não vai voltar a ser violento fazendo-a acreditar que foi a última vez que ele se descontrolou. Mostra motivos que a vítima desculpabiliza o comportamento violento ou até culpabilizar a vítima pelo seu comportamento. Esta fase é vivida pela vítima numa constante situação de medo esperança e amor.

Segundo (Walker, 1983: 31-48), as mulheres agredidas pelos maridos vivem num constante ciclo de violência, isto é, numa espécie de desânimo apreendido que as ensina formas de se tornarem indefesas e passivas.

Eco: Medo, medo de ser agredido outras vezes, aliás de represálias, dependência emocional, económica e esperança que o agressor mude de um momento para o outro... vergonha, falta de coragem, falta de alguém para encorajar.

Alpha: (…) Era para isso. Então a mulher era como um objeto. Não tinha os mesmos direitos que os homens, então o homem subjugava a mulher e ainda hoje, em pleno séc. XXI há muitos homens que pensam que realmente a mulher ainda não tem esses direitos. Pensam fazer da mulher o que bem entender. Violam os direitos da mulher e nessa óptica e a mulher na maior parte das vezes acha que os homens têm mais direitos que a mulher precisamente porque é o homem que sai de casa para procurar um dia de trabalho, a mulher porque ao longo da historia teve e muitas ainda tem uma fraca habilitação literária então porque não conseguiram encontrar um patamar escolar que lhes pudesse dar uma formação,

sair de casa e ir à procura de um dia de trabalho, trabalhar num gabinete tal como o homem então elas acham que ainda o homem tem algum poder sobre elas. Mas há mais um conjunto de outras situações para além da violência cultural aquela violência psicológica falta de formação profissional, o desemprego também porque a maior parte das pessoas que estão no desemprego são as mulheres e por isso há ainda aquela cultura que as mulheres não têm o mesmo direito. As mulheres na maior parte das vezes não tratam os seus assuntos porque pensam que ainda têm que estar submissas ao homem.

Para Gelles (1997:88), a violência doméstica “tanto é praticada por aqueles que têm muitos recursos, como por aqueles que não possuem em quantidade suficiente.”

Ainda, no âmbito desta teoria, Dias (2004: 164) dá conta de uma outra forma de conceptualizar a relação entre poder e violência uma vez que passa pela tese da “inconsistência de status” que pressupõe uma família em que existe um desequilíbrio ao nível do status atribuído a cada conjugue. Isto é, um conjugue possui um status mais elevado do que o outro porque é dotado de mais recursos (por exemplo, nível de instrução, profissão, rendimento). Na família, esta superioridade tradicionalmente é atribuído ao homem quer como pai, quer como marido. No entanto, actualmente é cada vez maior a possibilidade de mobilidade social ascendente para as mulheres, o que lhes permite participar em domínios que eram exclusivos do sexo oposto (como o rendimento da família, as decisões relativas a investimentos e a educação dos filhos, etc.).

A assistência no serviço de urgência é muitas vezes fragmentada e necessariamente orientada para as situações de vida ou morte. Assim, “as mulheres não são avaliadas correctamente e como consequência, recebem pouco ou nenhum apoio emocional ou intervenções específicas para as suas necessidades” (Stanhope e Lancaster, 1999: 820).

Muitas mulheres espancadas têm relutância em identificar-se como vítimas de violência doméstica por um número de razões complexas como o medo que a revelação venha posteriormente a prejudicar a sua segurança, a aumentar a sua vergonha, a humilhação ou a minimizar a natureza repetitiva e grave da violência.

Uniform desabafa:

Porque de vez em quando ele agride-me verbalmente…Eu sempre contive a minha tristeza e não falava disso com ninguém, chegou um certo tempo, comecei a saturar de tanta tristeza, e um dia resolvi procurar uma psicóloga e desabafar a minha tristeza.

Muitas mulheres vítimas de violência conjugal consideram o abuso psicológico como sendo mais doloroso e prejudicial que o abuso físico. Em vários estudos se encontram referências à humilhação psicológica e à agressão verbal como formas de violência mais graves inclusive, do que a violência física. Neste sentido, Murphy e Cascardi (1993: 103) consideram que “relativamente pouca investigação tem sido dedicada aos efeitos específicos aos abusos psicológicos porque, normalmente, ele é visto como sendo inseparável do abuso físico ou como um componente das relações conflituosas em geral” (Dias, 2004: 118).

Relativamente ao cuidado, Eco diz:

Dentro da nossa realidade sim. Os sistemas de saúde em Cabo Verde ainda não conseguiram dar o salto qualitativo. Dentro do nosso contexto a nossa actuação é boa.

O cuidar de Hesbeen (2001) é um objectivo comum a todos os profissionais de saúde “é a intenção comum” que deve presidir na equipa multidisciplinar e que será depois diferenciada pela especificidade de cada profissão, exercida em complementaridade, em prol do “alvo” comum que e o cliente. Cuidar em saúde é ir ao encontro da outra pessoa no sentido de a ajudar a desenvolver o seu projecto de saúde e de a acompanhar nesse processo. Para isso, é preciso que os profissionais do sector desenvolvam uma relação com os clientes, capaz de gerar a confiança necessária ao reconhecimento da sua capacidade de os ajudar na resolução de determinada situação.

Para conseguir esse nível de relacionamento terapêutico, são requeridas competências a nível técnico, cientifico e ainda qualidades humanas.

A principal função da equipa de enfermagem no atendimento às vítimas de violência doméstica é o de acolher, saber ouvir, escutar, estar atenta à comunicação verbal e não-verbal, estabelecer vínculo e relação de confiança com a vítima, utilizar um diálogo terapêutico inscrito no conceito de autonomia, exprimir a humanidade que descobrimos nas marcas dos outros e em nós (Malherbe, 1994).

Uma pessoa verdadeiramente autónoma consegue compreender que as regras que se encontram inscritas em si, determinam a sua pertença na humanidade, as suas competências, as suas fragilidades, as suas singularidades e diferenças (Hesbeen, 2001). Estas regras essenciais a cada pessoa terão de estar presentes no diálogo enfermeiro- essoa que necessita de cuidados).

Segundo Malherbe (1994) para trabalhar e ajudar as MVVD é preciso: . Reconhecer (a presença, a diferença e a igualdade);

. Assumir (a solidão, a finitude e a incerteza);

. Cultivar (a solidariedade, a dignidade e a liberdade);

Podemos afirmar, como diz Colliére, (2003), que este diálogo se “...situa na encruzilhada do que faz viver e morrer; é comunicar vida; é deixar existir; é desenvolver o que permite viver; é compensar o que coloca obstáculo á vida; é acompanhar a morte; é criar no quotidiano.”

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