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4. A eventual não-recondução da PGR: um tema político e “polémico”

4.1. Apresentação do tema

A 9 de janeiro de 2018 todos os meios de comunicação abriam os noticiários de manhã com as declarações de Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, em entrevista à TSF44: o mandato da procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, não iria ser renovado. A ministra sustentava-se na Constituição dizendo que esta prevê um mandato “longo e único” para a PGR, que no caso de Joana Marques Vidal se iniciou em outubro de 2012, nomeada pelo Presidente da República (PR), Cavaco Silva, durante o governo PSD/CDS. Passados então seis anos, o mandato da PGR terminará em outubro deste ano.

A Constituição Portuguesa (CRP) prevê no artigo 133º/m que o cargo de procurador- geral da República é nomeado e exonerado, sob proposta do Governo, pelo Presidente da República. Tem ainda a duração de seis anos, conforme refere o artigo 220º/3 da CRP, mas nada indica que não seja possível a renovação do mandato, se o Governo e o PR assim o entenderem. A introdução da duração de seis anos no mandato da PGR deu- se em 1997, depois do procurador Cunha Rodrigues ter ocupado o cargo durante 16 anos (1984-2000). Os dois procuradores que sucederam a Cunha Rodrigues, Souto de Moura (2000-2006) e Pino Monteiro (2006-2012), cumpriram seis anos de mandato sem renovação.

Então porquê a polémica, se as declarações da ministra são conformes com o que está estipulado na lei e, nos últimos 18 anos, estabelecido como procedimento recomendável? Em primeiro lugar, as vozes críticas das declarações da ministra acusaram Francisca Van Dunem, apoiada pelo Governo, de ter motivações políticas para a não recondução de Joana Marques Vidal. Isto porque Joana Marques Vidal é vista pela opinião pública como uma figura de grande importância, que foi nomeada

44 A entrevista foi transmitida na íntegra na rádio, no programa “manhã da TSF”. Para além da transmissão em direto, publicou-se no site da TSF três artigos relativos à entrevista, sendo um deles apenas sobre a declaração da ministra da Justiça sobre a não renovação do mandato da PGR. Cada artigo inclui vídeo e áudio das declarações, mas não inclui a pergunta prévia do jornalista. Não há também referência ao autor (ou autores) que realizou a entrevista. Contactou-se a TSF na tentativa de obter a entrevista na sua totalidade, pedido que não chegou a ser satisfeito.

pelo anterior governo de direita (coligação PSD-CDS), por ter encabeçado uma série de processos de Justiça muito mediáticos e sem precedentes na vida política portuguesa, que atingiram importantes figuras políticas, especialmente do PS, e do meio financeiro: a Operação Marquês, por exemplo, que proporcionou a detenção de José Sócrates, antigo primeiro-ministro socialista; a Operação Fizz, que envolveu vários políticos angolanos relevantes; a megaoperação, ainda em segredo de justiça, sobre a família Espírito Santo; o caso do assalto de armas em Tancos; ou, mais recente ainda, o Caso Raríssimas, entre outros. Muitas das críticas que se registaram nos meios de comunicação, na sequência da entrevista feita a Francisca Van Dunem, utilizavam também como argumento a fragilização da figura da PGR quando ainda faltavam mais de seis meses para em outubro se tomar a decisão.

Após a reprodução da entrevista, em direto, na emissão da TSF, vários meios de comunicação (incluindo a própria TSF) destacavam como informação mais importante a reter a não recondução do mandato da PGR. Francisca Van Dunem, contudo, não revelou esta informação como um anúncio ou uma tomada de posição: a ministra limitou-se a fazer a sua “análise jurídica” da duração do mandato em resposta a uma pergunta que o jornalista lhe colocou, sustentando que a Constituição previa um “mandato longo e único” e que era esta a ideia que ela tinha – não concretizando em nenhum momento se esta era uma decisão já ponderada e assumida pelo Governo. Contudo, a leitura dos jornais não foi errada. De facto, Francisca Van Dunem estava a afirmar, tacitamente, que o mandato de Joana Marques Vidal não seria renovado. A polémica, de acordo com os meios de comunicação, assentava mais no timing da afirmação do que na própria afirmação – quase dez meses antes do fim do período de seis anos. É possível afirmar que a polémica e “burburinho” à volta deste tema se foi construindo nos jornais – através de entrevistas ou declarações nos meios de comunicação, que depois eram reproduzidos em forma de notícia. No caso do Expresso, foi notícia de destaque no próprio dia no site; mereceu a elaboração de artigos exclusivos; também proliferam artigos de opinião, inclusive o editorial do semanário; o tema (direta ou indiretamente) apareceu várias vezes mencionado na primeira página do jornal. Um artigo do Expresso, por exemplo, publicado no site no dia 9 de janeiro, que dava conta do “mal-estar” do Presidente face às declarações da ministra, levou a que este se pronunciasse sobre o tema, à SIC. A maioria dos artigos publicados pelo Expresso foi realizada por jornalistas da secção de Política, mas contou também com

alguns trabalhos de jornalistas da secção de Sociedade, uma vez que este é um tema relacionado com a Justiça.

A visibilidade do assunto também pode ser explicada pela coincidência de eventos políticos a decorrer em simultâneo. Nesse mesmo dia em que saiu a entrevista, realizou- se o primeiro debate quinzenal do ano no parlamento. O mediatismo que o tema levantou acabou por ter fortes implicações neste debate, levando à discussão e utilização do assunto por parte da oposição. Foi, como referiu o Expresso, o tema que “dominou o arranque do debate quinzenal”45

. Realizou-se também, uma semana depois, a abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça. As declarações da ministra também tiveram algum impacto no decorrer da campanha eleitoral para as eleições internas no PSD, realizadas poucos dias depois da entrevista a Francisca Van Dunem, a 13 de janeiro.

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