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APROXIMAÇÕES À TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE HABERMAS

No documento Brasília, outubro de 2009 (páginas 178-200)

OS PONTOS DE PARTIDA

Perguntamo-nos de que trata aquilo que se denomina informação e como o pensamento contemporâneo, em seus esforços reflexivos mais radicais, incorpora a informação – assim como os enunciados e enunciadores que a inscrevem em saberes, ações e artefatos – como sintoma ou como questão.

Se é da ordem das transformações atuais das práticas e dos fatos, radical-mente datada e ancorada no tempo e no espaço, ou se é algo que, estando sempre lá, emerge numa hora e à luz de um desafio: desafio que comove e que exige maior acuidade do olhar do homem sobre o devir da humanidade.

Habermas foi escolhido para acompanhar-nos nesta reflexão, por seu esforço em problematizar as questões contemporâneas à luz do horizonte epistemológico que oferece a filosofia em interlocução com as ciências humanas e sociais, em suas abordagens inter e pós-disciplinares.

De fato, as ciências ditas sociais não o seriam somente por tratar-se de uma construção de segundo grau sobre a produção social de sentido (GIDDENS, 1978; HABERMAS, 1994), mas justamente porque as questões e fenômenos com que lidam são expressão daquilo que acontece no tempo e na dimensão de um processo social. É nessa direção do pensar o presente que perguntar pela informação nos remeteria ao lugar que a linguagem ocupa no cenário contemporâneo.

5. A INFORMAÇÃO NO

Com esse ponto de partida, consideraremos a informação, assim como a literatura e o documento, como manifestações históricas e sociais da lingua-gem (WILLIAMS, 1979), o que faria da informação, ao mesmo tempo, um sintoma e uma questão contemporânea acerca dos usos sociais da linguagem.

Em seu texto sobre “a comunidade por vir”, Agambem afirma a prioridade da linguagem para ocupar o lugar de uma “abstração real” do mundo contemporâneo:

...a era em que vivemos é aquela em que, por primeira vez, é possível para os homens a experiência de seu próprio ser linguístico, não de este ou aquele conteúdo da linguagem, mas a linguagem nela mesma, não esta ou aquela proposição verdadeira, mas do próprio fato de falar (AGAMBEM, 2001, §82.3)2.

Nossa proposta, logo, seria identificar, em Habermas, sua propedêutica pragmática a uma teoria social e sua teoria do agir comunicativo, os aportes para uma teoria crítica acerca da informação3.

O PENSAMENTO ACERCA DA INFORMAÇÃO, HOJE:

ENTRE OBSERVADORES E PARTICIPANTES

De modo muito geral, poderíamos dizer que a reflexão acerca da infor-mação seguiria hoje algumas direções principais.

Uma, com referências na filosofia analítica e sua extensão platônica, a denominaremos a concepção fregeano-poppereana da informação (a que, em

2. Numa citação mais extensa da versão em inglês “...Even more than economic necessity and technological development, what drives the nations of the earth toward a single common destiny is the alienation from linguistic being, the uprooting of all peoples from their vital dwelling in language. For this very reason, however, the era in which live is also that in which for the first time it is possible for humans to experience their own linguistic being- nor this or that content of language, but language itself, nor this or that true proposition, but the very fact that one speaks. Contemporary politics is this devastating experimentum linguae that all over the planet unhinges and empties traditions and beliefs, ideologies and religions, identities and communities.”

(AGAMBEM, 2001, §82.3)

3. De algum modo, a informação já tem sido discutida em diferentes momentos e diversos autores. No pen-samento contemporâneo, Benjamin (1986), em 1933, associava a informação ao empobrecimento da experiência e a retirada da narrativa “do circulo do discurso vivo. Conforme Benjamin, a informação, uma

“forma de comunicação de antiga origem”, assume na modernidade um lugar de influência nos usos sociais dominantes da linguagem, a partir da aliança entre o regime político-econômico e os meios de comunicação: de início, o capitalismo produtivista e a imprensa. Esse deslocamento e emergência da informação acontecem quando, ao “rebaixamento” e empobrecimento da experiência, segue o definhamento da narração. Como parte das manifestações épicas, a narração pressupõe o envolvimento, no mesmo tecido sem interrupções de práticas-discursos, de uma comunidade de ouvintes e narradores. Ouvir e narrar são indissociáveis, e nessa harmonização se sustenta a autoridade testemunhal da experiência. Para Agamben (2005), o homem expropriado de sua biografia e sua experiência torna-se incapaz tanto de ouvir como de narrar.

outros trabalhos, denominamos abordagem da informação “do ponto de vista do observador”). A outra, de orientação hermenêutica, introduz a abor-dagem interpretativa, mas desdobra-se na crítica heideggereana, que vê a informação como enquadramento do significado ou como sua padronização.

Rendon Rojas identifica a informação com aquilo que Frege denomina

“sentido” (RENDOM ROJAS, 2007, anotações de um seminário), ou, num outro texto, como “palavra interna”4,

Información: ... Es un ente ideal que existe por la actividad de un sujeto y para el sujeto al estructurar e interpretar los signos. Dentro de nuestro planteamiento la información la concebimos como el logos para los griegos: pensamiento, ideas, conceptos, sentidos, significados, palabras internas (RENDOM ROJAS, 2007, anotações de um seminário).

Outras abordagens estabelecem relações de equivalência entre o domínio da informação e o “Mundo 3” ou Mundo Objetivo do Popper, que para Habermas seria um gedanken generalizado5, o que nos permitiria falar de um “paradigma” fregeano-poppereano da informação.

A tese sobre os três mundos ou “realidades” (mundo físico, mundo subjetivo ou dos estados psíquicos, mundo objetivo ou do conhecimento sem sujeito cognoscente), do pensamento tardio de Popper, tem sido utilizada com certa frequência na ciência da informação. Sustenta-se, por analogia, que a construção de seu objeto de estudo teria como domínio principal aquela esfera autônoma do “conhecimento objetivo” ou “Mundo 3”, que Popper descreve em sua “epistemologia sem sujeito”.

4. A essa concepção da informação como “sentido”, agrega-se uma definição de documento que se aproxima a de Suzanne Briet: Documento: Es la objetivación de la información, independientemente de su naturaleza material (tablilla, papiro, pergamino, papel, disco magnético, óptico, etc.) o simbólica (dibujo, pintura, grafía, código binario, etc.) y su manifestación fenoménica. Fue hecho exclusiva e intencionalmente para objetivar la información y al mismo tiempo permitir su desobjetivación, posibilitando y originando de este modo el flujo de información.

Debemos subrayar que no todo objeto es documento para la ciencia de la información, aunque todo objeto contiene información. La explicación reside en que para ser documento debe, como ya se ha indicado, que sea creado intencionalmente para ello, y por otro lado que el profesional de la información lo haya incluido en el sistema informativo documental(RENDON ROJA, 2008).

5 Para Habermas (1987), o “Mundo 3” de Popper seria equivalente à totalidade do pensamento, em Frege.

“...according to Popper, the third world is essentially made up of problems, theories and arguments. He does also mentions, in addition to theories and tools, social institutions and works of art as examples of entities of the third world; but he sees in the only variant forms of embodiment of propositional contents. Strictly speaking, the third world is a totality of Fregean Gedanken, whether true or false, embodied or no: “Theories, or propositions, or statements are the most important third-world linguistic entities” (HABERMAS, 1983 p. 79).

O “Mundo 3” se presta para muitas analogias, desde a noosfera de Theilard de Chardin, à nossa humana produção de bases de dados e repo-sitórios digitais, ou transformando-se em espelho de um espaço mental intersubjetivo (BROOKES, 1980). A descrição poppereana do “Mundo Objetivo” ou “Mundo 3” favorece esse uso metafórico, já que apresenta uma reunião quase indiscernível de, por um lado, registros de conhecimento e, por outro, teorias, ideias, informações, ou seja, ao mesmo tempo, conhe-cimento “factualmente” objetivado e idealmente plausível de objetividade:

.... o relevante para a epistemologia é o estudo de problemas científicos e situações científicas (que tomo como simplesmente outra expressão para hipóteses ou teorias científicas), de discussões científicas, de argumentos críticos e do papel desempenhado pela evidência em argumentos; e, portanto, de revistas e livros científicos, e de experiências e sua avaliação em argumentos científicos; ou, em suma, que o estudo de um terceiro mundo de conhecimento objetivo amplamente autônomo é de impor-tância decisiva para a epistemologia (POPPER, 1975, p. 113).

A informação, dissociável de seus produtores e de seu contexto de produção, idealizada como entidade, seria também aquilo que se objetiva e se transporta num registro. Xavier Polanco é um dos autores que relacionam o objeto de análise das “metrias” informacionais com o Mundo 3 de Popper.

Considerações semelhantes às já feitas com a informação serão logo aplica-das ao e-conhecimento:

Llamaremos a este conocimiento, entonces, e-conocimiento, dado que se encuentra en los documentos electrónicos, disponibles en la web o accesibles por medio de esta red tecnológica. Cuando me refiero al conocimiento no me estoy refiriendo al conocimiento como fenómeno psicológico o mental, sino al conocimiento como entidad objetiva que existe en los documentos (papel o electrónico, digital), es decir, que se encuentra en el lenguaje escrito de las publicaciones. En otras palabras, hablo de lo que Popper (1979) llama “conocimiento objetivo” desde el punto de vista de una “epistemología sin sujeto” (epistemology without knowing subject) (POLANCO, 2006). (grifo nosso)

Os procedimentos de “extração” de informação são apresentados como a passagem da “informação-aquisição” a uma “informação-ação”. Trata-se, porém, de uma ação realizada por observadores em torno de represen-tações: operações entre representações ou de simulação simbólica de uma ação.

Nestas perspectivas, que denominamos fregeano-poppereanas, a infor-mação se identifica com a ideia, seja numa versão mentalista ou na versão de um “realismo platônico” dos conteúdos semânticos. Ganha então atributos que, sendo muito diversos, provêm dessa dissociação da semântica dos contextos pragmáticos de produção de sentido, plausível de receber, assim, no plano epistemológico, um valor de objetividade independente de con-texto e, no plano econômico, um valor de econômico independente dos processos e agentes de sua produção. As informações, consideradas como independentes das ações e práticas dos atores sociais que as geram, são ao mesmo tempo registráveis, transferíveis e manipuláveis num plano secundário, no qual, por meio de algoritmos e ferramentas computacionais, reutilizam-se, agregam e recontextualizam em novas configurações, nas quais aconteceriam processos de agregação de valor6.

Conforme Havelange (2001), através de analogias – primeiro com a lógica e os algoritmos computacionais e posteriormente com o próprio compu-tador –, os algoritmos informáticos dariam ancoragem temporal e espacial aos processos de cálculo, dando lugar à metáfora de “máquina de pen-samento”7para a cognição humana. Ficaria, assim, estabelecida uma série de relações biunívocas, entre as representações mentais e as proposições declarativas, entre a linguagem formalizada e os algoritmos da programação computacional8. Esse encadeamento entre “representações mentais”, “pro-posições”, operações com “funções proposicionais” e algoritmos, propiciado pelos pressupostos de analogia entre as operações da inteligência e da lógica formal monovalente, levaria a considerar a filosofia analítica da linguagem como uma metateoria da cognição, dissociada de outras dimensões da experiência humana. Uma das consequências será colocar o computador

6. É interessante observar que os produtores, nestes novos usos do conceito de “mundo objetivo” poppereano, não são necessariamente os cientistas ou os homens comuns praticando seus saberes e experiências em suas formas de vida,: os agentes das ações de informação seriam os que desenham e alimentam sistemas de informação, constroem e gerenciam bases de dados e modelam novas formas de gestão de formas coletivas do trabalho intelectual, visando a alguma transformação de uma “massa informacional” codificada e cumulativa, visando incrementar e realizar um valor organizacional ou econômico.

7. Com a ressalva de que para o cognitivismo os estados mentais não são necessariamente redutíveis aos estados físicos, o que o diferencia de uma abordagem fisicalista.

8. As ciências cognitivas clássicas apoiam-se em dois postulados principais, as teses da computação e da representação: a cognição consiste em manipulações automáticas, exclusivamente sobre o aspecto formal dos símbolos fisicamente implantados no nível material da máquina (computação); estes símbolos reenviam, porém, do ponto de vista semântico, a estados mentais que consistem em representações adequadas dos objetos e propriedades do mundo exterior numa correspondência biunívoca (representação) (HAVELANGE, 2001).

como suporte específico da atividade cognitiva, com exclusão de outros mediadores técnicos e materiais da geração de conhecimentos9; outra seria pressupor que a cultura e a linguagem estariam predeterminadas pelos princípios universais dessa lógica da cognição.

Outra matriz gnosiológica da informação seria tributária da herança hermenêutica, seja associando a informação à interpretação, seja assi-milando a informação com aquilo que enquadra, padroniza e fixa a produção de sentido. Na primeira direção, a extensão ampliada do conceito o faz equivalente àquilo que é oposto ao ruído e ao que não tem significado – logo, um conceito de informação indissociável do significado, próximo nessa direção ao conceito que fora construido pela segunda cibernética ou aquele que aparece nos usos comuns da linguagem (POSTER, 2001, p. 8). Em outra direção, a informação é entendida como enquadramento e padronização do significado, tal como ilustrado pela citação de Heidegger10,

“Pelo enquadramento a linguagem vira informação. [...] A teoria da infor-mação concebe as características da linguagem natural como falta de formalização” (citação de DAY, 2001, p. 99). A informação apareceria assim como o desvio da fala e esvaziamento da narração, ou seja, redutora da produção de sentido, privada de toda significação pública ou referencial.

A relação entre significado e informação, que instaura um olhar quali-tativo da informação com os aportes da abordagem hermenêutica, ficaria, nesta acepção, por vezes, ampliada demais e, por vezes, por demais de estreita.

Uma parte significativa do pensamento contemporâneo acerca da infor-mação pareceria assim seguir rumos opostos. Por um lado, os formalismos analíticos, o cognitivismo mentalista ou sua exacerbação, num platonismo dos conteúdos, reforçam a relação da informação com a semântica, mas a

9. El reverso de la medalla funcionalista consiste en que las ciencias cognitivas clásicas, al erigir a la computadora como modelode la mente, excluyen el considerarla como soporte material particularde la actividad cognitiva y situarla en la problemática más amplia de los diversos soportes materiales y técnicos de la cognición. Ahora bien, la computadora posee propiedades muy particulares, entre las cuales figura en primer lugar su numericidad, que le confiere una dinámica original: la computadora simultáneamente confiere posibilidades específicas y dicta restriccionesparticulares a la actividad cognitiva (HAVELANGE, 2001).

10. Within Framing, speaking turns into information [Das so gestellte Sprechen wird zur Information]. … Framing – the nature of modern technology holding sway in all directions – commandeers for its purposes a formalized language, the kind of communication which “informs” man uniformly, that is, gives him the form in which he is fitted into the technological-calculative universe and gradually abandons ‘natural language’.…

Information theory conceives of the natural aspect of language as a lack of formalization [Die Informationstheorie begreift das Natürliche als den Mangel an Formalisierung] (HEIDEGGER, 1971, p. 132, apud DAY, 2001).

isolam dos contextos da comunicação e da ação. De outro lado, as aborda-gens hermenêuticas tendem a desativar a relação da informação com os processos gnosiológicos e seus correlatos semântico-referenciais, seja nas práticas cotidianas ou especializadas.

Procuramos, então, na Teoria da Ação Comunicativa, indícios que nos permitam superar, também em relação à informação, as proposições por vezes opostas e redutoras do paradigma analítico poppereano e da compreensão hermenêutica.

HABERMAS, LINGUAGEM E INFORMAÇÃO.

A adesão de Habermas à “virada linguística” esteve sempre aliada à busca de uma nova matriz de compreensão da racionalidade, capaz de superar tanto o subjetivismo moderno como o contextualismo radical. Sua proposta será abandonar no ponto de partida as afirmações acerca do caráter unitário da razão e admitir que a racionalidade tenha diferentes “raízes”, as quais se manifestam diferencialmente “na estrutura proposicional do conhecer, na estrutura teleológica do agir e na estrutura comunicativa do falar”

(HABERMAS, 2004, p. 101).

Parece... que a estrutura discursiva cria uma correlação entre as estru-turas ramificadas de racionalidade do saber, do agir e da fala ao, de certo modo, concatenar as raízes proposicionais, teleológicas e comunicativas.

Nesse modelo de estruturas nucleares engrenadas umas as outras, a racio-nalidade discursiva deve seu privilégio não a uma operação fundadora, mas a uma operação integradora (HABERMAS, 2004, p. 101).

Nesse contexto, poderíamos dizer que a informaçao, para Habermas, seria aquilo que se constitui em dois pontos de difícil sutura, em que será colocada em jogo a função integradora da linguagem: entre a representação e a abdução linguística e entre os usos sistêmico-administrativos e os usos comunicacionais da linguagem.

Em primeiro lugar, a informação designaria uma instância de constante reabertura das relações entre o mundo da vida e o mundo. A informação é considerada neste caso como constitutiva dos processos de objetivação em contextos de experiência e ação (HABERMAS, 1994, 2004, entre outros).

Nessas dinâmicas da informação, acontece a manifestação da alteridade, do que surpreende, e, como tal, ela faz parte das condições da aprendizagem e dos desafios à imaginação linguística. Uma zona “informacional”

alimen-taria assim os exercícios ontológicos das diversidades culturais, ao mesmo tempo que os excedentes de significado, resultantes da abertura infor-macional do mundo, transformados por seculares processos de aprendi-zagem, ficariam imersos nas linguagens naturais históricas, disponíveis nos mundos da vida.

É igualmente importante, porém, considerar qual é o lócus da infor-mação no contexto dos sistemas – da administração, da economia e do mercado – em exercícios funcionais-instrumentais ou em ações coloniza-doras sobre os mundos da vida.

A informação será considerada aqui como lastro da semântica da repre-sentação, nas formas de uso da linguagem que não visam à interpretação cooperativa do agir comunicativo: seja em situações monológicas, nas quais não se priorizam as metas ilocucionárias de entendimento mútuo; seja em situações de comunicação estratégica, na qual se violam ou se desativam as condições de reciprocidade e as demandas de garantias para validação dos enunciados.

Habermas vai associar a informação ao caráter problemático da constituição de uma ordem social, nas sociedades contemporâneas. Nelas, a integração social, nas quais os vínculos entre participantes são sustentados pelo uso comunicativo da linguagem, é substituída cada vez mais pela integração estabelecida por meios, ou o que Habermas denomina a

“simulação burocrático-administrativa” da comunicação. Nesse quadro, a informação passaria a constituir uma zona de usos da linguagem na qual, em grande medida, entrariam em conflito os modos alternativos de integração social – uma zona que hoje se caracterizaria, para muitos, pela midiatização e a digitalização (SASSEN, 2004).

Visando ao melhor entendimento desses aparentes deslocamentos do lócus da informação, trataremos agora de considerar com mais cuidado e detalhe o que Habermas designa como informação: a) do ponto de vista da experiência e da dimensão representacional da linguagem e em relação à argumentação (§4); b) do ponto de vista dos modos de integração social (§5). Agregaremos, completando estas releituras da concepção da infor-mação em Habermas, algumas de suas considerações referentes ao papel dos meios na comunicação (§6).

JOGOS DE INFORMAÇÃO, JOGOS DE ARGUMENTAÇÃO

Jogos de informação e jogos de argumentação seriam, em princípio, diferentes jogos. Jogos plurais que se contaminam, porém se comple-mentam, na construção dos recursos linguísticos e gnosiológicos de uma forma de vida.

Habermas resgata primeiro o conceito de informação como momento da relação do homem com o mundo. Informações constituem-se nos processos de objetivação, em contextos de ação, ancorados no tempo e no espaço, e oferecem garantias performáticas à práxis, na lida com objetos.

...Analisando a pragmática do uso cognitivo da linguagem pode mostrar-se que o âmbito objetual de que trate estaria estruturado por uma deter-minada conexão entre linguagem, conhecimento e ação. [...] Entretanto, as experiências só podem ter conteúdo informativo porque (e na medida em que) nos surpreendem. Ou seja, em que defraudam e modificam expectativas acerca dos objetos. Esses transfundos da surpresa, sobre os que se destacam as experiências, são opiniões (ou prejuízos) acerca dos com os que já temos feito experiências. [...] Se analisamos a gramática destas linguagens, iremos de encontro às categorias que estruturam ex antecedente do âmbito objetual da experiência possível (HABERMAS, 1994, p. 90-91, tradução nossa).

As informações, por fim, são apropriadas como representações, no médium da linguagem.

A racionalidade de uma atividade orientada a fins se entrelaça com as outras estruturas do saber e da fala. Pois as deliberações práticas pelas quais se planeja uma ação racional dependem do suprimento de informações confiáveis (sobre eventos aguardados no mundo ou sobre a conduta e intenções de outros atores), ainda que os atores que agem racionalmente de modo orientado a fins devam, em geral, se contentar com informações altamente incompletas. De outro lado, tais informações podem ser inteligentemente processadas apenas no médium da representação linguística, ou seja, referir-se a máximas de decisão e a fins que, por sua vez, são selecionados à luz da preferência dos atores. (HABERMAS, 2004, p. 107). Grifo nosso.

As informações constituem assim uma zona de negociação entre os mundos da vida e o mundo. A comunicação intersubjetiva, porém, está em

dependência do que o mundo “decide” comunicar, seja sobre a existência dos objetos a que remetem as informações, seja acerca dos estados de coisas no mundo descritos em proposições assertóricas, “Os falantes não conse-guem comunicar-se sobre algo no mundo se o próprio mundo, suposto como objetivo, não se “comunicar, ao mesmo tempo, com eles” (HABERMAS, 2007, p. 85).

Para Habermas, realidade e linguagem se interpenetram de modo indissolúvel. Seria impossível um acesso à realidade “não filtrada pelo significado”.

...a comunicação linguística e a atividade orientada a fim se entrelaçam devido à mesma suposição formal do mundo. Pois, para falantes e atores o mundo objetivo a respeito do qual se entendem e no qual intervêm é o mesmo. Os falantes estão, enquanto atores, sempre em contato com objetos do trato prático (HABERMAS, 2004, p. 44).

Num texto posterior, reafirma essa remissiva iniludível a “uma lingua-gem que franqueia o mundo” e estabelece um elo permanente entre a objetivação e a intersubjetividade.

A mediação linguística da relação com o mundo explica a retroligação da objetividade do mundo – suposta no falar e no agir – à intersubje-tividade de um entendimento entre participantes de uma comunicação.

O fato que eu assevero de um objeto tem que ser afirmado e eventual-mente justificado perante outros, que podem eventualeventual-mente contra-dizer. A necessidade de interpretação surge pelo fato de nós não podermos prescindir da linguagem que franqueia o mundo, nem mesmo quando a utilizamos num sentido descritivo (HABERMAS, 2007, p. 45).

Examinaremos isto com mais cuidado. Habermas, mantendo sempre a diferença entre observar e interpretar, analisa a diferença do agir orientado pelo entendimento mútuo e o agir na perspectiva objetivadora de um observador11.

11. Kant entende a autocompreensão de atores como saber da pessoa sobre si mesma, oposto ao saber de terceira pessoa do observador. Não é assim na teoria do agir comunicativo. A suposição da racionalidade própria do agir comunicativo (do ponto de vista do participante) funciona como pressuposição pragmática, é uma assunção refutável, não um saber a priori.

Na experiência, o observador está por princípio sozinho, ainda que a rede categorial na qual aquela experiência acontece... for compartilhada por todos (ou alguns) dos indivíduos. De maneira oposta, o intérprete que entende o significado assume sua expe-riência fundamentalmente como participante de uma comuni-cação, sobre a base de uma relação intersubjetiva estabelecida por intermédio de símbolos com outros indivíduos, mesmo se está sozinho com um livro, um documento ou uma obra de arte (HABERMAS, 1998, p. 29).

Convém lembrar, porém, que são mudanças de atitudes resultantes da possibilidade de alternar demandas de certeza e critérios de validade, não deslocamentos ontológicos nem construções dissociadas de sujeitos episte-mológicos e sujeitos normativos – trata-se, em princípio, dos mesmos atores sociais, em diferentes arranjos comunicacionais e formas de intersubjetividade.

Por conseguinte, na dimensão vertical da referência a um mundo, a idealização consiste na antecipação da totalidade das possíveis refe-rencias. Ao passo que na dimensão horizontal das relações que os sujeitos estabelecem entre si, a suposição da racionalidade efetuada reciprocamente significa, basicamente, o que eles esperam uns dos outros. O entendimento e a coordenação comunicativa da ação impli-cam uma dupla faculdade dos atores, a saber: a de que eles podem, apoiados por argumentos, posicionar-se quanto às pretensões de validade, criticáveis, e orientar-se, em seu próprio agir, por pretensões de validade (HABERMAS, 2007, p. 52). Grifo nosso.

No agir comunicativo, instala-se um enfoque performativo recíproco, entre sujeitos que agem comunicativamente, assumindo ao mesmo tempo os papéis da 1ª e de 2ª pessoa.

Eles assumem uma relação interpessoal à proporção que se entendem sobre algo no mundo objetivo e enquanto assumem a mesma referência ao mundo. Nesse enfoque performativo recíproco, eles também fazem, ao mesmo tempo e ante o pano de fundo de um mundo da vida compar-tilhado intersubjetivamente, experiências comunicativas uns com os outros. Eles entendem o que o outro diz ou pensa. Eles aprendem com as informações e objeções do oponente e tiram suas conclusões da ironia ou do silêncio, das exteriorizações, alusões etc. A incompreensibilidade de um

No documento Brasília, outubro de 2009 (páginas 178-200)

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