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3.2.5.1 Casa de Acolhida Novos Rumos

A casa de acolhida Novos Rumos, que abriga adolescentes do sexo masculino, localiza-se num bairro residencial, próximo a diferentes equipamentos sociais que compõem a rede de atendimento socioassistencial da prefeitura do Recife, a exemplo de escolas, CAPS, postos de saúde, biblioteca, mercado público. A casa que atualmente abriga os adolescentes foi ocupada pelo IASC em meados de fevereiro do ano passado, uma vez que a casa anterior, localizada no mesmo bairro da atual, já não apresentava quaisquer condições de acolher seres humanos, daí sua interdição judicial.

Apesar da mudança de instalações e do investimento inicial na pintura e na compra de alguns móveis para compor os ambientes da nova casa, quem observa seu aspecto atual não identifica diferenças entre esta e a antiga. Uma mesa com um banco comprido no espaço do terraço, uma sala com dois sofás de madeira sem almofadas, adolescentes pelo chão assistindo televisão, móveis e utensílios quebrados, cômodos sem portas, banheiros sujos, colchões sem forro espalhados pelo chão, camas, cadeiras e armários quebrados, paredes pixadas e sujas, além de problemas de manutenção e limpeza. O ambiente físico insalubre e desorganizado da casa e a ausência de um conforto mínimo fazem-na parecer uma extensão da própria rua.

Na casa de acolhida Novos Rumos, a pesquisadora já havia mantido contatos com a psicóloga e com a assistente social em outras situações e foi a elas que a proposta de pesquisa foi apresentada em primeira mão, considerando-se a ausência do dirigente da casa naquele dia, o que pôde ser feito dias depois, numa outra visita. Vale ressaltar que, após os esclarecimentos sobre o estudo, a assistente social mostrou-se motivada com a ideia de que a fala dos adolescentes fosse privilegiada. Nesse dia, buscou-se verificar a disponibilidade de horários dos adolescentes para a apresentação da proposta.

Apesar do agendamento com as técnicas e o dirigente para a conversa em que a proposta de pesquisa seria apresentada aos adolescentes selecionados, tal empreendimento não ocorreu conforme o previsto, considerando a ausência dos referidos sujeitos na casa, o que exigiu novos agendamentos.

Na data marcada para a apresentação da proposta e já diante do portão da casa, que é fechado e cuja chave fica sob a responsabilidade dos vigilantes, ouviam-se muitas vozes alteradas vindas de dentro da casa. Depois de um período de espera, o vigilante abriu o portão.

No acesso ao terraço da casa, observou-se que dois adolescentes brigavam, enquanto dois educadores e um vigilante tentavam apartá-los. Os demais presenciavam a briga. As informações foram de que a discussão teria iniciado pelo fato de um dos adolescentes não estar vestido com camisa na hora em que uma das irmãs do outro o visitava, juntamente com o filho, ferindo uma regra de convivência entre eles. O clima estava muito tenso na casa, o que inviabilizou a apresentação da proposta da pesquisa.

Na segunda tentativa também não foi possível reuni-los, pois no andar superior, onde se localizam os quartos, alguns adolescentes estavam sob o efeito de drogas, enquanto outros, de modo compartilhado, ainda faziam uso da substância. Diante da pesquisadora, esquivaram-se e, enquanto os demais ficavam de costas, um deles se aproximou e falou que não estavam fazendo nada de mais, que era apenas maconha e que já estavam descendo. Quando alguns poucos decidiram descer, aparentemente não apresentavam condições para conversar sobre a pesquisa.

Vale destacar que, nas ocasiões em que não foi possível a apresentação do projeto aos adolescentes, a pesquisadora se manteve nas dependências do abrigo com a intenção de construir uma aproximação maior com o cotidiano dos adolescentes e, assim, marcar uma forma distinta de inserção no campo de pesquisa, o que ocorreu por cerca de um mês.

Nessas ocasiões, pode-se observar o ingresso de novos adolescentes e a evasão de outros. Contudo, alguns deles, notadamente, retornavam ao abrigo horas depois e saiam novamente, retornando em seguida. Isso sugere que, para alguns adolescentes, a presença da pesquisadora já não causava estranhamento, diferentemente daqueles que chegavam. Por vezes, paravam de conversar pela aproximação da pesquisadora e outras vezes falavam num tom mais alto com seus pares ou mesmo com os educadores, tentando intimidá-los. Assim, entre palavrões, murros e chutes nas paredes, pareciam buscar chamar a atenção para si.

Um aspecto relevante no período de observação diz respeito à ausência de atividades lúdicas no espaço de acolhimento. Assim, os adolescentes passavam as horas circulando pelas dependências da casa, em meio aos educadores, como se esses não existissem. Conversavam entre si, comiam, brigavam, trocavam roupas, saíam e, geralmente, retornavam no horário das refeições, via de regra, drogados.

Como estratégia para conseguir realizar a apresentação da pesquisa, na terceira tentativa, a pesquisadora chegou ao abrigo às sete horas da manhã, na perspectiva de abordar os adolescentes antes que pudessem sair.

Nessa ocasião, os objetivos da pesquisa foram apresentados, incluindo as motivações e interesses da pesquisadora em ouvi-los de um modo independente e sem o compromisso

com o ritual do judiciário. Dos sete adolescentes presentes na conversa, apenas quatro deles correspondiam ao perfil da pesquisa, uma vez que os demais foram acolhidos por estarem ameaçados de morte em suas comunidades, não apresentando trajetórias de rua. Desses quatro, um deles referiu estar prestes a retornar para a sua terra natal (interior de Pernambuco) e acreditava que não daria tempo para participar da pesquisa na íntegra. Interessante que o referido adolescente atuou como um interlocutor importante para a adesão dos pares à proposta, sustentando a importância de poderem falar sobre o que era importante em suas vidas e sobre a necessidade de ajudarem uns aos outros na perspectiva de uma melhoria nas condições de atendimento.

A conversa foi franca e suscitou algumas perguntas importantes como para o que serviria a pesquisa, por que isso poderia ajudá-los e ainda como a história de suas vidas serviria para mudar alguma coisa. Falou-se sobre a importância de poder ouvir suas histórias de vida, suas experiências, seus pontos de vista nas diferentes vivências com a família, com as casas de acolhida e com o espaço da rua, a partir de suas próprias perspectivas; e sobre a necessidade de conhecer seus diferentes modos de pensar, com a possibilidade de novas relações a partir de um conhecimento construído.

3.2.5.2 Casa de Acolhida Raio de Luz

As entrevistas com as adolescentes do Raio de Luz aconteceram após o encerramento das entrevistas com os adolescentes do abrigo Novos Rumos. A casa de acolhida destina-se às adolescentes do sexo feminino, com vivência de rua e histórico de drogadição e localiza-se num bairro próximo ao centro da cidade e de equipamentos socioassistenciais importantes como CAPS, posto de saúde e escolas. A frequência de meninas na casa é inferior àquela observada na casa que acolhe os meninos (Novos Rumos), com permanência média de três adolescentes por dia. Contudo, embora as instalações físicas se apresentem em melhores condições que aquelas encontradas no abrigo Novos Rumos, observa-se que determinadas condições são comuns como o desconforto das instalações, a manutenção precária, algumas paredes (a dos quartos) pixadas; camas sem lençol ou travesseiros, colchões em péssimo estado, armários quebrados e paredes com infiltrações e mofo.

No primeiro contato com a coordenação da casa, o projeto foi apresentado e todas as possíveis implicações foram esclarecidas, bem como a possibilidade de entrevistar meninas com o perfil aproximado daquele pretendido pela pesquisa. Na ocasião havia apenas duas

adolescentes sob a medida protetiva, uma vez que duas outras tinham evadido no último final de semana. Dessas, uma se encontrava em atividade externa.

Durante a conversa com a psicóloga da casa, a adolescente que lá se encontrava buscou interromper por diversas vezes a conversa, chamando pela técnica, que pediu que aguardasse. A adolescente parecia estar tentando negociar uma saída e mostrava-se impaciente com o fato de não poder sair sozinha. Naquele mesmo dia, considerando-se a correspondência com o universo da pesquisa, buscou-se apresentar a proposta para a mesma e saber da sua disposição em participar. Ela concordou e as visitas foram agendadas de modo a preservar a realização de suas atividades externas (escola e CAPS). Contudo, apenas uma entrevista pôde ser realizada, pois a adolescente saiu da casa na semana seguinte.

O período de coleta de dados nos abrigos coincidiu com uma greve dos funcionários do IASC, incluindo técnicos e educadores, o que trouxe algumas dificuldades de agendamento para os encontros e alterações no calendário das acolhidas em suas atividades externas, além das constantes evasões do espaço de acolhimento.

A partir dos acordos firmados com a coordenadora da casa, uma nova visita foi agendada para o contato com a adolescente que estava em atividade externa na primeira visita. Todavia, no dia marcado para a apresentação da proposta, a adolescente havia saído para um atendimento médico de emergência. Desse modo, o início da coleta de dados na casa de acolhida teve início com apenas uma adolescente. Contudo, a psicóloga informou que havia outra adolescente cujas experiências atendiam aos critérios da pesquisa e que havia sido transferida para a Casa Andaluz, destinada a acolher adolescentes grávidas. Nesse caso, houve a possibilidade de entrevistá-la no referido abrigo, sobretudo, por tratar-se de uma instituição também administrada pelo IASC.

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