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Aproximando-me do Campo de Estudos

No documento marilenakaizerrossignoli (páginas 80-84)

Neste momento, irei delimitar o processo de encontros e desencontros com os sujeitos da pesquisa e as ações que me possibilitaram experienciar um mergulho na vida dos catadores de materiais recicláveis da APARES.

Para fins desta pesquisa, comecei a frequentar a APARES em outubro de 2014. Ao chegar, fui recebida pela presidente, que também participou da fundação.

Algumas questões colocadas pelo representante do Departamento de Limpeza Urbana (DEMLURB) foram ratificadas pela presidente. Porém, de acordo com ela, havia mais de seis meses que o caminhão da coleta seletiva não passava pela Associação. Em um primeiro momento, isso me despertou incômodo. Se 50% da população é atendida pela coleta seletiva (conforme mencionado anteriormente), para onde vai todo esse resíduo?

Posteriormente, após conversas com os catadores, entendi que todo o material oriundo da coleta seletiva era destinado à ASCAJUF e que existiam problemas internos na APARES que impediam que a coleta chegasse até a Associação. Apresentaram-me, como problema basilar pelo não recebimento da coleta seletiva, as condições físicas do depósito, pois a entrada e saída de catadores com os carrinhos ficam comprometidas quando ocorre o despejo da coleta seletiva.

A Associação recebe (doação de) resíduos do Fórum da Justiça, da Justiça Federal, da Prefeitura, do Santa Cruz Shopping, da Embratel, do Corpo de Bombeiros, de alguns prédios e outras instituições e a coleta é alternada entre os catadores.

Conforme esclarece Pereira e Teixeira (2011, p. 897), em 2006, foi publicado o decreto 5.940,

[...] que prevê que todas as repartições públicas da administração direta ou indireta devam fazer coleta seletiva e doar os materiais para cooperativas de catadores. Por meio da Lei 11.445/07, que altera a Política Nacional de Saneamento, permitiu-se que as administrações públicas pudessem contratar, com dispensa de licitação, as organizações de catadores de materiais recicláveis para a prestação de serviços de coleta seletiva.

Assim, no dia 20 de outubro, retornei para uma imersão no campo, com duração de uma semana. Após essa imersão, seguiram-se os meses de novembro e dezembro, com um ou dois dias de visitas isoladas para fins de aprofundamento das observações feitas e maior entrosamento com os associados.

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Ao chegar à APARES, fui recebida por alguns associados que logo chamaram Flávia, a presidente, para me atender. Ela veio rapidamente ao meu encontro, seguimos para o outro lado da rua e nos sentamos na calçada, debaixo do sol. Dali, engatamos nossa primeira conversa sobre a Associação, os associados e demais assuntos que surgiram espontaneamente. Sem entrevista estruturada, sem grandes questões, queria apenas conhecer um pouco do contexto geral da Associação. Flávia fez uma breve apresentação desta, ressaltando seu contexto, falando dos associados, apresentando as dificuldades e os problemas que enfrentam.

Em conversa com Flávia, questionei sobre o trabalho na Associação, a maneira como gerenciam o trabalho e o resíduo. Flávia disse que todos separam juntos e ninguém vai embora ao fim do dia sem concluir o que tiver que ser concluído. É sempre um ajudando o outro na separação. Ao ser questionada sobre como administram a parte financeira, ela disse que o montante arrecadado só é dividido para aqueles que trabalharam na coleta e separação.

A Associação foi fundada em 2001 com nove catadores. Durante esse tempo, já chegou a possuir quarenta e oito associados. A presidente destacou que já existiram mais catadores, contudo muitos deixaram a Associação voluntariamente, outros foram “convidados” a se retirar pelos maus costumes e hábitos (droga e bebida em horário de trabalho).

Após essa conversa, solicitei autorização da presidente para frequentar a Associação e para estar ali por alguns períodos. Com as férias do trabalho divididas em duas etapas quinzenais, fim de outubro e começo de dezembro, estaria frequente todos os dias nas férias, em outubro, com horários alternados, mas, ao retornar à rotina de trabalho, a frequência seria reduzida a dois ou três dias por semana. Dezembro seria um mês apertado e, para eles, uma vez que a quantidade de resíduos aumenta drasticamente, talvez não seria possível estar frequente todos os dias das férias quinzenais.

Flávia, prontamente, sem hesitar, colocou-se à disposição para qualquer ajuda e, sem mesmo consultar os outros associados, autorizou minha presença no depósito para fins desta pesquisa.

A partir dessa autorização, organizei meu cronograma da seguinte forma: a primeira semana de férias seria por conta da Associação, do dia 20/10/2014 a 24/10/2014; na segunda semana, a frequência no depósito teve início na quarta-feira, 29/10/2014 até 31/10/2014. Minhas visitas se dariam em horários alternados, a fim de observar a dinâmica em diferentes horários, que é nitidamente lenta pela manhã.

No dia 3/11/2014, levei um bolo confeitado e refrigerantes para agradecê-los pela oportunidade de ter convivido com eles, pelo aprendizado, por terem compartilhado conhecimentos, problemas, alegrias, por terem me recebido tão bem naquele local e para

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explicar que, dali em diante, minha frequência no galpão iria diminuir, de dois a três dias por semana. Guardamos o bolo e os refrigerantes na geladeira da oficina mecânica ao lado para o dia seguinte, porque nem todos estavam presentes.

No mês de novembro, retornando ao trabalho, passei a estar presente na APARES apenas dois dias por semana, no horário de almoço, de 12h30 às 14h. Tentava não ir terça e quinta, que eram os dias em que Dona Maria estaria para coleta. Nesses dias, mais próxima dos catadores, participei ativamente da separação do material coletado junto com Dona Maria e Eliza. Flávia não me deixava ajudá-las na separação, dizia que aquilo não era trabalho para mim.

No dia 10/11/2014, após chegar à Associação, Dona Maria e Iris estavam saindo para a “Sopa dos Pobres”. Logo depois, Flávia e Eliza saíram, enquanto Cida ficaria na APARES para não precisar fechar o depósito. Resolvi acompanhar Flávia e Eliza e encontrar Dona Maria e Iris.

No dia 19/11/2014, fomos a um evento em Belo Horizonte, organizado pelo CMRR. No começo, por vários motivos, pensei em recusar o convite, mas resolvi e fui acompanhá-los. Ficamos de 23h as 1h30 esperando o ônibus que nos levaria a Belo Horizonte. Durante esse tempo, ficamos conversando, assistindo a uma série de movimentos pelas ruas, e eles apontavam situações que me passavam despercebidas, mas que eles sabiam exatamente o que estava acontecendo.

O motorista fez duas paradas obrigatórias e duas outras para chamar atenção por conta do uso de cigarro no ônibus. Sentei na primeira cadeira do ônibus e mantive minha conduta de respeito durante toda a viagem.

O evento foi simplesmente político, englobando todo o Estado de Minas Gerais. Era um evento em comemoração aos três anos de implantação do Bolsa Reciclagem. O Bolsa Reciclagem é uma das primeiras políticas de pagamento por serviços ambientais urbanos na área de gestão de resíduos sólidos implementadas no Brasil.

O mês de dezembro transcorreu de maneira mais calma. Como havia previsto, não consegui estar os quinze dias na APARES. Em algumas semanas, só compareci um dia por semana, sendo que, na última, estive na Associação todos os dias, despedindo-me na véspera do Natal e do Ano Novo.

Em meio aos preparativos para o Natal de 2014, os associados realizaram uma festinha para as crianças no depósito e eu fui convidada, mas, devido a outros compromissos, não pude comparecer. No dia seguinte, fui ao depósito cumprimentá-los e desejar-lhes um Feliz Natal.

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Em janeiro, precisei reduzir drasticamente minha presença no local para, então, poder me dedicar à escrita da dissertação e, com um café no começo do mês, agradeci e me despedi de todos. Continuei indo uma a duas vezes por mês e alguns deles me procuravam no trabalho para trocar alguns momentos de conversas, de ideias. Nesse período, foi revalidada a Licença Ambiental da Associação.

A análise apresentada neste trabalho diz respeito à primeira semana de imersão na APARES. Tal escolha se deve ao fato de esta ter incitado um estranhamento de revelações sobre um mundo, outra sociedade até então desconhecida. Foi esse estranhamento que possibilitou o surgimento das reflexões que passarei a apresentar sobre forma de análise no próximo capítulo. O quadro a seguir retrata, simplificadamente, o roteiro da primeira semana na Associação, apresentando os dias e horários, as ações desenvolvidas e as pessoas com as quais tive a feliz oportunidade de compartilhar alguns momentos do meu dia.

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No documento marilenakaizerrossignoli (páginas 80-84)

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