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M ARCA MORFOLÓGICA DE CASO E ATRIBUIÇÃO DO C ASO ABSTRATO

C APÍTULO 8: R ELAÇÃO ENTRE CASO MORFOLÓGICO E

8.3 M ARCA MORFOLÓGICA DE CASO E ATRIBUIÇÃO DO C ASO ABSTRATO

Na interpretação dos argumentos nucleares em Ka’apor, Kakumasu (1986) observou que é relevante a ordem destes, assim como a presença da partícula [ke]. O autor constatou que, quando o objeto é marcado pela partícula [ke], fica mais evidente qual argumento é o objeto, conforme exemplificado abaixo.

(17) haimũ juã ke Ø- juka raimũ john AFT 3-kill ‘Raimũ matou John.’

Esta língua exibe uma alternância na marcação dos objetos, inclusive em construções com a mesma forma verbal e a alternância é condicionada pelos traços de definitude e animacidade, conforme a análise que foi desenvolvida no capítulo 6. Alguns exemplos mostrando alternância na marcação dos objetos foram transcritos abaixo. Notem que, em (18) e em (20), os objetos são definidos e marcados pelo [ke]. Por outro

lado, as sentenças em (19) e em (21) os objetos são indefinidos e não recebem a marcação.

(18) ne Ø-ky ke a-jukwa ta

2SG CT-piolho AFT 1SG-matar SMSN ‘Eu vou matar o teu piolho.’

(Caldas, 2009:242)

(19) amo awa ta i-ki Ø-su’u riki

outro gente SMSN NCT-piolho 3-morder ENF ‘Alguns Ka’apor mordem piolho.’

(Silva, 2001: 41)

(20) ihẽ narãj ke a-pirok

1SG laranja AFT 1SG-descascar

‘Eu descasco a laranja.’ (Silva, 2001:39)

(21) Ø-pirok narãj tĩ

3-descascar laranja REP

‘Ele descasca laranja.’ (Silva, 2001:39)

Contudo, a alternância na marcação do objeto, observado nos dados acima não significa que haja atribuição diferente do Caso abstrato acusativo. Assim sendo, nossa proposta é que, apesar de exibir marcação diferencial do objeto, o Ka’apor apresenta uniformidade na atribuição do Caso abstrato acusativo. Tal assunção nos autoriza assumir que o Caso acusativo é atribuído uniformemente ao objeto pelo núcleo vo. A marcação diferencial por meio da partícula [ke], por sua vez, é a estratégia para marcar

se o objeto é definido ou não. Esta proposta teórica pode ser mais percebida por meio da estrutura arbórea delineada a seguir:

VP ru SUJ V’ ru DP VO AACC

Já em relação à marcação diferencial do sujeito, afirmamos que há uma cisão na atribuição do Caso abstrato: sujeitos agentes típicos recebem Caso estrutural e sujeitos (agentes) afetados recebem Caso inerente, o qual é licenciado no domínio do predicado, quando o argumento externo é juntado na posição temática de sujeito. Para fundamentar nossa proposta, lançamos mão da proposta de Duarte (2014), conforme a qual a partícula [ke] denota semântica de afetação e marca argumentos nucleares, cobrindo noções de controle. O autor explica que esta partícula é o spell-out de um Caso abstrato usado para marcar paciente, agente com controle reduzido e alvo. Dessa forma, o autor propõe, com base em Woolford (2006) e em Butt (2006), que esta partícula instancia um tipo de Caso abstrato inerente, altamente associado à afetação. Conforme o autor, este Caso equivale ao dativo. Os demais sujeitos, isto é, tema ou agente típico recebem Caso nominativo estruturalmente a partir de uma operação de concordância com o núcleo To. Para exemplificar, alguns dados foram arrolados a seguir. Os

argumentos de (22) a (25), marcados pelo [ke], recebem Caso dativo inerente. Por outro lado, os sujeitos das sentenças em (26) e em (27) não são marcados pelo [ke] e recebem Caso nominativo marcado estruturalmente.

SUJESTO AGENTE AFETADO, SUJESTO PACSENTE E SEM CONTROLE E ALVO RECEBEM CASO DATSVO REALSZADO PELA PARTÍCULA [KE].

(22) ne ke ihẽ re-mu-pu’am ‘y

2SG AFT 1SG 2-caus-levantar PERF ‘Você me levantou.’

(Silva, 2001:51)

(23) ihẽ a’e ke ihẽ r-ena pe ta trabaja

1SG 3 AFT 1SG CT-lugar em SMSN trabalhar ‘Ele vai trabalhar no meu lugar.’

(Caldas, 2009:206)

(24) ihẽ Ø-py ke Ø-syryk o-ho

1SG CT-pe AFT 3-escorregar 3-ir ‘Meu pé escorregou.’

(Silva, 2001:47)

(25) a’e ta Ø-ma’e Ø-jukwa-ha hẽ ke

3 ASS G-coisa CT-matar-NOM 1SG AFT

Ø-pe Ø -me’ẽ

CT-para 3-dar

‘Eles deram veneno para mim.’

SUJESTO AGENTE TÍPSCO E COM CONTROLE RECEBEM CASO NOMSNATSVO.

(26) ihẽ Ø-sawa’e kangwaruhu Ø-jukwa

1SG CT-marido paca 3-matar ‘Meu marido matou uma paca.’

(Caldas, 2009:233)

(27) a’e ‘y pe u-’ar o-ho jupetẽ o-ho

3SG água em 3SG -cair 3SG -ir nadar 3SG -ir ‘Ele caiu na água para nadar.’

(Caldas, 2009:245)

Note que, em relação à marcação diferencial do objeto, não estão envolvidos papéis temáticos, mas apenas o fato de o objeto carregar ou não a semântica de definitude. Por esta razão, não podemos considerar que ocorre atribuição diferente do Caso abstrato, pois todos os objetos recebem uniformimente o mesmo Caso, mais precisamente o Caso acusativo, o qual é atribuído estruturalmente pelo núcleo vo. Por outro lado, o que determina ou não a marcação do sujeito são papéis temáticos diferentes, o que nos autoriza a propor que o sujeito recebe Caso dativo inerente. A representação arbórea proposta abaixo tem o objetivo de mostrar como se dá a operação sintática de atribuição de Caso (nominativo e dativo) aos sujeitos:

CASO SNERENTE AO SUJESTO VP ru SUJ [KE] v’ ru VO VP ru CASO DATSVO V OBJ

CASO NOMSNATSVO AO SUJESTO TP ru SUJ[-KE] T O ru TO vP ru SUJ V’ CASO NOMSNATSVO ru V’ VP ru VO OBJ 8.4 RESUMO DO CAPÍTULO 8

Neste capítulo, mostramos que a língua Ka’apor apresenta uma relação não biunívoca entre caso morfológico e Caso abstrato. Esta língua exibe marcação diferencial do objeto, condicionada pelos traços de animacidade e de definitude, mas esta alternância não significa atribuição diferente do Caso abstrato. Os dados da língua Ka’apor, que foram analisados, mostram que, apesar de essa língua exibir marcação diferencial do objeto, apresenta uniformidade na atribuição do Caso abstrato. Significa que o mesmo Caso abstrato atribuído ao objeto pode receber marcas

diferentes. Nossa hipótese é que este Caso equivale ao acusativo, o qual é valorado pelo núcleo vo.

Por outro lado, mostramos que a marcação diferencial do sujeito é resultado de atribuição diferente do Caso abstrato. Alguns argumentos na função de sujeito recebem Caso nominativo e outros recebem Caso dativo inerente, o que vem realizado pela partícula [ke]. Na próxima seção, apresentamos as considerações finais da tese.