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Os argumentos no seio da comunidade internacional que incentivaram a decisão da ONU de intervir em Timor-Leste

A ONU em Timor-Leste

4.2. Os argumentos no seio da comunidade internacional que incentivaram a decisão da ONU de intervir em Timor-Leste

Como referido no capítulo 3., apesar da diversidade cultural dos timorenses ao longo da história e nas várias partes do território, a presença indonésia fez com que procurassem elos de ligação internos de maneira a fortalecer a resistência. É o caso do manifesto aumento da procura de elementos da cultura portuguesa, semeada durante os quatro séculos de presença portuguesa, como a língua portuguesa - a par com o tétum - e também a religião católica. Timor-Leste tornou-se um caso mediático na comunidade internacional quando os jornalistas transmitem o massacre no Cemitério de Santa Cruz, a 12 de novembro de 1992. O silêncio, que tinha vindo a ser prolongado pela Indonésia e pelos seus “aliados”, como os EUA e a Austrália, entre outros, e que tantos já haviam tentado cessar, é finalmente quebrado e a opinião pública internacional manifesta-se. Portugal sempre seguiu de perto Timor-Leste, mesmo durante os difíceis tempos que atravessou aquando do início da sua democracia, em abril de 1974, não abandonou a causa timorense, mantendo uma voz ativa junto das Nações Unidas perante a atuação da Indonésia.

A pressão surgia também dos timorenses que nunca pararam a sua luta, ainda que isso significasse sofrer fortes represálias por parte do regime indonésio. José Ramos-Horta

29 Aceh e Irian Jaya (atualmente Papua Ocidental) são dois territórios da Indonésia com intenções separatistas (Aglionby, 1999).

pressionou a ONU para que lançasse uma missão força de peacekeeping, e, apesar de não ter tido sucesso, conseguiu a atenção da opinião pública em vários países, como Portugal, por exemplo, onde as pessoas se manifestaram pela causa timorense (Ballard, 2008: 13-4).

O mediatismo deste acontecimento alertou a opinião pública internacional para toda a situação de violência em Timor-Leste. As violações aos Direitos Humanos dos timorenses fizeram a Indonésia vir a perder o seu domínio sobre Timor-Leste e a ter de ceder a sua posição, devido à pressão internacional (Blanco, 2015: 41). A «indignação» da opinião pública internacional levou à realização de «protestos e campanhas de solidariedade» (Kingsbury, 2009: 74, citado em Blanco, 2015: 41) e ainda, começou a ponderar-se a intervenção externa como sendo a melhor solução para terminar a devastadora atuação da Indonésia em Timor- Leste. Os governos dos EUA e da Austrália principalmente, por força do parecer das suas populações, começaram a pressionar a Indonésia para aceitar a intervenção externa (Martin e Mayer-Rieckh, 2005: 131-2, citados em Blanco, 2015: 41).

Apesar da Austrália e dos EUA terem apoiado a invasão de Timor-Leste pela Indonésia em 1975, mais tarde vieram a demonstrar o seu apoio à resistência timorense ao condenar a violência do exército indonésio e ao pressionar Habibie para a realização dos Acordos de 5 de maio de 1999 e, consequentemente, para a aceitação da intervenção da ONU no território. Numa perspetiva realista, os Estados comportam-se, no sistema internacional, conforme o proveito que advém das suas ações. O caso de Timor-Leste não foi exceção. Nos anos 90, os países que haviam apoiado a Indonésia na decisão da anexação de Timor-Leste em 1975, começaram a mudar a sua estratégia. A pressão da opinião pública nacional devido à violência provocada pelas forças indonésias; uma maior sensibilidade para a proteção dos direitos humanos a nível internacional; ou os interesses económicos no Mar de Timor são as algumas das hipóteses que levaram os Estados a apoiar Timor-Leste, ou ao pressionar o presidente indonésio para a realização dos acordos de maio de 1999, ou ao participar das missões da ONU.

Apesar da atuação da ONU em Timor-Leste se ter iniciado apenas em 1999, a questão timorense não estava esquecida pela organização. Desde a invasão indonésia em 1975 até 1982 foi referida consecutivamente nas reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) A Questão de Timor. Nestas reuniões, a Assembleia Geral declarava sempre o apoio ao povo timorense, e o seu direito à autodeterminação, negando a anexação de Timor-Leste à Indonésia (nas resoluções: A/RES/3485, 1975; A/RES/31/53, 1976; A/RES/32/34, 1977; A/RES/33/160, 1978; A/RES/35/27, 1980; A/RES/36/50, 1981; A/RES/37/30, 1982). Em agosto de 1999, Timor-Leste volta a ser referenciado nas reuniões da AGNU onde é aprovado o orçamento inicial de cerca de 52 mil milhões de dólares americanos para a primeira missão no país – a UNAMET (United Nations Mission in East Timor) – (na resolução A/RES/53/240, 1999). Também o CSNU incluiu a Timor-Leste na sua agenda ainda antes de 1999. É de destacar

também o notável trabalho do então SGNU, Kofi Annan pelo seu empenho numa resolução pacífica da autodeterminação de Timor-Leste.

O papel de Portugal na pressão junto da comunidade internacional para causa timorense é paradoxal. Paradoxal porque, por um lado, nos primeiros anos e até 1986 – ano em que Portugal entra para a Comunidade Europeia -, o papel que a ex-metrópole desempenhou para que a Indonésia abandonasse Timor-Leste foi escasso e brando (Pureza, 2003: 9). Por outro lado, José Manuel Pureza admite que Portugal foi um elemento importante para a autodeterminação dos timorenses (2003: 20-1):

Portugal foi o veículo diplomático da vontade dos timorenses em se autodeterminarem […]. […] Portugal envolveu-se nos esforços diplomáticos para ser encontrada uma solução justa e juridicamente válida do caso, denunciando a ocupação, as violações grosseiras e em larga escala dos direitos humanos fundamentais, e a invalidade da apropriação dos recursos naturais de Timor Leste - Portugal interpôs uma ação contra a Austrália junto do Tribunal Internacional de Justiça em Fevereiro de 1991, relativa a um acordo assinado pela Austrália e pela Indonésia para a prospeção e exploração dos recursos petrolíferos do Mar de Timor (Pureza, 2003: 20-1).

Contrastando com a ideia apresentada por José Manuel Pureza acima citada, José Ramos- Horta (1994: 180, citado em Pureza, 2003: 20-1) denuncia a fraca atuação de Portugal no sentido de promover a causa timorense e evidencia o papel que «os países africanos de língua portuguesa», especialmente Moçambique, tiveram nesse sentido, apoiando mais a resistência timorense do que Portugal. Salientando apenas alguns momentos em que a diplomacia portuguesa apelou à causa timorense, José Ramos-Horta admite ainda que Portugal demonstrou pouco interesse em pressionar a comunidade internacional para a promoção da autodeterminação do povo timorense (Ramos-Horta, 1994: 180, citado em Pureza, 2003: 20- 1).

A entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia em 1986 veio marcar o ponto de viragem da atuação do país relativamente à situação da anexação de Timor-Leste pela Indonésia. Em primeiro lugar, é de destacar a posição dos países que pertenciam à Comunidade Económica Europeia, nomeadamente a Holanda, a Irlanda, entre outros, e que condenavam a inação de Portugal perante o problema que assolava a sua ex-colónia. Em 1996 a, já, União Europeia declarava que «qualquer solução deveria respeitar “os interesses e as aspirações legítimas do povo timorense”» (Neves, 2000, citado em Pureza, 2003: 23-4). Também a África do Sul, pela voz do seu então presidente Nelson Mandela, apelou à libertação de Xanana Gusmão e também ao direito à autodeterminação do povo de Timor- Leste (AP Archive, 2015 - c).

A sensibilização da comunidade internacional para a causa timorense também se fez sentir através dos grupos de solidariedade que se criaram um pouco por todo o mundo, como nos EUA, na Austrália, entre muitos outros. Estes, juntamente com a resistência armada e com a diplomacia internacional, legitimaram a luta pela independência de Timor-Leste.

Foram várias as individualidades internacionais que marcaram a luta pela independência de Timor-Leste de entre as quais se destacaram por exemplo Ana Gomes e Jorge Sampaio. Ana Gomes acompanhou de perto a causa timorense enquanto Coordenadora da Delegação Portuguesa no CSNU, motivo pelo qual foi destacada por Jaime Gama para Diretora da Secção de Interesses Portugueses na Embaixada da Holanda em Jacarta, tendo sido posteriormente Embaixadora de Portugal em Jacarta. A mediática “madam East Timor”, nome pelo qual era conhecida em Jacarta cunhado devido à luta incessante pela causa timorense, zelou pelos interesses do território mesmo antes das suas funções diplomáticas na Indonésia. Ana Gomes foi uma voz importante dentro do meio diplomático para as negociações para entre a Indonésia, Portugal e Timor-Leste, tendo ganhado a simpatia de Ali Alatas e de Xanana Gusmão. Ana Gomes desempenhou também um papel importante ao ajudar muitos refugiados timorenses após a consulta popular, durante o extremar da violência no país. (Ribeiro, 2018).

4.3. A importância do direito internacional na salvaguarda do