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3 PROJETO DE ARQUEOLOGIA PREVENTIVA DA UHE FOZ DO CHAPECÓ:

4.2 ARQUEOLOGIA DE GÊNERO

As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade; começam a afirmar sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver integralmente sua condição de ser humano. Educadas por mulheres, no seio de um mundo feminino, seu destino normal é o casamento que ainda as subordina praticamente ao homem; o prestígio viril está longe de se ter apagado: assenta ainda em sólidas bases econômicas e sociais. É pois necessário estudar com cuidado o destino tradicional da mulher. Como a mulher faz o aprendizado de sua condição, como a sente, em que universo se acha encerrada, que evasões lhe são permitidas, eis o que procurarei descrever. Só então poderemos compreender que problemas se apresentam às mulheres que, herdeiras de um pesado passado, se esforçam por forjar um futuro novo. Quando emprego a palavra “mulher” ou “feminino” não me refiro evidentemente a nenhum arquétipo, a nenhuma essência imutável; após a maior parte de minhas afirmações cabe subentender: “no estado atual da educação e dos costumes”. Não se trata aqui de denunciar verdades eternas, mas de descrever o fundo comum sobre o qual se desenvolve toda existência feminina singular (BEAUVOIR, 1970, p. 7).

Escrito por Simone Beauvoir, este trecho do livro “O Segundo Sexo”, reflete bem a ideia de libertação para todas as mulheres em meados da década de 1940. Este pensamento coloca Beauvoir (1970), como grande pensadora crítica de sua época, além de pôr em voga que os gêneros seriam escolhidos e construídos culturalmente. Apesar de o entendimento contemporâneo colocar esta frase como contraditória, não se pode esconder que esta posição era extremamente original em sua época, e acaba por antecipar os estudos em relação ao gênero da atualidade.

Nos anos de 1930, o tema sobre a mulher começa a ganhar mais destaque na produção científica contemporânea, a partir das

[...] ciências humanas, as sociais em particular, foram marcadas pela progressiva incorporação do conceito de gênero. A distinção entre sexo e gênero constitui-se numa ferramenta conceitual e política, pois ela representou um forte argumento nas lutas políticas em torno dos direitos das mulheres (SILVA; CASTRO; LIMA, 2011, p. 18).

Ou seja, já nos anos de 1970, as pesquisas nesta temática avançaram teoricamente para a categoria gênero. Os estudos mais recentes partem do conceito de gênero, que comporta um sentido distinto do conceito de sexo (DÍAZ-ANDREU, 2005). Desta forma, “a identidade de gênero, é a classificação, inserção, atribuição dada a um indivíduo que os demais de uma sociedade fazem a uma ou várias categorias de gênero específicas, fundadas na diferença sexual socialmente estabelecida na sociedade” (SILVA; CASTRO; LIMA, 2011, p. 67).

Na estruturação de um grupo social, o gênero é uma das identidades fundamentais, e é um fator essencial que devemos considerar no estudo da esfera econômica e social, pois a economia e a sociedade estão intimamente ligadas (DÍAZ-ANDREU, 2005). Assim, como cita Joan Scott (1990), o gênero não remete apenas a ideias, mas sim a práticas cotidianas e tudo que está ligado a relações sociais.

Porém, abrangendo a arqueologia, desde a década de 1980 e 1990, o que vem se destacando no cenário nacional e internacional é a arqueologia pós-processualista. Este conceito questiona o positivismo da arqueologia processual, e vem, desde lá, procurando compreender os outros modos de entender o mundo e os grupos humanos (HERNANDO GONZALO, 2005). Este viés conceitual, destacado nos últimos anos, discute, além da etnicidade, o gênero na arqueologia.

O primeiro trabalho publicado de gênero e sobre a mulher no campo da arqueologia é datado em 1984. Já no ano de 1988, Conkey e Spector organizaram uma conferência para discutir os limites e as possibilidades desta nova abordagem no campo da arqueologia. Foi publicado, por conseguinte, o artigo intitulado: “Engendering archaelogy: Woman ande Prehistory” no ano de 1991, o qual serviu como base para novos trabalhos científicos sobre esta temática na arqueologia (LANDA, 1995). Para tanto, o gênero é uma identidade diversa, podendo ser percebida e assimilada de maneiras diferentes em cada sociedade em decorrência do seu caráter simbólico. Por esse motivo, não é simples o estudo de gênero na arqueologia, além disso, “os estudos arqueológicos, na maioria dos casos, podem analisar as categorias de gênero mais gerais, ou seja, homens e mulheres” (SILVA; CASTRO; LIMA; 2011, p. 69).

Neste sentido, quando o objeto de estudo é a mulher Guarani, coadunam-se outros percalços ao objeto de análise, porque a questão da mulher é pouco documentada nos relatos

produzida pelos europeus sobre seus contatos com os Guarani. E, quando aparecem, estão carregadas de preconceitos (LANDA, 1995). “Quanto mais longe alguém vai ao passado, maior é a invisibilidade dos papéis da mulher e mais incrementados são os homens” (ADOVASIO; SOFFER; PAGE, 2009, p. 94). Isto se enquadra desde um passado mais afastado da humanidade e se estende até a contemporaneidade.

A questão da mulher pode ser vista por diários de bordo de expedições, como as expedições de Darcy Ribeiro (1996), entre os anos de 1949 a 1951, onde documentou, no livro Diários índios, um pouco sobre a mulher indígena nas aldeias Kaapor, abrangendo o que diz respeito à confecção da cerâmica. Neste documento, comprova-se que existia exclusividade feminina no trabalho de confecção da cerâmica, além de divisões de tarefas bem acentuadas nas aldeias (RIBEIRO, 1996).

Nas pesquisas mais recentes sobre a mulher, a partir da década de 1990, tem-se visto que as atividades femininas correspondem a rígidas definições de comportamento.

Os padrões e regras de comportamento existentes nas atividades exercidas pelas mulheres podem ser verificadas entre os Guarani arqueológicos através da cerâmica, e nos históricos a partir de todos os itens da cultura material que só mudaram a partir do contato com os europeus (LANDA, 1995, p. 18).

Estas regras também são vistas na divisão sobre as relações entre gênero e atividade de subsistência e produção. Em relação à categoria gênero homem esta tem como atividades aquelas caracterizadas como ativas e essenciais. Já a categoria gênero mulher relaciona-se às atividades rotuladas passivas, com status de auxiliares (DÍAZ-ANDREU, 2005). Ou seja, reproduz-se o conceito de dualidade, proposta por Levi-Strauss (1985), em que homens estão ligados a cultura e a mulher a natureza.

Nesta pesquisa, compreendemos gênero como a referência da construção cultural que representa o papel exercido por homens e mulheres nas relações sociais. Cabe aqui ressaltar que utilizaremos o termo gênero como perspectiva analítica para a compreensão das atividades da mulher Guarani. Pois é de acordado que, atualmente, quando falamos da mulher, utilizamos o termo gênero para identificá-la, porém, quando partimos de um estudo que abrange a mulher Guarani pré-colonial, iniciamos em um passado mais remoto da história da humanidade, por este motivo, usaremos o termo denominatório “mulher Guarani”.

4.3 RELAÇÕES SOCIAIS NOS ASSENTAMENTOS GUARANI: ARTEFATOS

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