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O ARQUIVO E A MEMÓRIA DIGITAL

CAPÍTULO 1 – TECNOLOGIA DIGITAL: O MUNDO DAS REDES

1.5 O ARQUIVO E A MEMÓRIA DIGITAL

O objeto de pesquisa deste trabalho está inserido em um local de muita visibilidade - a rede -, e, por se tratar de uma rede social sua utilização se dá por diversos motivos, seja para entretenimento, para seguir receitas de cozinha, para estar em contato com família/amigos, para seguir a previsão do tempo, para ler as notícias nacionais e internacionais, etc. O nome dado a essa ferramenta decorre do nome coloquial para o livro que é ofertado aos alunos no início do ano letivo por algumas instituições universitárias dos Estados Unidos, com o objetivo de ajudar os alunos a conhecerem uns aos outros. O Facebook, criado por Mark Zuckerberg e alguns de seus colegas de quarto, foi proposto por motivos parecidos com os dos livros ofertados nas universidades. Estudante da Universidade de Harvard, Mark elaborou o Facebook com o intuito de conhecer melhor os alunos que cursavam e frequentavam a mesma instituição, após a expansão para outras faculdades e, por fim, em escolas do ensino médio e fundamental15.

Observando os motivos de utilizarmos o Facebook atualmente (2018), notamos que a finalidade se mantém. Ainda é utilizado como meio de conhecer as pessoas, conhecer os seus gostos, o que essa pessoa posta, o que ela faz, etc. Todavia, tudo isso é possível se o perfil do sujeito não for bloqueado para quem não for do seu círculo de amigos. Do contrário, apenas “solicitando a amizade” dessa pessoa para poder acompanhar sua vida no âmbito do virtual. Além disso, essa rede social também permite que você encontre pessoas das quais você era mais próximo na infância e, claro, também pelo acaso de possuir amigos em comum. A própria rede social sugere amigos da sua rede de amigos. A partir disso, você consegue contato com pessoas - amigos da escola, vizinhos na infância - que eram de uma época em que nem haviam criado a rede social Facebook. Nesse sentido, é uma rede que proporciona (re)encontros entre pessoas que, às vezes, ficaram muito tempo sem se falar.

15 Cf. em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/02/facebook-faz-14-anos-veja-curiosidades-

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A partir desse “gancho” de encontros e (re)encontros, situações que lidam com memórias, pensemos acerca desse conceito construindo um processo crescente das definições de memória, trazendo algumas reflexões tomadas por Pêcheux, Orlandi e Dias. Pensemos, em um primeiro momento, na memória não como algo visto no âmbito do psicológico, de vivências passadas, uma memória que é individual. Sabemos que esse conceito de memória existe, podendo assim trazer essa reflexão para contrapor ao processo de memória no discurso, que é compreendido como algo que fala antes. No entanto, para nós, “memória deve ser entendida aqui [...] nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da memória social inscrita em práticas, e da memória construída do historiador”. (PÊCHEUX, 1999, p. 50).

Pensando então na questão do funcionamento da memória no discurso, Pêcheux (Ibid.) formula a questão da memória discursiva, que seria aquilo que “vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível”. (p. 52). A memória discursiva funciona em relação ao interdiscurso, definido por Pêcheux (1995) como

[...] ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas, esclarecendo que também ele é submetido à lei de desigualdade- contradição-subordinação que, como dissemos, caracteriza o complexo das formações ideológicas. (Ibid. p. 162, grifos do autor).

Tudo que dissemos já foi dito por alguém, em algum lugar. “O dizer não é propriedade particular” (ORLANDI, 2015), as palavras fazem sentido aos sujeitos, pois elas significam na história. Ou seja, existe um conjunto de formulações já ditas e que já foram esquecidas, que determinam o nosso dizer, o que constitui o interdiscurso. Orlandi (2007), pensando na questão da tecnologia e da memória infalível, formula o conceito de memória metálica - desenvolvido em 1996 - de uma memória que, por ser produzida na tecnologia, aparentemente não possui falhas, e, nas condições de produção do digital, há implicações também no que tange à noção de memória. Orlandi, a respeito, distingue:

a memória discursiva (interdiscurso, constituída pelo esquecimento) a

memória metálica (das máquinas) e a memória de arquivo, sendo esta a

memória institucional, a que não esquece e alimenta a ilusão da “literalidade”, acentuando a ilusão de transparência da linguagem,

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sustentada pelas instituições, lugares por onde circula o discurso documental e que servem a sua manutenção e estabilização. (2010, p. 04).

O conceito de memória metálica aqui abre espaço para o “não- esquecimento”, pois lida com o que é fluido, com o que vem em excesso. A memória metálica é facilmente acessada, é constante, é atualizada, produzindo um efeito de completude, do já interpretado, do já dito. Por se ter acesso facilmente a ela podemos também pensar na memória que é arquivada, a que produz efeitos de controle, podendo o sujeito escolher os seus registros. “[...] A memória metálica apresenta-se como uma linguagem que possui ‘imaginariamente dimensões precisas, com recortes, segmentos, tamanhos’ (ORLANDI, 2001, p. 114, grifos da autora), ela traz o excesso (como repetição de dados), ela é a memória própria do computador, da internet.

Considerando as questões de memória, Dias (2016) avança as formulações acerca do conceito e, assim como em muitos dos seus trabalhos, relaciona-o com o digital, trabalhando o que chama de memória digital. Para a autora, o digital traz essa ilusória noção da memória infalível, como algo de uma ordem do “não equívoco”, de que a tecnologia não falha. A partir dessas reflexões, traz a ideia de uma memória inesgotável, de que as possibilidades físicas da tecnologia são vistas como inesgotáveis.

Nesse sentido, o que tenho procurado compreender como memória digital, fazendo avançar a formulação de Orlandi, difere de memória metálica, mas não se desloca dela, pois se por um lado a memória metálica, que funciona pela quantidade, pela possibilidade de armazenamento e processamento dos dados, ou seja, a memória do computador, por outro lado, a memória digital é esse resíduo que escapa à estrutura totalizante da máquina e se inscreve já no funcionamento digital, pelo trabalho do interdiscurso. (Ibid. p. 12).

Muito do que a autora define em seus trabalhos cabe para pensarmos e refletirmos no nosso objeto de estudo. Trazendo o conceito de memória digital, Dias também menciona que ela a vê como uma “atualização discursiva pelo trabalho do interdiscurso, considerando o acontecimento do digital”. (Ibid. p. 12). Então, pensando no nosso objeto de análise, onde se localizaria o textão? Ele localiza-se nesse espaço da postagem, e essa postagem surge quando o sujeito precisa parar para dizer. Essas postagens vão constituindo uma memória, uma memória digital. Uma memória que está dentro de espaços digitais. Ela associa isso a memória

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discursiva, é quando esse mesmo digital te faz relembrar alguma coisa.

A memória discursiva é, portanto, o que sustenta o sentido daquilo que é atualizado, na sua relação com o virtual. Essa sustentação se dá pela repetição. O sentido é sustentado pela repetição (a memória) e pela diferença estabelecida pelo movimento de atualização (a formulação). (DIAS, 2004, p. 80).

Transformamo-nos em uma “sociedade de informação e de comunicação permanente, no estado de aceleração, de ilimitação e de indiferença que ela induz”. (HAROCHE, 2015, p. 08). Essa sustentação dada pela repetição é uma das particularidades do nosso arquivo e é, a partir disso, que o sujeito organiza o seu discurso no digital, por aquilo que se apresenta de maneira constante e imediata. Mesmo que essas ferramentas se modifiquem, os sujeitos mantêm suas relações, sejam elas físicas ou virtuais. Portanto, não importa o espaço, não importa a época, o sujeito e a sociedade estarão sempre produzindo significância no seu dizer.

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