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2. Análise e reflexão com base nos dados recolhidos

2.1. Acervo de LDS: arquivos e outros elementos constitutivos

2.1.2. Arquivo pessoal

Luciana Heymann socorre-se das seguintes definições: “Arquivos privados […] são os conjuntos de documentos produzidos ou recebidos por instituições não governamentais, famílias ou pessoas físicas, em decorrência de suas actividades específicas e que possuem uma relação orgânica perceptível através de processo de acumulação. (…) Trata-se de papéis ligados à vida familiar, civil, profissional e à produção política e/ou à intelectual, científica e artística de estadistas, políticos, artistas, literatos, cientistas, etc.” (Bellotto apud Heyman 1991)16

.

Na nossa perspectiva, estas definições ajudam muito pouco mas servem para demonstrar como o assunto “arquivos pessoais” não constitui um terreno pacífico e desbravado, não só nos seus fundamentos como no enquadramento teórico e nas práticas. Philippe Artières (1997), por outro lado, dá uma visão dinâmica da prática privada de arquivamento: “Passamos assim o tempo a arquivar as nossas vidas: arrumamos, desarrumamos, reclassificamos. Por meio dessas práticas minúsculas, construímos uma imagem para nós mesmos e às vezes para os outros”17.

Há que compreender e respeitar as estruturas documentais próprias e específicas da natureza dos arquivos pessoais, o que obriga à abertura de perspectivas por parte do arquivista, o qual deve ser capaz de “ler” relações, vínculos arquivísticos, para lá dos que, como nos casos das instituições públicas, decorrem das actividades administrativas consignadas em diplomas legais, de que aquelas actividades derivam, ou à respectiva sequência, assumida como natural, da deposição de documentos. Visto por outro lado, trata-se da mudança de perspectiva: de uma perspectiva mecanicista e esquemática, para uma perspectiva aberta, artificial, sistémica, sendo estes também atributos do próprio objecto arquivístico.

16

HEYMANN, Luciana Quillet – Indivíduo, memória e resíduo histórico: uma reflexão sobre arquivos pessoais e o caso Filinto Müller. [São Paulo: USP?], 1997. (Estudos históricos; 19). p. 63.

2.1.2.1. Arquivo analógico

No arquivo de LDS, devido à sua longevidade, predomina o suporte papel. Existem também documentos analógicos (na divisão A e também, embora menos significativamente, na Divisão B) – cassetes VHS, cassetes áudio – que, porque tecnologicamente obsoletos, exigiriam como preocupação primeira a capacidade de lhes aceder com recurso a equipamento de leitura adequado, que não fizemos.

É sobre os documentos em suporte papel que concentraremos a nossa atenção, por razões que iremos explicando ao longo deste trabalho, mesmo se este arquivo inclui componente electrónica.

2.1.2.2. Arquivo electrónico

The gap between how we access information and how the computer access it is at the heart of the revolution in knowledge.

Because computers store information in ways that have nothing to do with how we want it presented to us, we are freed from having to organize the original information the way we eventually want to get it (Weinberger apud Cox). Richard J. Cox, Personal archives and a new archival calling, p. 173.

Existem documentos electrónicos em CD, DVD, pens e disquetes, todos localizados na divisão H.

Por outro lado, muitos conjuntos documentais incluem printouts intercalados com manuscritos autógrafos e dactiloscritos, bem como algumas disquetes. Estas unidades tecnológicas de naturezas opostas – “papéis” (páginas, folhas), e ficheiros “.doc" – são em alguns casos transversais a todo o acervo, sendo impossível ignorá-las. E isto porque respondem a necessidades funcionais precisas da escritora, necessidades essas que se prendem com o seu processo criativo, pouco lhe importando a unidade tecnológica de suporte ao texto, desde que o conteúdo seja aquele que procura num dado momento.

Caracterizada a realidade tal como se apresenta aos nossos olhos, cabe aqui uma breve contextualização deste facto: trata-se da presença simultânea de unidades tecnológicas diferentes na mesma unidade de acondicionamento ou na mesma unidade de instalação.

Acontece que, com a introdução de novas tecnologias, as estruturas documentais tendem a transmutar-se, metamorfoseando a natureza dos documentos, introduzindo outras lógicas e obrigando a novas posturas por parte do arquivista, no que se relaciona com o reconhecimento, a compreensão e o respeito pela ordem original. Assim, o delineamento de técnicas a privilegiar para um edifício documental, em parte materializado em suporte digital (ficheiros electrónicos), levanta questões formais e metodológicas próprias e exclusivas. Conteúdos e contentores podem

ser separados, embora continue a ser necessário considerar questões de comunicação ou de acesso à informação já que a mensagem é o que passa a importar em exclusivo, num contexto agora científico-informacional, conduzindo-nos a um paradigma da complexidade. Em arquivística, as técnicas que procuram garantir que a ordem original seja preservada na dimensão temporal, tendo como alvo as especificidades do mundo digital, têm tido um forte desenvolvimento sobretudo a partir dos anos 90.

2.1.3. «Museu Luísa Ducla Soares»

Antes de tomar decisões sobre se era de excluir ou não deste trabalho o espólio encontrado na divisão denominada “Museu Luísa Ducla Soares”, procedemos ao seu levantamento quase por completo. E verificámos que este espaço consubstancia um campo fértil de perplexidades. Assim, aqui são arquivados:

1. Memórias da escritora, que traz para casa sempre que visita Escolas ou outras Instituições ligadas ao ensino e/ou à leitura, consubstanciados em trabalhos de alunos, professores e bibliotecários escolares: desenhos, álbuns, pequenas esculturas, fantoches, marionetas, ramos de flores em papel e em outros materiais (reciclados, por exemplo), toalha de mesa, conjuntos de louça, instalações, caixas, quadros, lenços de namorados.

2. Objectos de homenagem: salvas, medalhas. 3. Retratos de LDS pintados à mão.

4. Material preparatório de escrita: adivinhas, lengalengas, recolhas infantis, bibliografias, folclore, acrósticos, etc.

5. Trabalhos dos alunos e/ou professores em suporte electrónico com imagens, estáticas ou em movimento, feitos a partir dos desenhos dos alunos.

Esta panóplia de materiais existentes no “Museu” leva às seguintes questões ou postulados:

1. Quase todos os materiais aqui existentes não se integram em conjuntos, mas constituem peças únicas;

2. Todo o material iconográfico em suporte papel faz parte do arquivo e, simultaneamente, do corpus museológico, bem como dele fazem parte os objectos existentes neste espaço.

carta, podem ser ou não ser peças de arquivo. O que faz de um objecto ou de um registo uma peça de arquivo é unicamente a razão por que são conservados: necessidade de garantir, no tempo, a função de prova e/ou informação sobre uma actividade ou transacção. Nada impede que uma mesma peça possa simultaneamente pertencer a um arquivo, a uma biblioteca ou a um museu, o que não constitui problema: basta tratá-la documentalmente em cada uma das três vertentes – arquivística, biblioteconómica, museológica – e posicioná-la fisicamente onde tiver mais cabimento, de acordo com o contexto institucional em que se insere.

Procurando fundamentar este postulado, tomemos a colecção de exemplares de 1.ªs edições da obra publicada de LDS. Esta colecção (AIVb) integra fisicamente a sua biblioteca privada mas, simultaneamente, pode fazer parte do seu arquivo, aí constando como série e como tal sendo descrita. Para um objecto manter a sua eficácia arquivística, não basta estar fisicamente instalado numa sala. Tem que estar ligado, física ou sobretudo intelectualmente, ao seu contexto documental. É esta ligação que transforma um documento biblioteconómico (por exemplo, uma monografia), num documento arquivístico, ou um objecto museológico (uma pintura) numa peça arquivística. O livro pode permanecer na biblioteca, a pintura no museu. Cabe às diferentes disciplinas assumir o mesmo item documental em cada um dos sistemas de tratamento documental, no contexto de um sistema de informação, de um paradigma da complexidade portanto, em que os “record managers” devem ser capazes de integrar proactivamente uma gestão eficaz, também ao nível da arquivística, numa relação preço-qualidade-velocidade de reconstituição de um arquivo e de disponibilização da informação correspondente. É na reconstituição do contexto de um arquivo nesta era, e a pensar no utilizador, evidentemente, que está o desafio. A especificidade de cada item documental (record) coexiste com a unidade que a informação, que é o que interessa, constitui, pouco importando o suporte ou o seu aparato.

Tem razão Malheiro da Silva (2004) quando diz que “(…) os termos de arquivo e de biblioteca atrapalham mais do que ajudam (...)”. Acrescentamos o termo “museu”. São as práticas das respectivas disciplinas que têm de continuar a ser aprofundadas, ramificando-se então em especialidades quando necessário. Veja-se o caso das próprias paisagens culturais que podem ser alvo de registo como tesouro, se atentarmos na Lei n.º 107/2001 DR 209 S. I-A de Set. 2008, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, e nas Orientations devant guider la mise en oeuvre de la Convention du patrimoine mondial18

, desde que obedeçam, entre outros, a critérios de autenticidade e de valor testemunhal no tempo.

18

UNESCO.Centre du Patrimoine Mondial – Orientations devant guider la mise en oeuvre de la Convention du Patrimoine Mondial. [Paris] : UNESCO, 2008. WHC. 08/01.

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