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ARREMATANDO FIOS

No documento suzimaraalmeidapassos (páginas 146-150)

Estamos num planeta que vive, titubeia, sem provisões certas para o amanhã. Talvez, como já o afirmei, as cartas já tenham sido dadas, mas só o saberemos muito tempo depois; mas, talvez, tudo continue em jogo e sendo jogado novamente, em mil bifurcações, hesitações, aqui e acolá, no mundo, e que a cada instante a decisão depende da coragem ou da covardia, da lucidez ou do desvario. Talvez seremos testemunhas ou atores do acontecimento desconhecido fazendo deflagrar a grande avalanche, cujo estrondo repercutirá até o final dos tempos humanos (MORIN, 2010, p. 54)

É chegado o momento de encerrar um tempo para que outros possam emergir. E, dentro da perspectiva da Complexidade, este trabalho se apresenta como obra incompleta e inconclusa, pois que sendo a vida um caleidoscópio, o que me foi possível ver/sentir/pensar sobre as inter-relações com as diferenças no contexto escolar nunca mais poderá acontecer de um mesmo modo já que, como muito bem refletiu Heráclito, “ninguém pode entrar mais de uma vez em um mesmo rio de um mesmo modo”, pois o fluxo da vida é dinâmico, fazendo com que as pessoas e suas realidades estejam em constante movimento.

Nesse sentido, é muito importante destacar que a trama-texto aqui apresentada como resultado da pesquisa que fiei durante o curso de Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz já se apresenta, ao mesmo tempo, ultrapassada e nova, conforme os olhares/sentimentos/pensamentos a ela direcionados.

Por isso, convém aqui arrematar alguns fios-compreensão sobre as inter-relações com as diferenças, de tal modo a não deixar esvaecer a tessitura que consegui fazer sobre os sentidos atribuídos à diversidade.

Coloco-me arrematando os fios das re(a)presentações das diferenças, já que desde seu surgimento neste planeta, a humanidade tem se deparado com a questão da diversidade sem, contudo, compreender o seu valor para a existência da vida, como uma teia complexa.

Assim, quando iniciei minha jornada investigativa disposta a percorrer as trilhas das inter-relações com as diferenças, refletindo sobre seus mais variados aspectos, tinha consciência da responsabilidade de desencavar conteúdos significativos embutidos nas atitudes do dia-a-dia do comportamento humano.

Por isso, considerei que se é inegável que a diversidade é vida, também é preciso considerar que a partir do momento em que o ser humano observou as diferenças – imanentes da condição humana – sob a ótica da produtividade (primeiro como

necessidade de sobrevivência e, depois, devido a um “desejo de purificação” da espécie humana) a história da humanidade ficou marcada por fortes conflitos de exclusão das pessoas consideradas “diferentes”.

Assim, a cultura humana erigiu seus pilares tendo por base uma concepção de diferença enquanto doença, deficiência ou falta, indícios que se fizeram recorrentes nas observações feitas no cotidiano escolar.

Nesse contexto, foi possível notar que mesmo estando em um espaço/tempo denominado de Atualidade, onde se proliferam políticas públicas para referendar a inclusão, as pessoas ainda se encontram enraizadas em concepções de vida, de mundo e de ser humano que fazem seus discursos inclusivistas serem meros eufemismos lingüísticos, já que suas ações não passam de reformas em torno de uma mesmidade, ao invés de buscarem transformações em prol de uma convivência perpassada pela alteridade.

Buscando autores que me ajudassem a ultrapassar as fronteiras da linearidade e da universalidade Moderna, encontrei-me com Maturana, Morin, Martin Buber e Paulo Freire que me ensinaram que existir é coexistir, pois o ser humano traz em sua genética biospsicossocial e espiritual a capacidade inter-relacionamento com seu semelhante, mas, sendo-lhe ainda necessário aprender que semelhante não é sinônimo de igual ou de homogêneo, mas, de condição de ser vivente e, conseqüentemente, ser aprendente e complexo.

Nessa perspectiva, Carlos Alberto Marques e Carlos Skliar, foram de suma importância para o entendimento de que mesmo sendo irreversível a ruptura de paradigmas pela qual o universo transita, ainda há muito que se fazer quanto às inter- relações com as diferenças, pois a apreensão da diversidade deixa antever uma imbricação de sentidos bem distintos dentro da interatividade humana.

Assim, as diferenças podem ser negadas e/ou marcadas, determinando uma interação hierarquizada entre o “eu da mesmidade da normalidade” e o “outro da diferença da anormalidade”, o que foi percebido como recorrente nas inter-relações tecidas no ambiente escolar, locus dessa pesquisa.

Mas, como o ser humano é um ser inacabado, conforme já dizia Paulo Freire, o desenvolvimento da “inteireza de seu ser” precisa da convivência que, por sua vez, exige mudanças não só nas ações aparentes, mas, mais ainda nas concepções que alimentam os pensamentos, que subsidiam as atitudes que, por sua vez, determinam as ações.

Nesse contexto, foi-me possível considerar que mesmo sendo uma necessidade humana, o conviver com as diferenças, isto é, a diversidade vivida, ainda se apresenta como um grande desafio para as pessoas, os grupos, as comunidades, pois articular os limites de aproximação e de distanciamento imprescindível à identidade do eu e do outro no contexto da diversidade não é uma tarefa simples, já que depende da religação entre o sentir e o pensar, fios que foram disjuntados pelo cientificismo moderno.

Desse modo, o espírito da busca de uma inter-relação dialógica de “eu” com o “outro, considerando suas diferenças como necessárias à constituição identitária permeou meu trabalho, cuja tessitura organizativa daquilo que apreendo como uma necessidade de construção de uma interação ecossistêmica tanto na escola quanto na sociedade como um todo, ressignificou as metáforas da tecelagem, do tear, da tessitura e das pessoas como aves-tecelãs, entrelaçando mito e realidade, ciência, literatura e arte, simbologia e fatos feitos no cotidiano do viver.

A pesquisa empreendida no tecido escolar e as reflexões conceituais elaboradas nesse entremeio me fizeram entender que, para além do objetivo investigativo de ver/sentir/pensar e narrar as inter-relações com as diferenças, buscando dar ênfase aos indícios dos sentidos atribuídos à diversidade, tenho também o objetivo existencial de chamar a atenção de todos e todas para as amplas possibilidades que se abrem para cada um de nós ao compreendermos a interdependência existente entre todos os seres humanos e destes com a natureza, com a vida, com o cosmo.

Assim, arrematados seus fios retiro do tear o texto-tecido e, com os fiapos de pensamento que me restam, componho este pequeno enredo que a vós apresento com o carinho de ave-tecelã que sou:

Era uma vez uma mulher.

Uma mulher com suas irrequietas mãos. Mãos de tecelã,

Que passava os dias a entretecer suas tramas. Tramas tecidas.

Ou serão tramas pensadas?!?

A mulher tecia com as mãos o que seus pensamentos entreteciam.

Assim, enredada nas idéias, nos sonhos, nas utopias, urdia os fios da cotidianeidade da vida, tecendo a sua rede existencial.

Sua vida, então, arabesco que era, servia de risco para os rabiscos que arriscava fazer em seu texto-tecido.

E, dessa forma, do sol nascente ao sol poente, entretecia histórias, em que fios e linhas de todo tipo, ponto a ponto, na urdidura de suas mãos buscavam novas tramas do (com)viver.

Cada dia uma história.

Histórias tão entrelaçadas que somente era possível apreender indícios da textura de seus múltiplos e emaranhados fios.

Por isso, a cada dia, puxava fios, (des)enrolava meadas e, como artífice das histórias tecidas no enredo do viver, nem sempre gostava dos contos, artifícios de seus pontos, colocando-se a desatar nós, desfazer fios, desatar linhas de seu sentir/pensar/viver, des(a)fiando o tecido que havia urdido, colocando, então, no tear do seu viver outros fios-palavras para entretecer outra trama-texto, a compor novo tecido- vida, com seus fios arrematados, de tal forma que as diferenças dos seres-fios-viventes não desapareçam, pois que são a riqueza e o brilho têxtil do (com)viver.

Portanto, como ave-tecelã da existência, suas mãos (ou será asas?!?) lhe mostram que no ir e vir do viver, o que hoje é feito também pode ser desfeito para amanhã ser (re)feito com a coragem de não mais tentar fazer igual o que tem seu valor por ser desigual.

E, com isso, junto-me a outra ave-tecelã, de nome Fernando Pessoa (2008), que me acalentou por sussurrar que “tantas vezes pensamos ter chegado; tantas vezes é preciso ir além”.

Deixo a todos e todas que são parte desse trabalho, tanto na urdidura, quanto na leitura, um amplexo entrelaçado com os fios do Fluido Cósmico Universal.

No documento suzimaraalmeidapassos (páginas 146-150)