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5 INSCRIÇÕES

5.3 KD A ARTE?

Continuando a investigação sobre as possibilidades da inscrição pública, passamos, agora, à análise de mais um registro que aqui será denominado “KD A ARTE?” (cadê a arte?). Inscrita no muro do Museu de Arte do Espírito Santo (MAES) no ano de 2012, a manifestação, em forma de pergunta permanece, se encontra, até o presente momento, em seu local de origem. A inscrição foi enquadrada como objeto desta pesquisa por preencher, ou levantar questões sobre, os requisitos que a constituem enquanto inscrição pública. De acordo com a pesquisa podemos concluir que a autoria era desconhecida e que foi feita sem autorização. Seu significado e sentido funcionam diretamente em função do espaço ideológico em que foi inscrita, a fachada do museu. Entretanto, verificamos que, diferentemente dos outros casos, esta inscrição não foi apagada, permanece lá, ao lado da porta de entrada da instituição. A partir dos conceitos que aqui estão apresentados, o rumo da investigação se direcionou para a hipótese, a possibilidade de que aquela talvez fosse a construção de um espaço público agonístico e que, ali, de alguma forma, o dissenso estava sendo exposto e mantido. Formalmente, começamos a especular que talvez a resposta desta manutenção antagônica se encontrasse no ponto de

interrogação da frase, ou seja, talvez a explicação se encontrasse no fato desta inscrição ser uma pergunta e não propriamente uma afirmação. De alguma forma havia se instaurado um diálogo entre a inscrição e a instituição, sendo que, do nosso ponto de vista, quem estava mantendo esta comunicação e este dissenso – sem apagar o antagonismo – era a própria instituição.

Figura 14 - KD A ARTE? - Fachada do MAES Fonte: Diego Kern Lopes 2012

Neste sentido, a fim de averiguar esta possibilidade, a pesquisa fez com que fossemos conversar com a instituição. Conseguimos marcar um entrevista com a curadora da instituição, por quem fomos gentilmente recebidos. Durante a entrevista expusemos todos nossos argumentos como explicação da manutenção da inscrição na parede externa do museu. Após ouvir a hipótese – da inscrição e da manutenção do mesma como exposição de um antagonismo, um diálogo radicalmente democrático – recebemos da curadora a resposta de que, apesar de ter a explicação interessante, de fato, o que ocorria é que a instituição não possuia verbas para pintar a parede, sendo esta a causa da manutenção da inscrição. Com o

depoimento, veio a questão: será que a resposta podia ser tão simples? No momento, parecia que sim.

Entretanto, como este trabalho tenta defender, as estruturas dos discursos mudam e, no transcorrer do tempo podem e, efetivamente, trocam de lugar. O fato é que, naquele mesmo dia, 28 de novembro de 2012, à noite – esta entrevista foi no início da tarde – ocorreria uma reunião, para a qual fomos convidados, sobre um projeto de intervenção e ocupação do museu denominado “Invade MAES”.

Figura 15 - KD A ARTE? Foto da Inscrição Fonte: Diego Kern Lopes 2012

Chegando à reunião, algumas horas após a entrevista, a Diretora do museu informou-nos de que a explicação que havia sido dada no período da tarde não deveria ser levada em conta e que, sim, o museu havia deixado a inscrição propositalmente a fim de criar um diálogo com a sociedade. Diante destes elementos, a reflexão sobre esta inscrição se desdobrou em novas perspectivas. Um primeiro aspecto que podemos destacar é que, de certa forma, a resposta de que a

inscrição não foi apagada por falta de verbas é plausível, mas, mesmo assim, insuficiente. Afinal, não é preciso muitos recursos para removê-la, de tal forma que acreditamos que, em algum nível ou instância, existiu algum tipo de deliberação de manutenção, mas cuja natureza está fora, neste momento, de nosso alcance de investigação. Entretanto, o que ressaltamos, pois fortalece a potência crítica da inscrição, é a mudança no discurso da instituição. Defendemos que, mesmo que elementos intrínsecos à manutenção permaneçam desconhecidos, ao mudar o discurso, a instituição foi influenciada pela potência da inscrição. Talvez aqui, a inscrição, o discurso crítico contido nela, tenha se inserido no discurso que foi apresentado durante a entrevista afetando e gerando antagonismo, naquele momento, na identidade da instituição. A inscrição se comprovou como discurso crítico. Outro aspecto, que podemos refletir, versa sobre a questão da autoria. Acreditamos que neste caso efetivamente se verificou a existência da função autor de Foucault. O que temos são portadores destes discursos críticos que num primeiro momento foi o sujeito anônimo inscritor e em outro é o pesquisador que o reinsere em outra estrutura ou espaço e do tempo. Sendo assim, a inscrição manteve seu conteúdo, mas se modificou na forma.

No caso da inscrição “KD A ARTE?” podemos especular que seu fim não se deu por apagamento físico, mas em função do sistema digestivo institucional que, ao assumir o discurso contra-hegemônico da inscrição, realoca a potência crítica desta no que está escrito de forma institucional e hegemônica na versão da instituição.

Ainda como ponto de reflexão, merece destaque o fato de que durante as ações “planejadas” pelo museu, de ocupação e intervenção, aplicou-se a estratégia de também utilizar como espaço de manifestação as paredes e a fachada da instituição. Entretanto, defendemos que nestas circunstâncias – do projeto Invade MAES – não temos mais inscrições públicas. Afirmamos isto, em função da verificação de que: (1) não acreditamos que estas manifestações criem uma cisão, um rasgo discursivo; (2) sendo ações estimuladas e autorizadas pela instituição, o poder crítico e de geração de um espaço público de antagonismo se esvazia.

É por isso que, como pode ser percebido, por exemplo, na imagem (figura 16), a intervenção feita com estênceis lembrando roedores que invadem o museu, dentro do projeto Invade MAES que é posterior à inscrição “KD a ARTE?”, praticamente,

não tem potência crítica, pois, nos parâmetros desta pesquisa, já se origina de forma consensual e autorizada, não gerando qualquer tipo de antagonismo. De fato, acreditamos que a ação invade MAES, como um todo, não apresenta potência crítica, uma vez que a "invasão" originou-se a partir de um convite feito pela instituição aos artistas, o que esvazia a potência transgressora do verbo "invadir".

Figura 16 - KD A ARTE? - Invade MAES Fonte: Internet

Pensamos que, apesar da problemática que uma “invasão” programada possa representar para a potência crítica destas ações, uma possível estratégia para novas inscrições, tendo em vista este cenário, seria o de agir nas instâncias causadoras das questões que afetavam, particularmente, o MAES.

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