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A arte de reeditar Dolores Duran

No documento A poética do amor em Dolores Duran e Maysa (páginas 149-152)

ZÜZA HOMEM DE MELLCt

V m a d a s m a is ta len to sa s e ‘in ­ flu e n te s m u lh eres d a M iísica P o p u la r B ra sile ira , a c a n to ra e com positora D olores D uran, teve seu s discos regis­ tra d o s n a fa s e d a A lta F id elid a d e, ou H i Fi, e xp ressã o que correspondeu, n a época, às gravações fe ita s depois d a intro d u çã o do L ong F laying, ou seja, com o o p ró p rio nom e indica, a tra vés d e u m a técn ica b em m a is aperfeiçoada, e p o rta n to m a is p r ó x i­ m a do som real.

For essa razão, fo i p o ssív e l ser rea liza d o p e la C o p acabana (e d ific il­ m e n te o será com os cantores d a era dos discos 7S) um dos m a is originais trabalhos de reedições fe ito s no B ra ­ sil, a liá s u m a ju s tís s im a hom enagem a eàsa a rtista de p rim eira grandeza. T rata-se do á lb u m d u p lo "D o lo res D u ra n " (CO LF 12411, 2) com que se in ic ia n m a série in titu la d a O a leria dos Im ortais, a qual, p elo visto, deve­ rá constituir-se d e discos fe ito s sob os m esm os m oldes.

U tilizando a voz e o a co m p a n h a ­ m en to de D olores n a s gravações ori­ ginais, o m aestro H élcio A lv a re z ade- qiiott^-lhes um a v e stim e n ta in stru m e n ­ ta l (e, par vezes, vo ca l com um grupo).

de m odo a dar-lhes o aspecto de u m a g ra va çã o atual, in c lu siv e em estéreo.

A ssim , q uer en co rp a n d o a s cordas q uer reforçando as fla u ta s , ou u m e o u tro solo, ou a té m esm o su b stitu in d o in teg ra lm en te a seção in stru m en ta l no in term éd io d a s p a rles vocais, o tra b a lh o resu lto u quase n u m a outra g r a v a ç ã o , e não u m a i\:adição d a o b ra de D olores D uran.

S u a v o zin h a d e lic a d a fo i su b m eti­ d a a u m a filtra g em , p a ra que pu d esse s o a r de acordo com as n o va s versões, de m a n e ira que to d a a a tm o sfera en­ fu m a ç a d a e boêm ia dos anos SO do i l io de J o n e iro do s d m b a -c a n ç ã o , e x is te n te nos seus di<icos, a in d a que ca n ta n d o m ú sica s dé outros, pudesse ser a d a p ta d a p a ra os anos 70. Um e x e m p lo bem fla g ra n te d essa s d ife ­ ren ça s está na versão 79 de P o r C ausa de Você, onde nflo a p en a s o c lim a à la T rio S u r d in a da g ra va çã o original, m as tam bém a su tile z a d a in te rp re ta ­ ção vocal, fo r a m ra d ica lm en te a lte ra ­ dos sob o novo processo.

Be. em alg u n s casos, o re s u lta d o fo i fa v o r á v e l (exem plos: A B an ca do D e s tin o , Q u e m F ol7), e m o u tr o s (exem plos: P o r C au sa de Vocè, F im de Caso>, vai-se verificar, desde que se

co m p a rem a s d u a s gra va çõ es in te rc a ­ la d a s em m a is d e 20 anos, que a “r e - in te r p r e ta ç ã o re s su sc ita d a " de s u a o b ra, p ro u atielm en te fr u s tr a r á os fre q ü e n ta d o re s d a s boates c a rio c a s d a q u ela época; d a C o p a ca b a n a das co lu n a s so cia is em ergentes, dos A n to - n io M a ria , S érg io P o rto , l/ilclo R a n ­ gel, M a rio zin h o d e O liveira , do co­ m a n d a n te B du, e to d o u m a p lê ia d e de b r a s ile ir o s que co n stru íra m , ta lv e z sem m esm o se da rem co n ta, e p o r in c ríu e l que p a reça , a m ais co n scien ­ te e co n seq ü en te c o rre n te n a c io n a lis ­ ta d a m ú sic a p o p u la r b rasileira. E m ­ bora sem p re e em todos os lugares, te n h a sid o d ito e x a ta m e n te o con­ trário.

F a ra eles, os v elh o s discos de D o­ lores sã o in su b stitu ív e is , e eles têm to d a razão. P a ra os jo ven s, to d a v ia , que ta lv e z te n h a m d e la o u v id o fa la r m uito, e até m esm o se ligado em a lg u ­ m as de su a s canções c a n ta d a s p o r outros, esse á lb u m duplo, c u id a d o s a ­ m en te p ro d u z id o p o r P a u lo B occo, serve com o u m a eto g fãv el in ic ia ç ã o a q uem p reten d e conhecer bem a obra d a q u ela c a tiv a n te e a p a re n te m e n te fr á g il cria tu ra . A fo r tíssim a , e m todos os sen tid o s, D olores D uran.

viunwAL UU bHASIL Pasta D I A 12 8 AG01984 a

A TERNURÀ

ANTIGA DE DOLORES

ESTÁ DE VOLTA

N

A O U K L E te m p o — a d é c a ­ d a d e Ml d e D o lo re s D u ra n — o s a m o tc s ç r a m difíceis, m as n á o im p o ssív e is. S ó q u e a s p c s s o n s n á o sa b ia m . D ci.xavam -se tro - !>cçar e m io d a so ric d e b a r tc ir a s — social?;. c c o n n m ica.s. rn c ia is. re lig io sas, e tá r ia s , le g a is , é iic a s . m o ra is — e caíam nvmt in n a c o o n d e se p u n h a m a e m b a la r o " n ã o p o d e s c r " c n n io quen» c n lliv a u n ta flo r. T a jv c ? tc n iia n a s d d o a li a c x p ic s s ã o " n n l i r u n ia Í í « s a " . qvicr d i / c r , ficar d c n - n o d n b u r a c o a c a ric ia n d o o q n e sc sn p o - n lia im p o s s ív e l. A n ta r e r a q n a s c s in ô n i­ m o d c s o f r e r . ConK> V in ic iu s d e M o raes d c c ia io u c m vcrNOS d c c n tá o ; C lodo g rande am nr Só é bem grande sc for triste M as O poela das canvõcs populiircs qtic s c tv h a m dc fundo musical iuniela gcraçílo cnfossada não íoi Vinicius e sim m na m o icn a de rostu rrilo n d o . oliios vivos, den te s da fretílc ligcirantcntc scpa- lad o s. corpo m iúdo tendendo a engordar, jeito m eigo c trisie; l)«K»res D uran. Con- la-sc qn e cerio dia ela foi atraída p«)r um b oniío tem a nielikJIco que A n iônio C ar­ los Jobitn locava no piano da Rádio Naci<mal. E ntusiasm ada, pediu-lbc para fazer a le iia . Torn, sem pre sensível c elegante, ficou sem jeiit) üe dizer que Vinícius já csinva cuidando disso. No dia segulnle. a tnoç» apareceu com a letra prosjla e en trc g o u -a ao com positor.

Ah. vocc psiá vcnrln ,srt

Dl) jrilo q u r rti fíqucl I ' q u r tuü<i Th n u... Uma trí5l«/a lãn grande Nas cuisas m ais simptirs Que você (ucou... A nossa casa, querida, Já estava acostum ada C iuardando você As (lorcs na janela, S orriam , cantavam , Tor causa de vocí

O lhe, m eu Iwm, nunca mais Nus deixe, p o r favor! Somos a vida e o .sonbo,

Nós somos 0 a m o r... E n tre , m eu l>cm. p or favor Não deixe o m undo mau Lhe levar o u lra vez M r abrace simplesmente, Nãn fale, náo lem bre, Náo tb o re , meu b tm ... Üizern q u e , a o ler a letra, o próprio V inicius. tam bém sensível e elegante, rasgou a sua. M ais por sensibilidade do q u e p or elegância. D olores havia criado um a obra-prim a para a melodia dc Tom . Estava, dito tudo.

Vale ainda ouivo paralelo entre Vini­ cius e D olojes. E n q u an to para ele o am or era um.i expcricncla sem pre cheia de vida e perm a n en tem e n te renovável (“Jam ais parti dc um a m u lh er que náo fosse por o u tra ’ ), para cia era um senilniento diltcll, com plicado, sofrido, sem pre tem- pcradt> dc jw idas. descspcranvas. tiescn- contm s. solidão.

Ah, » snlidão vai acabar com igo... ü u então:

A vida acaba um |Miucn todo d ia ... 'D a í V inicius, em bora 17 anos mais velho d o qne ela. ter sido m uito mais o poeta d as gcraçòcs seguintes — as dos anos 6(), 7ü — quando o am or, se doía da mesma form a, já contava corn alguns rem édios. D olores m orreu a 24 de oulu- bni de iy.S9. P orian io , dois meses antes dc chegar ao fim um a década em que se acreditava na força daquelas barreiras. Trojícçava-se nelas, caía-se na fossa. Só dc|X)is os prcconcellos com eçaram a cãir e com eles m ulio d o que D olores e sua geração supunham impossível.

É v erdade que Vinicius e tantos ou­ tros poetas da m úsica popular tam bém cantaram Incontáveis vezes o tein>i do am or vencido [lor barreira s ilc toda sorte. É tem a m uito antigo enire nossos letils- tas. O icstes H arbosa, }hu exem plo, foca- lizou o num a de suas c a n ç w s com Srlvlo Caldas:

Que to rtu ra n te ironia 0 amr)r com categoria Eu am o e nãit posso am ar E dr|X )is dele Jiiipe F ara j, de parce­ ria com N ihon Ir lx e ira :

i;ia (■ t:\iJ lifli f n t In.,

Dolores D uran é revivid a através de suas canções pelo pian o e a vo z de M ariza G ata M ansa, de hoje a 8 de seievibro, às 18h30niin, na S ala Funarte

seu tem po e lugar. Foi acima dc tudo a cantora das longas esperas e dt)s fins de caso, das noites passadas nos bares da Zon.i Sul. entre goles de uísque e sambas- cançòes. Seus personagens — no fundo ela mesma — tem muito a ver com os angustiados seres que caminham pelas páginas dc 0 Encontro M arcado, dc Fer­ nando Sahino, ou que freqüentavam assi­ d uam ente as crônicas de A ntonio Mária (nâo por acaso, Paulo Pontes juntou M aria a Dolores para criar o admirável es|x:tilculo que fui Brasileiro: Profissão Esperança).

A poeta da espera, (luase sempre írustjada;

O lhe, se eu ílco sn/ínha Acalw cansando de tanto tc esperar... O u então:

Enquanto cu (e esperava... E sou feliz de afhar ainda em ti o que restou

O u ainda:

Vivendo p ara o sonho de esperar Alguém que ponha fim an meu tor­ mento

O u neste fccho de grande ío iça: Uma só noite de pax pra nâo lem brar Que eu náo devia esperar e ainda es|>ero.

Mesmo numa canção conto A Noite de Meu Bem. de clima mais lírico, os prim eiros versos conduzindo aparente­ m ente para um happy ending pouco cot nmm na obra de D olores, ela arrem ata com Indisfarçado desalento:

Ah, comn esse bem dem orou a chegar

Eu jã nem sei se lerei no olhar I o d a 0 purcra que eu quero lhe dar. D e ce ttü m odo. Dolores D uran é um fenôm eno da música popular brasileira m oderna. Nascida Adiléia Silva da Ro­ cha. a 7 de junho de 1930, em pleno subúrbio carioca, passou a m aior parte da iníãnciii e adolescência entre Irajii e Pila- ícs. D e urna família ttu>dpsi:i, nud foi alcni do prim ário. !: nn rnhm».>

(A Noile do Mcn Hcm, Solidão, Casllgi Fim de Caso, Noite dc Paz lêm música letra suas). Sem jam ais te r freqüentad^^i aulas de canto, era um a cantora scg u r?fi afinada, intérprete sensível de vários neros, o sam ba-canção, o baião, o bole­ ro, 0 fox (rot. Cantava em vários idiom usa com prontincia impecável. Sem mal do­

m inar 0 português. ''*•

Um fenôm eno sobretudo por ler vivIOf do táo pouco — 29 anos —• e conseguidjj-^ captar, cm seu breve lem po de vida, tanto do m undo ü sua volta. Contam qu 5 ^ am ou muito. Um casam ento Infeliz (coi^jj 0 rádioator M acedo N eto. falecido iccen«íi tem ente), vários fins de caso dohírosos'^'^ Hebia m uho tam bém . Varava noitei?» cuitindo a sua fossa, cantando suas guas:

Ah, Icva-me contigo

Pela noite eterna da tna am argura.'^'' O u acariciando o seu p e r m u n c n t ^ "n ão pode ser":

Segue 0 teu sonho impossível Não tentes fugir

0 que eu quero é fícar a ieu lado E te am a r sem pre, sem pre, sem nada pedir.

0 coraçáo doente derrubou-a cedo^ú' U m a cardiopatia, ao que parece congenij;^ la. recom endava vida regiada, n üiics.í bem dorm idas, em oções dosadas. P arS ^ ela. tam bém isso era impossível:

Quem foi que le eiLsinou o que

c h orar M

A m orte da prim eira ilusão. .

Foi a cantora dc sua cfXKa. de suá geração. C om pôs relativam ente pv'”Cí^’.‘ (m enos dc m eia ccntena de cam,‘òcsji^; Parceira de '• ''m .íobim. Ribam ar (quêv»;, táo inspirüdam enic m usicou, depois d|„* m orte da am iga, os versos de T e rn u ra ’' Antiga), Bllly B lanco, Edson B o rg e s ^ , F ernando C ésar, Lúcio Alves, Carlos.»- Lira. Parceiro da noite e dos eníossadoi?'* como ela. Sua vida como sua obra a in d a . não íonmi bem rcavidlinlits (urn rilrnc.õf

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No documento A poética do amor em Dolores Duran e Maysa (páginas 149-152)