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3. Estudo Monográfico do Monumento Megalítico da Bela Vista

3.5 Materiais arqueológicos

3.5.5 Artefactos ideotécnicos

Na 1ª metade do 3ºmilénio a.n.e., dois subsistemas mágico-religioso que coexistem em diferentes regiões do nosso território (Gonçalves, 2008):

• Um de origem mais antiga, local, consubstanciado na deposição de placas de xisto antropomorfizadas junto aos enterramentos;

• Outro de cariz mediterrâneo que consiste maioritariamente no uso de artefactos votivos de calcário nos rituais funerários com enquadramento crono-cultural de matriz mediterrânica;

Relativamente ao primeiro subsistema referido, acredita-se que este tem uma origem «indígena» mas no entanto, as informações sobre este, cingem-se ao facto de incluir a prática ritual de associar aos defuntos uma imagem protectora, consubstanciada nas placas de xisto gravadas, com componentes decorativos geométricos ou geometrizantes, que têm vindo a ser sistematicamente estudadas no âmbito do projecto PLACA NOSTRA (Gonçalves, 2008; Sousa e Gonçalves, 2012). A área central de origem das placas de xisto gravadas e do complexo mágico-religioso associado terão o Alentejo como área nuclear, surgindo também em menor número na Estremadura e no Algarve. Esta prática ritual apresenta-se dinâmica, evoluindo ao longo dos últimos séculos do 4º milénio a.n.e. e 1ª metade do 3º milénio a.n.e, quer em forma, como provavelmente em significado, cuja fase mais recente é caracterizada pelo surgir de uma «imagem dentro da imagem». A placa antropomorfizada representa a imagem globante, a Deusa-Mãe e a

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imagem incluída, representa um Jovem Deus, que surge figurado tmabém nos ídolos almerienses ou ídolos chatos (Gonçalves, 2003 e 2008; Sousa e Gonçalves, 2012).

O segundo subsistema que se conhece é caracterizado pelo uso de artefactos votivos de calcário, associados maioritariamente às deposições funerárias e crê-se que têm dois centros de origem em Portugal: um na Península de Lisboa (que apresenta a maior diversidade formal e maior número deste tipo de artefactos) e outro no Algarve Ocidental. Estes artefactos votivos de calcário assumem formas e significados diferentes dos das placas de xisto gravadas ou de grés, apesar de partilharem componentes gráficos similares, como os triângulos preenchidos com retícula ou os símbolos da Deusa (Gonçalves, 2003 e 2008; Sousa e Gonçalves, 2012). Este sistema mágico-religioso tem as suas influências e difusão no Mediterrâneo, área que apresenta este «gosto pelo calcário» (Gonçalves, 2008) e que assume no 3º milénio e mesmo no 2º um papel importante em torno deste mar e nas suas ilhas (Gonçalves, 2003 e 2008; Sousa e Gonçalves, 2012).

Desta tipologia artefactual, encontramos na Península de Lisboa e Estremadura, os ídolos cilíndricos, os ídolos afuselados ou fusiformes, as lúnulas (Gonçalves, 2003), peças tipo “pinha” (Leisner, 1965; Cardoso et al., 1996a, 2001-02 e 2003); os recipientes de calcário (Gonçalves, 1995 e 2003), os almofarizes para ocre vermelho (Gonçalves, 1995, 2003 e 2008), as placas encurvadas lisas (Boaventura, 2009; Leisner, 1965; Gallay et al., 1973; Cardoso et al., 1996 e 2003) e as enxós encabadas.

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Mapa 2 – Áreas de origem dos Artefactos Votivos de Calcário e Placas de Xisto Gravadas (In, Gonçalves, 2008)

Casos excepcionais deste tipo de artefactos importa referir as sandálias recolhidas na gruta de Alapraia, «o peso de balança» e a cabeça de maçã» da gruta do Correio-Mor, a insígnia de Pai Mogo, o «tentáculo de polvo» de Carenque, as placas encurvadas da Praia das Maçãs, o «cadinho» de Alcalar 2, as esferas do tholos da Praia das Maçãs, entre outros (Gonçalves, 2003).

Os artefactos votivos/ideotécnicos da região de Lisboa e Estremadura correspondem a um conjunto tipológico diversificado, onde se incluem os ídolos-placa, báculos, os artefactos em osso e os artefactos votivos de calcário (Barreto, 1999; Leisner, 1965; Gonçalves, 2003e, 2005b, e 2008b). Estes surgem no contexto do complexo mágico-religioso falado anteriormente, representando entidades e crenças que as comunidades do 3º milénio destas regiões teriam, apesar de se encontrarem algumas representações de artefactos tecnómicos nos conjuntos de artefactos votivos de calcário (Gonçalves, 2003), encontrando-se na sua esmagadora maioria em contextos funerários (Gonçalves, 2003 e 2008; Boaventura, 2009).

No sub-capítulo seguinte iremos focar a nossa atenção nos artefactos votivos de calcário, pelo facto de o espólio referente ao monumento em estudo apenas conter elementos que nos remetem o 2º subsistema mágico religioso referido atrás.

3.5.5.1. Artefactos Votivos de Calcário

Este tipo de artefactos são considerados como ideotécnicos/votivos por terem uma função simbólica e não funcional. O facto de estes surgirem em maior número, nos contextos funerários da Península de Lisboa e Estremadura, apesar de surgirem também em contextos habitacionais, reforça a ideia ideotécnica deste tipo de artefacto.

Entre os povoados abertos e fortificados da Estremadura encontramos a presença destes na Parede, Leceia, Vila Nova de São Pedro, Penedo do Lexim. Os contextos

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funerários são mais vastos, como referido anteriormente e apresentam artefactos mais diferenciados, como são os casos da gruta natural de Correio-Môr, as grutas artificiais de Carenque, Alapraia e S. Pedro do Estoril, uma das antas de Belas, no monumento de Casaínhos, no Cabeço da Arruda e nos tholoi, como Pai Mogo, São Martinho e Praia das Maçãs.

O facto de nos encontrarmos numa área extremamente rica em calcários - a matéria-prima utilizada para a execução deste tipo de artefactos -, pode ter permitido que as comunidades humanas deste território produzissem um conjunto alargado de formas, que traduzem influências exógenas, muito provavelmente mediterrânicas, mas com evoluções locais (Gonçalves, 1995, 2003 e 2008). A reforçar a ideia de que a produção deste tipo de artefactos de calcário, no actual território português, tem a sua origem na Península de Lisboa, está o facto de que estes vão ficando mais escassos em número e com formas menos diversas à medida que nos afastamos das Penínsulas de Setúbal e Lisboa (Gonçalves, 2003 e 2008)

No caso específico do monumento Megalítico da Bela Vista identificamos um artefacto que considerámos como artefacto votivo de calcário, integrável no complexo mágico religioso associado aos rituais funerários do 3º milénio, comuns nos monumentos da Península de Lisboa:

Ídolo Cilíndrico/Ídolo Fusiforme - Trata- se de um possível ídolo cilíndrico ou

ídolo fusiforme em calcário, que foi recolhido pelos escavadores aquando da sua intervenção no arqueosítio, apresentando uma forma cilindroide, sem decoração aparente, e é o único elemento em calcário que se recolheu e identificou no sítio. Tem cerca de 9.1 cm de comprimento e um diâmetro máximo de 2.8 cm

Devido ao seu estado de conservação, não nos é possível afirmar se este foi polido ou se tem/teve decoração, mas integramo-lo no conjunto de artefactos associados ao complexo mágico religioso da península de Lisboa, já descrito anteriormente, por nos encontrarmos numa mancha granítica, onde o calcário não se encontra presente de forma natural.

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Tholoi IC/IF IG PE RC ATM O Agualva X X X Monge São Martinho X X X X Praia das Maçãs X X X X X X Bela Vista X

IC/IF – Ídolos cilíndricos ; IG Ídolos de gola; PE – Placas encurvadas; RC – Recipientes calcários ; ATM – Artefactos tecnómicos; O – Outros

Tabela 8 - -Artefactos votivos de calcário dos tholoi de Sintra

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