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4. Completando o pano de fundo: artesanato Reflexões soltas

4.2. Artesanato e artesãos no Mindelo

Antigamente o artesanato foi muito mais desenvolvido do que agora. E isso é uma grande verdade, porque eu sou testemunho disso. Digamos que o artesanato, como o trabalho cultural, foi mais valorizado.

João Fortes, artista plástico, artesão, músico.

O artesanato mindelense ocupa um lugar especial no panorama do artesanato cabo- verdiano. Mindelo, a cidade-porto, um ponto de cruzamento de várias culturas, cosmopolita e aberta, foi povoado por habitantes vindos das outras ilhas e criou manifestações culturais que testemunham as diversas influências que teve ao longo das décadas. Os tipos de artesanato aí criados, foram, e até certo ponto são ainda, mesmo que numa escala significativamente menor, tão variados como as origens dos seus habitantes. Desde o momento da povoação da ilha, o artesanato começou a desenvolver-se, mantendo, em maior ou menor nível, as características que teve nos lugares de onde vinha, através dos seus criadores. Ainda no século XIX, os produtos artesanais começaram a ser comercializados e depois também elaborados em São Vicente. “Além dos imigrantes definitivos, o Mindelo é alvo de imigração sazonal ou mesmo pendular. Das ilhas de S. Antão, S. Nicolau e mesmo de Santiago, no extremo sul do arquipélago, chegam comerciantes de ocasião, que vêm vender viveres, bebidas e artesanato” (Silva, 2005: 122).

um local agregador da cultura nacional, onde os cabo-verdianos possam testemunhar a sua identidade cultural” (Matos, et. al., 2012b).

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Por isso no Mindelo podia encontrar-se a maioria dos tipos de artesanato, característicos para as outras ilhas do Arquipélago.

Acrescentando a isto as influências vindas de fora e as características que o artesanato criado nas cidades possui, deparamo-nos com uma multiplicidade de estilos e técnicas que, no entanto, assim como mencionado acima, na parte dedicada ao artesanato cabo-verdiano, estão em extinção e se não forem devidamente reactivados, podem desaparecer, dando lugar a modas novas que já estão a ocupar um lugar privilegiado no interesse dos criadores mindelenses. “Nas outras ilhas há mais pessoas que conservam a tradição e aqui já há uma mistura”, afirma o director do CNAD, Manuel Fortes (entrevista 21). E a razão disso tem a ver com as mudanças gerais que a sociedade no mundo globalizado está a passar, ressalta Leão Lopes. “O interessante é que os artesãos contemporâneos não vão aprender, não vão beber no tradicional. Precisamente porque a tecnologia tradicional cansa” (entrevista 18). Aparecem novas formas de criação, com características específicas que as ligam mais ao artesanato criado noutras cidades no mundo do que ao artesanato tradicional cabo-verdiano. A reciclagem, como é chamada pelos artesãos e que, com mais propriedade, deveria ser designada a reutilização, dominou o panorama de artesanato mindelense. É o processo de utilização das materias-primas, que já tiveram outro uso, como por exemplo, as garrafas e sacos de plástico, os jornais, as emablagens, etc., para a produção dos objectos com um novo fim. O valor artesanal deste tipo de artesanato é, em muitos dos casos, discutível, mas qualquer avaliação deste fenómeno exige um estudo aprofundado, que tenha em conta não só o seu componente artístico, mas também razões sociais e culturais que causaram a sua expansão.

Mas não só estes factos distinguem São Vicente em relação ao artesanato. É aqui que nasce o primeiro movimento de investigação, reactivação das técnicas tradicionais, formação e inventariação que abrangeu todo o arquipélago. Foi no meio dos professores do Liceu do Mindelo que surgiram as primeiras ideias de criação de um grupo que tentasse salvar o artesanato tradicional cabo-verdiano que já nesta altura, nos anos 70, estava a desaparecer. A Cooperativa de Produção Artesanal Resistência foi registada em 1976 e tinha objectivos muito ambiciosos e bem definidos. Entre eles constavam: a produção em moldes artesanais de artigos utilitários, a conservação e desenvolvimentos de todas as modalidades de arte tradicional do povo de Cabo Verde, criação duma escola de trabalhos tendo em vista o engajamento de jovens na esfera de produção dentro dos princípios visados, investigação de artesanato tradicional cabo-verdiano e intercâmbio entre os artesãos, tanto a nível nacional, como internacional (Estatuto da Cooperativa de Produção Artesanal Resistência, 1976). Entre os que formaram a Cooperativa estiveram, etnre outros, Manuel Figueira, Luísa Queiros, Bela Duarte. Com o lema “Não deixar morrer a tecelagem”, começou a sua actividade através de investigação deste tipo de artesanato, com “uma

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aprendizagem directa e rápida junto dos poucos tecelões ainda em actividade” (Delgado, 1990: 17). Os artesãos-tecelões que colaboravam com a Cooperativa nesta primeira fase foram o Nhô Griga de Santo Antão e Nhô Damásio de Santiago. Um ano mais tarde a Cooperativa foi transformada em Centro Nacional de Artesanato sob a tutela do Secretário de Estado do Comércio, Turismo e Artesanato e começou o período de intensa actividade artesanal, que ao longo dos anos foi reconhecida a nível nacional e internacional, através da participação em várias feiras e exposições fora do arquipélago88. O director do CNA, Manuel Figueira, desenvolveu, com a colaboração de várias pessoas que formaram a equipa do Centro, um trabalho que deve ser devidamente valorizado. Como muitos dos artesãos, que trabalharam no antigo CNA, ressalta: “As coisas mudaram em relação ao artesanato. Já não se produz o que se produzia, já não se aprende o que se aprendia” (entrevista 2489). “Antigamente o artesanato foi muito mais desenvolvido do que agora. E isso é uma grande verdade, porque eu sou testemunha disso. Digamos que artesanato como o trabalho cultural foi mais valorizado, havia uma sensibilidade maior do governo para não apoiar, mas valorizar” (entrevista 13).

O CNA foi extinto em Dezembro de 1997, deixando desiludidos muitos dos seus trabalhadores e os artesãos ligados ao Centro (entrevista 24). Mas a semente ficou aí, uma vez que foi comprovado que através das acções desenvolvidas em grupo, consegue-se ir mais longe. O espírito de associativismo entre os artesãos ficou na memória dos que conheciam a história do CNA, partilhada pelos seus funcionários e que foi o ponto de referência para toda a história do artesanato cabo-verdiano. No momento em que começou novamente a sentir-se que, por um lado, o artesanato, especialmente na sua vertente tradicional, estava prestes a desaparecer e, que por outro lado, há muitos criadores na ilha, que por falta de formação, consciencialização e apoio, produzem as peças mais simplificadas que raramente encontram vias de escoamento e que não têm condições que garantam o trabalho digno na área que escolheram, o impulso de associativismo entre os representantes da classe foi reactivado. O interesse da parte do Governo, devidamente explícito no PLEI-Cultura e que já resultou em reabertura do CNA, agora com uma fórmula renovada e designado como Centro Nacional de Artesanato e Design, ajudou a tomar a iniciativa e uma nova tentativa de organizar os representantes da classe e criar uma associação que desse a voz aos artesãos, requerendo os seus direitos como trabalhadores e tentando encontrar um novo caminho para o artesanato cabo-verdiano.

88 Todas as actividades do CNA estão bem documentadas nos Planos de Actividades e Relatórios de

Actividades que se encontram no Arquivo do actual CNAD.

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II ESTUDO DE CASO. ASSOCIAÇÃO DE ARTESÃOS DE MINDELO CAMIN

Figura 2.1 Logotipo da Associação CAMIN