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Articulação entre os conceitos norteadores

CAPITULO I CONCEITOS NORTEADORES

1.4 Articulação entre os conceitos norteadores

A articulação que fazemos nesta tese entre teorias e áreas disciplinares é inspirada, inicialmente, na LA e, em seguida, por nossa interação com o grupo ALTER, já referendado nesta tese, que estabelece relação entre diferentes campos do conhecimento.

Esse grupo, a fim de atender aos objetivos das pesquisas realizadas por seus membros, toma o interacionismo sociodiscursivo como fonte de referência maior, associando aportes da Ergonomia da Atividade, da Psicologia do Trabalho, da Filosofia da Linguagem e da Linguística. Esse conjunto de aportes teóricos e metodológicos contribuem, então, para a constituição do quadro teórico e metodológico desse grupo que investiga o trabalho do professor/docente, mais especificamente, até o momento, como esse trabalho se reconfigura pelos próprios trabalhadores em diferentes situações. Embora integremos nossa pesquisa a esse grupo, não nos fundamentamos em todos os autores.

Com base nos resultados das pesquisas realizadas a partir dos aportes teóricos e metodológicos oriundos dos campos já referidos, o grupo elabora uma concepção de trabalho do professor/ docente que se constitui na interação de professores com os alunos, colegas de trabalho, pais, sendo considerado como uma atividade integrante de um sistema educacional e sócio-histórico mais amplo. Essa noção será discutida em nosso segundo capítulo.

Seguindo a orientação desse grupo, em nossa pesquisa propriamente dita, reunimos teoricamente alguns conceitos já abordados por ele no que se refere ao ISD (BRONCKART, 1999/2007, 2006, 2008) e à Clínica da Atividade (CLOT, 2010), sendo ampliada com conceitos da Didática e Didática das Línguas (BUCHETON e DEZUTTER, 2008; SCHNEUWLY e DOLZ, 2009), conforme explicitamos em seções anteriores.

Em nossa pesquisa realizamos uma investigação que se centra sobre o desenvolvimento do humano, mais especificamente, no que se refere ao

desenvolvimento das pessoas (professores, alunos e pesquisador/formador) em contexto escolar por meio das interações entre elas.

Ao relacionarmos os conceitos vindos das três vertentes teóricas que apresentamos, reconhecemos algumas distinções entre concepções e enfoques dados aos sujeitos de suas pesquisas. Entretanto, vale ressaltar que a articulação que fazemos não se dá de forma aleatória, mas, sim, segue critérios que nos permitem estabelecer uma coerência teórica no que se refere à abordagem vygotskiana em relação à concepção de desenvolvimento humano e à abordagem de uma linguagem sócio-historicamente construída.

A base que interliga os conceitos norteadores que empregamos em nossa pesquisa se faz sob a compreensão de que a linguagem exerce o papel fundamental no desenvolvimento do ser humano. É na linguagem e pela linguagem que nós nos constituímos e nos desenvolvemos, ampliando nossa capacidade de (inter)agir no meio social.

No que se refere ao desenvolvimento humano, os pesquisadores do interacionismo sociodiscursivo que realizam seus estudos sobre o trabalho tem como centralidade o desenvolvimento do trabalhador ou da pessoa, em um movimento cíclico e dialético, mostrando a influência primeira dos pré-construídos histórico-culturais (as atividades coletivas, as formações sociais, os textos e os mundos formais) no agir humano individual e como, por sua vez, as pessoas alimentam continuamente esses pré-construídos, em um movimento cíclico e dialético.

Considerando que os pré-construídos são construídos socialmente, pode-se dizer que, ao nascer, uma pessoa entra em contato com um meio ambiente preparado para ele por gerações anteriores. E o desenvolvimento humano vai se dando nesse meio ambiente organizado pelas atividades coletivas e as formações sociais que, por sua vez, são regidas por normas e regras que, quando internalizadas pelo indivíduo, tornar-se-ão constitutivas dele e assim ele poderá contribuir para a transformação ou estagnação dos pré-construídos.

A nosso ver, retomando Bronckart (2008), será no confronto entre o que é externamente proposto nos pré-construídos e na formação individual e psíquica de

cada pessoa que acontecerá o desafio interno, como discutido por Clot (2010) que considera o conflito o elemento principal para o desenvolvimento humano.

Vale ressaltar que em nossa pesquisa consideramos a formação individual e psíquica de cada um resultado de um processo marcado pelas práticas sociais. Portanto, é na dialética entre a tese construída pelas pessoas na constituição dos pré-construídos e a antítese constituída pelo indivíduo (nas práticas sociais) a fim de elaborar uma nova tese que o desenvolvimento humano ocorre.

Ainda na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo, voltado para o campo da didática das línguas, os pesquisadores que realizam seus estudos sobre o ensino consideram que o desenvolvimento humano se dá também em contextos de ensino formal. Nesse contexto, suas investigações enfatizam o objeto de ensino das aulas de línguas (quais são eles, como podem ser caracterizados), a fim de verificar como ele se desenvolve, e, como em contexto educacional, os professores podem contribuir com o desenvolvimento dos aprendizes e deles próprios, bem como elaborar materiais didáticos que possibilitem esse desenvolvimento.

No que tange à noção de atividade, ela é um conceito que se difere nas três correntes. Em Clot (2010), a noção de atividade assemelha-se à noção de agir tal como discutida no interacionismo sociodiscursivo34e, em relação a didática, ela é compreendida em outro nível, conforme discutimos nas seções anteriores.

Em nossa tese consideramos a atividade como forma de organização social construída coletivamente ou simplesmente uma prática social que influencia as ações das pessoas e que é influenciada por elas. A atividade docente, portanto, teria um sentido coletivo e ao mesmo tempo individual. Coletivo no sentido de que as regras e normas que regem essa atividade são construídas coletivamente e individual no sentido de que as pessoas podem transformá-la ou adaptá-la a novos padrões por meio de suas ação individuais que podem se tornar coletivas.

Além desse nível de interpretação da atividade, ainda consideramos em nossa tese o nível das atividades escolares. Para tanto, nos pautamos na noção de                                                                                                                

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Embora reconheçamos a distinção, nossa pesquisa não objetivou realizar uma comparação a respeito. Acreditamos, no entanto, que outras pesquisas possam existir a respeito desse sujeito.

atividade escolar tal como desenvolvida no grupo GRAFE. Nesse nível, compreende-se como atividade escolar o conjunto de tarefas e exercícios que operacionalizam e materializam os objetos de ensino (SCHNEUWLY, 2009). Ela é, portanto, as maneiras de se encontrar o objeto de ensino, isto é, de trabalhá-lo e estudá-lo. As atividades escolares são materializadas pelas instruções dadas aos alunos pelos professores.

Frisamos, portanto, que, ao incidirmos sobre o trabalho realizado na atividade docente que integra uma atividade educacional mais ampla, pautamos na noção de atividade do interacionismo sociodiscursivo; já no que refere à análise das práticas de ensino, especificamente, voltadas para as tarefas escolares, nos referimos à atividade escolar, proposta no grupo GRAFE.

Em relação às ações, ao agir e aos gestos, em nossa pesquisa, associamos a noção de gestos didáticos às unidades de ação que consideramos como modos de intervenção didática que são identificados por meio da interpretação das produções linguageiras de professores e alunos em interação em sala de aula, tendo como foco o objeto de ensino no processo de ensino-aprendizagem. Ao lançarmos um olhar para os gestos didáticos como esses modos de intervenção didática e como sendo unidades de ações didáticas, levantamos a hipótese da existência de um “agir didático” como uma das dimensões do agir docente, a ser melhor explicitado em nosso segundo capítulo.

Em nossa pesquisa, realizamos também a análise de textos produzidos pelos professores em situação de autoconfrontação simples e cruzada. Ao fazermos essa análise, buscamos de modo mais amplo interpretar a reconfiguração feita pelo professor de seu próprio trabalho.

Conforme já explicitado, na seção anterior, de acordo com Clot (2010), a autoconfrontação permite a produção de textos feitos pelos trabalhadores ao observarem suas atuações em uma situação de trabalho. Esse texto será sempre coproduzido (professor-pesquisador e/ou interventor ou professor-professor), portanto, na autoconfrontação haverá sempre um outro (ser físico), mas também outros pelo princípio das diferentes vozes que constituem o nosso próprio discurso.

a tarefa apresentada aos sujeitos consiste em elucidar para o outro e para si mesmo as questões que surgem no desenrolar de sequências de atividades mostradas em documentos de vídeo (CLOT, 2010, p. 143).

Esse confronto possibilita a ampliação do poder de agir dos participantes pela tomada de consciência de sua atuação e pelos conflitos que isso possa gerar.

Nas pesquisas realizadas por pesquisadores do interacionismo sociodiscursivo, esse método é usado na geração de dados para analisar como o agir didático encontra-se reconfigurado em textos de trabalhadores que participam da atividade do trabalho docente, acreditando, como Clot (2010), que uma atividade quando transformada em linguagem pelo trabalhador pode ser reorganizada e modificada.

Ao utilizarmos as autoconfrontações em nossa pesquisa estamos nos pautando em pesquisas realizadas pelo grupo ALTER/CNPq que buscaram uma melhor compreensão do trabalho do professor a fim de pensar em possíveis formações.

Integramos, em nossa pesquisa, a autoconfrontação à dupla triangulação, em que o método de autoconfrontação poderia contribuir para a identificação ou focalização do objeto de formação a ser coconstruído com os formandos (professores em formação continuada ou formação inicial).

Neste capítulo, buscamos apresentar alguns conceitos norteadores que integram nossa pesquisa, que servem de base para a discussão que realizaremos nos demais capítulos desta tese.

           

CAPITULO II – O AGIR DOCENTE E O TRABALHO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA

Neste capítulo, discutiremos as concepções de trabalho e de agir docente que sustentam esta pesquisa, retomando, quando precisar, o quadro teórico discutido no primeiro capítulo. Compreendendo a influência primeira dos pré-construídos sobre nós, iniciaremos por uma apresentação histórica das políticas educacionais e seu papel na elaboração dos currículos dos programas de Língua Portuguesa e, consequentemente, no trabalho do professor dessa disciplina. Seguiremos com a concepção de agir docente que, de certa forma, de acordo com a abordagem teórica assumida, contribui para uma explicação sobre o que vem a ser o trabalho do professor de Língua Portuguesa atualmente. E, por fim, enfocaremos sobre o trabalho do professor de Língua Portuguesa, mostrando os aspectos particulares que nos levou a tê-lo como objeto geral de nossa pesquisa.

2.1 As influências das políticas educacionais e das concepções teóricas