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A consciência dessas situações limitantes e a busca por soluções alternativas para as mesmas é o que caracteriza os objetos desta pesquisa. Aos poucos, os entrevistados encontram na articulação em rede a possibilidade de buscar meios para subsistir. Ramon, que deixou clara sua visão com relação à necessidade de articulação em conjunto para sobreviver no campo da arte, aponta as dificuldades que visualiza em seus pares. “É difícil achar pessoas que tenham paciência de se organizar. Se organizar é um processo, não uma mágica. E não te dá resultados a curto prazo. O estar organizado às vezes leva anos para ter algum resultado”, explica. “Quem monta uma empresa leva anos até ter lucro. (Com) Uma associação (esse tempo) possivelmente é o dobro, leva uns quatro anos para ter algum retorno coletivo”.

A consciência da necessidade de articulação em rede estava presente em quase todas as entrevistas. Chico Soll expôs um pouco de sua frustração por, até então, não ter conseguido organizar um cenário que contribuísse para isso. “Eu queria muito que a Prego conseguisse se relacionar com outros espaços de Porto Alegre. Gostaria de ter mais relações com a Casa Baka, com a Casa Musgo (ambas galerias da mesma cidade dele)”, afirma. “Como eu não consigo ficar 100% do tempo na Prego, talvez eu não tenha conseguido estabelecer essas relações como eu gostaria”.

Titton, do Linha, também traz reflexões que dialogam com as de Chico. “O principal nesse momento seria, para nós e para outros espaços, um pouco dessa quebra de paredes, das coisas saírem um pouco de seus espaços físicos. De não ficarem confinadas e limitadas aos seus endereços”, observa, destacando que faltava aos espaços estarem em lugares que se comuniquem com as pessoas que não conhecem esses espaços ou não frequentam eles. “Falta colocar a arte mais no dia-a-dia das pessoas do que a gente tem hoje. Hoje a gente tem essa parede porque, pra pessoa consumir, experenciar a arte, ela precisa ir a um lugar muito específico. Falta a arte estar mais acessível nesse sentido”.

Chico Soll vê na história da casa que ele divide com outros colegas/empresas uma referência da potência que a construção conjunta de uma rede de contatos tem. Os eventos da Galeria Prego são promovidos em conjunto com os outros colegas da casa. Dessa forma, cada um traz seu público e oportuniza uma troca entre os mesmos. “Eles fazem um evento que traz pessoas pra loja deles e, por consequência, trazem mais público para a exposição. Talvez um público que não viria numa exposição”, explica Chico. Por essa lógica, o potencial de alcance de um evento da galeria aumenta consideravelmente se compartilhado com as outras iniciativas. “Quando tu faz uma exposição, tu vai atingir majoritariamente pessoas interessadas nela, que vão atrás dos eventos e que conhecem a galeria (. . . ). Aí tu vai atingir pessoas próximas ao artista, próximas ao curador e amigos em comum, que é uma rede restrita. Com eles (as outras iniciativas da casa), a gente consegue trazer muita gente que não viria aqui”, afirma.

Talvez o melhor exemplo seja a história do lançamento da exposição Atlas nº2, a exposição coletiva da galeria. O evento que aconteceu junto com as demais inicitivas

da casa, reuniu aproximadamente 400 pessoas dentro e fora da casa. “Estava muito cheio, tu não conseguia caminhar”, relata Chico. “A gente tirou a mesa do Atelier da Letícia e fez uma pista de dança onde tu não conseguia se mexer, tu passava com um ombro encostando no ombro das outras pessoas”, conta, ressaltando que ficaram tantas pessoas do lado de fora da casa que a rua ficou fechada. Isso resultou na visita da polícia, chamada pela vizinhança (a galeria fica em um bairro residencial). Apesar dos problemas, Chico encara a experiência como saldo positivo. “Acho que é isso, quando há essa troca, a gente consegue trazer mais gente”, destaca.

Figura 22 – Evento de lançamento da exposição Atlas nº2

Fonte: Arquivo Galeria Prego

Um ponto importante a ser colocado é que todas as iniciativas estudadas, de alguma forma, buscam força na coletividade, seja ela interna ou externa ao espaço deles. O Ateliê 1 é uma associação; o Acervo Independente se entendia como uma casa colaborativa; a Paxart se apresenta externamente como uma empresa, mas internamente se entende como um coletivo; o Planta Baja desde o início foi um espaço de atelieres compartilhados; o Linha também tem como meta esse compartilhamento de atelieres e parece caminhar também para uma gestão com o mesmo perfil; e a Galeria Prego, embora a princípio pertença a Chico Soll, ela conta com o apoio fundamental de todas as outras iniciativas que mantém a casa que a abriga.

Durante a entrevista, depois de ressaltar a necessidade de interagir com outras instituições autônomas, Chico lançou a seguinte reflexão: “pensando na nossa conversa agora, se essas outras iniciativas da matéria escura se articularem de uma maneira mais clara, talvez elas ganhem mais força, mais visibilidade”. Meses depois dessa entrevista, quando o texto desta dissertação estava quase pronto, tive a grata surpresa de descobrir que essa ideia trazida por Chico estava em execução. No dia 28 de setembro de 2019 aconteceu o lançamento do Pólvora, iniciativa de espaços autônomos de arte “para a instauração de uma rede ativa local voltada à articulação de proposições comuns” no qual Chico e mais dois espaços (Casa Baka e Bronze Residência) estavam a frente. A proposta se apresentou com o seguinte texto:

(Pólvora) Nasce do desejo de estarmos juntes, entendendo que para nossa existência e continuidade é preciso nos apoiarmos mutuamente e estarmos ainda mais próximes, uma vez que operamos com demandas e questões de sustentabilidade parecidas. Pólvora é também uma forma de afirmação da nossa existência independente e de nossa relevância no circuito contempo-râneo, e um chamado para que instituições e indivíduos integrem essa luta conosco. PÓLVORA é explosão, emergência, políticas do comum, lugar de fala e escuta. PÓLVORA é espaço de convívio, é prática de conversa, é fazer junto agora. É pensar saídas para o momento atual e a sobrevivência de iniciativas autônomas2

Figura 23 – Primeira reunião do Pólvora, realizada no espaço Linha

Fonte: arquivo pessoal da autora

O movimento que dá origem ao Pólvora é um exemplo claro de artistas que abraçam sua redundância através de ações com características de inovação social e

2 Pólvora | circuito dos espaços autônomos de arte - https://www.facebook.com/events/534057313802 319/ (acessado em 30/09/2019)

econômica, na medida em que buscam soluções propondo novas orientações culturais. Se esta pesquisa começasse agora, talvez fosse o Pólvora o objeto da investigação.

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